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Jovens de comunidades cariocas convidados a estudar inglês na Suíça

Jovens
Os jovens brasileiros Letícia, Thiago, Ellen e João Victor swissinfo.ch

Se alguém contasse a um jovem morador de uma favela que ele iria estudar a língua de Shakespeare nos Alpes suíços, provavelmente não acreditaria. Pois foi exatamente o que aconteceu com Thiago Araujo Freitas, Letícia Araújo Lima, Ellen Matos Enrique e JoãoVictor Carvalho de Souza, adolescentes que embarcam dia 20 de julho para uma viagem de sonhos, com tudo pago, por duas semanas, pelo Projeto O Mundo é de Todo Mundo. Como o nome já diz, todos e não somente uma minoria, deveriam ter acesso ao universo do intercâmbio. 

As roupas já estão compradas e separadas há algum tempo, o passaporte de folhas em branco à espera do primeiro embarque internacional. Com os corações a mil, os sonhos, antes impossíveis, ganham asas. Esse é o estado atual dos quatro adolescentes de 14 a 16 anos, oriundos de favelas cariocas ou de baixa renda, que vêm à Suíça dia 20 de julho aprimorar a fluência da língua inglesa por duas semanas em uma colônia de férias, chamada pelo mercado de Summer Camp linguístico. Pertencentes à classe desfavorecida brasileira, nunca poderiam vivenciar tal experiência se não fosse por projetos de estímulo à educação como O Mundo é de todo mundo, que pretende democratizar o intercâmbio internacional a jovens que não podem pagar.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

O programa social foi criado pela pedagoga Patrícia Abreu e a administradora de empresas Carolina Fróes, e apoiado pela agência de cursos de férias de idiomas suíça friLingue, empresa da qual Patrícia é representante no Brasil, e pela agência de Intercâmbio Cultural e Turismo True Experience, na qual Carolina é diretora. Juntas, as duas conseguiram, além da bolsa de estudos total para os quatro participantes dos cursos, passagens, seguro viagem, apoio psicológico, tudo por meio de parcerias de outras empresas e de profissionais que se solidarizaram com a causa e uma pequena parte por vaquinha virtual.

O projeto O Mundo é de Todo Mundo pode ser explicado como uma corrente do bem de muitos elos. Já começa com a escolha dos jovens bolsistas que, por sua vez, frequentam Organizações Não Governamentais brasileiras voltadas à educação, como a Futuro Bom e o Instituto Rogério Steinberg. Os adolescentes foram selecionados pelas duas ONGs, que levaram em conta o potencial de aproveitamento da experiência. Meritocracia, segundo Patrícia, não teve impacto na escolha.

“Levamos em consideração aspectos como igualdade de gênero e conhecimento prévio do inglês, para que a experiência fosse melhor aproveitada, além de questões como o real interesse no programa de intercâmbio. Queríamos pessoas que entendessem a real força de transformação dessa vivência”, explica Patrícia, que tem mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e cuja dissertação analisa a educação no Brasil sob a ótica da desigualdade e a relação dos espaços sociais e a escolarização. 

A ideia de um projeto que promovesse a inclusão educacional já era uma sementinha na cabeça de Patrícia e de Carolina há algum tempo. Bastou um encontro entre as duas para que descobrissem objetivos em comum, saíssem a campo e transformassem a abstração em realidade. “Quando eu era mais jovem, também achava que não conseguiria realizar o meu sonho de estudar fora, mas eu consegui. Fiz intercâmbio na França. Esse simples ato de aprender algo no exterior por um período, seja por somente duas semanas, é incrível. Sair da zona de conforto e experimentar outras culturas é uma experiência muito transformadora, pena que para poucos”, explica.

A corrente do bem tem se espalhado. Incansáveis na busca de parcerias, Carolina e Patrícia conseguiram atrair a atenção do fotógrafo e film maker Thiago Theo, vencedor de prêmios internacionais de curta metragem e proprietário da produtora de Áudio Visual Creative Home Films. Entusiasmado com a ideia do Projeto, o produtor embarca junto com os adolescentes no Rio de Janeiro rumo a Genebra, destino final, e convive com eles durante as duas semanas. O resultado será um curta metragem sobre a experiência na Suíça. “Quem sabe a exibição desse curta não cause uma sensibilização que garanta a segunda e outras edições futuras do projeto?”, espera Thiago.  

