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Não dá para evitar o inevitável

Mulher
Solange Ormos Bote: "...Dependendo da origem do paciente, o foco é mais moralista e as preocupações mais religiosas. E quanto mais a moral estiver presente, menos espaço para o diálogo..." swissinfo.ch

Iniciação sexual dos filhos: como lidar com a situação em países como a Suíça, cuja sociedade é mais liberal e jovens em geral trazem namoradas para dormir na casa dos pais?

Sexo é vida, mas também tabu, principalmente quando em países mais conservadores ou religiosos. Pais migrantes dessas nações têm mais dificuldade de lidar com a situação. Muitos não sabem como proceder, têm medo de tocar no assunto e se sentem pressionados pela sociedade e pelos novos costumes do país estrangeiro, geralmente trazidos para casa pelos filhos.

A swissinfo.ch foi conversar com a psicoterapeuta, sexóloga e terapeuta de casais Solange Ormos BoteLink externo, que tem consultório em Vevey e em Sion, na parte francesa da Suíça. Bote também é mãe, migrante e esposa. Apaixonada pelo tema, falou sobre como lidar com a iniciação sexual dos filhos e tendências das novas gerações, tocando em tópicos ainda mais censurados, como sexo grupal ou por diversão e bissexualidade.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

swissinfo.ch: Como a Senhora vê a questão: deixar ou não os jovens levarem namorados ou namoradas para dormir embaixo do mesmo teto dos pais?

Solange Bote: O tema sexo ainda é, em 2019, um tabu. Deixar os namorados dos filhos dormirem na casa dos pais é um paradigma que precisa ser pensado e quiçá quebrado. Se no Brasil, onde a sociedade é mais conservadora, fica difícil proibir que os adolescentes iniciem sua vida sexual antes do casamento, imagine para o migrante, que mora fora do seu contexto cultural, em um país onde a virgindade não tem tanta ou quase nenhuma importância. 

swissinfo.ch: Como é essa realidade aqui na Suíça?

S.B.: Li um estudo da Universidade de Friburgo, do ano 2000, que dizia que a iniciação sexual dos jovens aqui estaria ligada ao nível de formação educacional. Segundo a pesquisa, o adolescente que opta pelo aprendizado profissional, iniciaria sua vida sexual por volta dos 15 ou 16 anos. Se estudam para ir à Universidade, a entrada no mundo sexual se daria um pouco mais tarde, por volta dos 18 anos.

A tendência é que a Suíça siga sempre a linha da educação e proteção. É importante que os pais entendam que ao se esclarecer sobre o assunto, os mitos se clareiam e se dissipam e os riscos de gravidez precoce ou de doenças sexualmente transmissíveis, além de abusos e violência.

swissinfo.ch: O que a Senhora diria aos pais que estejam vivendo esse dilema ou que ainda não saibam como proceder no futuro?

S.B.: Eu, pessoalmente, diria que não há problema em permitir a iniciação sexual em casa. Mas claro que cada caso é um caso e cada família é diferente. O obstáculo a gente cria por falta de informação.

Tudo que passa pelo diálogo tende a dar certo. Eu aconselharia que os pais conversassem mais com os filhos, perguntassem em que pé está o relacionamento. Exemplo: vocês já estão pensando em iniciar a vida sexual? E complementem com o “Cuidado, não se esqueçam da proteção, que é o preservativo”.

Não é preciso e nem se deve entrar em detalhes e na intimidade. Isso também não é saudável.

Caso haja pudor em falar sobre o tema ou desconhecimento, eu indico buscar ajuda nos diversos centros de educação sexual, na enfermeira da escola, ou levar ao ginecologista, para que consiga a receita para a pílula. A Suíça disponibiliza à população uma gama enorme de serviços de educação sexual. O foco é prevenção e educação.

Mas é imprescindível respeito a regras. Os pais continuam sendo os chefes da casa. Isso significa que a decisão tem que ser seguida de muita responsabilidade e respeito à convivência. Não pode ter barulho, não pode deixar o quarto bagunçado, com preservativos usados espalhados.

