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Driblando o luto e a distância com a escrita

Mulher assinando livro
Ana Paula Etienne encontrou na escrita uma maneira de se despedir e expressar seu amor por seu primo. swissinfo.ch

Escrever pode ser ferramenta de ajuda para superar dores ou opção de presente criativa.

Quem mora no exterior já enfrentou ou irá se deparar com a situação da morte de um familiar e a impossibilidade de chegar a tempo para o último adeus. Além do gosto amargo da tristeza, sente-se o vazio da ausência dos ritos do enterro, importantes para o fechamento daquele ciclo. O que fica é saudade e impotência por não estar por perto e viver o luto junto dos seus.

Como, então, suportar a vivência de um fato como o falecimento estando distante e sem possibilidade de expressar os sentimentos? A empresária e escritora Ana Paula Etienne, que vive em Genebra e vende livros infantis pelo portal Minibilingue.comLink externo, encontrou na escrita uma maneira de se despedir e expressar seu amor por seu primo, que vivia no Rio de Janeiro e faleceu repentinamente em agosto de 2018. 

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Livro que homenageia

Criada junto com o primo Hamurabi, ela quis homenageá-lo, mostrar gratidão pelo companheiro que foi durante sua infância e contar à afilhada tudo que o pai não terá mais como ensiná-la. De acordo com a escritora, colocar sua emoção em palavras foi uma espécie de catarse, uma forma de lidar melhor com uma realidade estarrecedora e de ajudar a manter a presença do pai de família na memória da menina. “Eu pensei: como posso ajudar essa criança de sete anos que está tão longe de mim e que perdeu seu pai? Como eu faço para ela entender que ele será sempre seu anjo da guarda?”, questiona Ana Paula.

O resultado foi o livro infantil “Meu Anjo da Guarda Surfista”, que conta a história do primo. Na aventura, o anjo da guarda diferente ensina e protege a filha, transformada no livro na personagem Nunu. Ele ensina a pegar onda, a andar de skate, a lidar com situações do dia a dia. Junto com as histórias, a escritora passa as sensações que vivenciou com o primo, conceitos abstratos passados por ele para a então menina, como o sentido da palavra liberdade, coragem, igualdade entre meninos e meninos, além de compreensão.

Mais que isso, o livro traz à Ana Paula a sensação de que o primo estará sempre presente, em sua vida e na de sua afilhada. “Eu tenho certeza de que ele teria ficado muito orgulhoso de mim”.

Empresária da área editorial, que vende livros infantis brasileiros para famílias que moram fora do Brasil, conta que nunca tinha escrito um livro. Conseguiu terminá-lo em três dias e lançar no Rio de Janeiro, pela editora InVerso, no dia 24 de novembro de 2018. Entre a data da morte do primo e o lançamento, foram apenas três meses. As ilustrações foram baseadas nas fotos de Hamurabi com a filha. Além de mostrar à menina quem foi seu pai, Ana Paula diz que o livro é uma declaração de amor.

Trecho do livro Meu Anjo da Guarda Surfista:

“…Nunu, infelizmente tive que partir. Mas não se preocupe, estarei sempre ao seu lado! Lembre-se sempre de fazer o bem, de ser forte e corajosa!

Toda a coragem que te ensinei, na verdade já existia dentro de você! 

Você pode escolher ser uma princesa, uma guerreira, uma lutadora, uma dançarina, uma surfista ou um pouco de cada. Você pode tudo!

Ah, e seja feliz ! Seu sorriso ilumina o mundo !

Quando sentir saudades, lembre-se das nossas aventuras. Deixei um presente especial que sempre lhe fará lembrar de mim. Com amor, seu anjinho Hamu.

Não compre presente, escreva para quem você ama…”

A artista e escritora Terezinha Malaquias, que vive na Alemanha, confeccionou livros para dar aos três sobrinhos de São Paulo. Amante de livros, Terezinha é autora de cinco, inclusive do infantil bilingue Menina Coco, lançado pela Editora Helvetia e do Modelo Vivo, pela Via Lettera Editora. Com a literatura e a arte na cabeça, queria presentear as crianças com algo especial, e não com um brinquedo comprado em uma loja. Eis que surge a ideia de juntar frases divertidas ditas pelos sobrinhos Alice, Marinho e Thaís – sete, três e dois anos e ilustrar com desenhos do próprio punho.

Terezinha fez três livros individuais, cada um com as frases-pérolas, como um resumo da história de vida das crianças e suas peripécias e formas de pensar. Cada exemplar tem 12 páginas e até sete ilustrações.

Mulher com livros
O sonho de Terezinha Malaquias é que as crianças possam, no futuro, sorrir ao folhear um pedacinho das suas histórias naqueles pedaços de papel. swissinfo.ch

“Eu me lembrei da minha sobrinha Alice, agora com sete anos, em um dia de muito calor no Brasil dizendo: Fecha o sol, tia Cris, na época com três anos. Coloquei no livro para o Marinho, que completa três anos em breve, a linda declaração de amor dele: Te amo do fundo do mar, que ele disse a alguém da família. Eu me derreto mesmo por eles e a intenção era essa: mostrar meu amor de uma forma diferente”, explica.

O sonho de Terezinha é que as crianças possam, no futuro, sorrir ao folhear um pedacinho das suas histórias naqueles pedaços de papel. “Quando eles relerem, já grandes, que eles falavam garra-chuva, por exemplo, em vez de guarda-chuva, o presente já terá cumprido sua função”.

Estudos comprovam que escrever pode fazer bem para a alma

Tudo bem que Ana Paula Etienne e Terezinha Malaquias dedicam grande parte de suas vidas aos livros e compartilham de um dom especial. Mas escrever sobre sentimentos e emoções é uma boa maneira de lidar com traumas e estresses provenientes de acontecimentos inesperados, de acordo com estudos que vêm sendo desenvolvidos nos Estados Unidos nos últimos anos. Pesquisas indicam que a escrita contribui para diminuir dores, apneia do sono, asma e enxaqueca.

De acordo com estudo publicado no periódico British Journal of Health Psychology, colocar no papel emoções positivas pode ajudar na redução de estresse e ansiedade, por exemplo.

O fato é que, ao escrever sobre emoções, a pessoa expressa a situação e tem a possibilidade de encarar o acontecido sob diferentes perspectivas. Os cientistas alertam, no entanto, que a atividade não é adequada para todos os tipos de pessoas.

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