Os quatro adolescentes ficam até o dia 4 de agosto, divididos em dois grupos. Um irá estudar no Campo em Schwarzsee, no cantão de Friburgo; e o outro em Liddes, no Valais. O cineasta se dividirá entre os dois lugares. “O quanto os jovens irão aprender de inglês é uma incógnita. A bagagem cultural e a crença de que seus futuros podem ser mudados pela educação, isso será incontestável”. 

O futuro do Brasil também mora na favela

João Victor Carvalho de Souza não cabe dentro de si de tanta alegria. O jovem foi um dos escolhidos para integrar a caravana de adolescentes que vêm à Suíça aprimorar a língua inglesa e viver outras culturas. O rapaz cursa o primeiro ano do ensino médio no Colégio Pedro II e aprende inglês na Cultura Inglesa graças à bolsa de estudos conseguida pelo Instituto Rogério Steinberg, que atua na identificação e desenvolvimento de crianças e jovens com Altas Habilidades ou Superdotação, socialmente vulneráveis da cidade do Rio de Janeiro.

Filho de uma técnica de enfermagem e criado por um padrasto garçon, João cresceu na Favela da Rocinha. Para quem não está familiarizado com a Rocinha, ficou conhecida por ter se transformado na maior favela da América Latina por um certo tempo. Hoje bairro, ocupa uma área de 95 hectares e uma população de mais de 70 mil habitantes, de acordo com o IBGE. E como uma comunidade do Rio de Janeiro, o local é assolado pela violência diária da guerra entre traficantes e policiais. 

Pois foi ali que João Victor aprendeu desde pequeno que a educação é o passaporte para uma vida melhor e de mais oportunidades. “Vi muitos amigos de infância irem para o mau caminho. Mas eu tenho o sonho de ser bem sucedido na vida, de viajar para vários lugares no mundo, de morar fora. Quero aproveitar ao maximo a oportunidade. essa viagem provavelmente irá abrir muitas portas, me ajudar profissionalmente e expandir meus horizontes. Vou voltar mais maduro”, diz o rapaz, que nunca saiu do Brasil e só viajou de avião para visitar os familiares no Nordeste. 

Para o adolescente, que não tinha notas boas em inglês antes de começar o curso privado, a oportunidade que lhe foi oferecida fez toda diferença. “ Hoje eu gosto muito de estudar o idioma, mas nem sempre foi assim. Antes, achava muito difícil, aí fui começando a gostar. Hoje minha pior nota foi oito, mas só tenho tirado de nove para cima”, conta orgulhoso do alto de seus 16 anos. Sua nova aventura é a língua francesa. 

Ele não sabe ainda o que escolherá como profissão, talvez se aprofunde na área de Ciência ou Tecnologia. Mas ele tem três certezas: “Todos deveriam ter educação de qualidade. Quem não tem, acaba seguindo o mau caminho. E para vencer, tem que correr atrás dos objetivos”.

“Sinto um nervosismo bom”

A adolescente de 14 anos Letícia Araújo Lima também vai sair do Brasil pela primeira vez. Ansiosa, quer que o dia 20 de julho chegue logo. Diz que já pesquisou muito sobre a Suíça, principalmente sobre os lugares para passeio e que tudo o que viu é lindo. Comprou algumas roupas novas e já recebeu encomenda de chocolates. 

Moradora da favela do Vidigal, Letícia é filha de um faxineiro sem emprego fixo. Ficou órfã há pouco tempo da mãe, que faleceu há dois anos. Teve acesso ao Projeto O Mundo é de todo mundo por ser aluna das aulas de tênis do Instituto Futuro Bom, que promove o tênis e a educação como ferramenta de inclusão social e desenvolvimento de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.

Contou que no dia em que recebeu a notícia de sua viagem chorou muito. A menina cursa o nono ano de uma escola no Vidigal e pensa em estudar, futuramente, Medicina ou Tecnologia da Informação. Quanto à viagem que se aproxima, diz: “Estou nervosa devido à língua diferente, mas é um nervosinho bom”. 

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