Mas o que não dá é para evitar o inevitável, principalmente nos tempos de hoje. É ilusão querer controlar os filhos.

swissinfo.ch: A Senhora percebe diferença cultural no seu dia a dia como sexóloga e com públicos tão distintos?

S.B.: Sim. Dependendo da origem do paciente, o foco é mais moralista e as preocupações mais religiosas. E quanto mais a moral estiver presente, menos espaço para o diálogo. Eu vejo em todos esses anos de consultório que, quanto menos o conhecimento se difunde, mais risco sofre o jovem. O problema do abuso sexual atinge mais a camada dos migrantes, cujas famílias são menos abertas para discutir o assunto. Quanto mais consciência, mais discernimento.

swissinfo.ch: Discutir o tema em casa com os filhos seria então um “dilema da migração”?

S.B.: Eu diria que é mais que isso: trata-se de um marcador do fator de adaptação. Emigrar também é adquirir as normas culturais da sociedade de acolhida. Claro que não é para jogar fora sua cultura própria, mas é preciso ter bom senso para colocar na balança o que deve ficar e o que é necessário “adaptar”.

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Iniciação sexual é tabu para migrantes*

Este conteúdo foi publicado em Eis que chega aquele momento que muitos pais temem: as crianças crescem, os hormônios afloram e seus filhos entram em um relacionamento e querem trazer o parceiro ou parceira para dormir no mesmo teto da família, em um quarto que fica a poucos metros do seu. A situação se complica quando os progenitores migrantes vêm…

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Como sexo é inerente à vida, fica impossível ignorar o assunto. E como os jovens irão ser confrontados com realidades muito mais abertas entre os seus colegas locais ou de outros países mais liberais, é saudável que famílias mais conservadoras reavaliem seus conceitos. Afinal, migrar significa reavaliar e mudar, se possível.

E eu colocaria um outro ponto nessa discussão. Se o tema é complexo no país de origem, imagina em uma sociedade plural como a Suíça, onde 25% são estrangeiros das mais variadas origens culturais.

swissinfo.ch: A maioridade sexual na Suíça é de 16 anos, isso significa que não seria indicado iniciar antes. Mas e se o jovem for mais novo, mas se sentir pronto ou quiser, os pais devem proibir e aguardar até atingir a idade correta?

S.B.: Proibir seria a pior alternativa, pois reforçaria o desejo sexual e a vontade de ultrapassar o limite, comportamento típico do adolescente. O mais indicado seria falar de contracepção, de proteção contra DST e de respeito mútuo.

swissinfo.ch: Como a Senhora vê essa nova geração com relação ao tema? Quais seriam os novos desafios dos pais de língua portuguesa com relação a esse tópico?

S.B.:A questão hoje e de um futuro próximo será muito mais profunda do que deixar ou não os filhos trazerem namorados para casa. Estamos diante de uma nova geração, que vive a era digital, do tudo rápido, descartável. Temos visto estudos e tendências em consultório que mostram que essa nova geração chega a usar o sexo como brinquedo, como jogo, se é que se pode explicar dessa maneira.

Não é feito somente por amor ou prazer, é simplesmente um novo conceito. Se há duas pessoas que acham que naquele momento podem utilizar seus corpos para passar o tempo, pode acontecer de haver sexo.

Os pais vão se deparar com questionamentos do tipo: ser bissexual, trans, homo ou hétero etc. O sexo poderá ser um ato de casal ou haverá mais pessoas envolvidas. Esses temas são os novos paradigmas sexuais que essa nova geração trará para casa, balançando as estruturas, que infelizmente não são muito estáveis quando o assunto é sexualidade.

O que diz a lei na Suíça

Existe no país a Lei de maioridade sexualLink externo, que limita a idade para iniciação sexual e tenta, com isso, proteger crianças e jovens. Isso significa que o Estado prevê que o jovem comece sua vida sexual a partir dos 16 anos. Qualquer ato com menores é considerado abuso sexual. Esse pacote de comportamentos vai além do ato, inclui sexo anal, oral, toques em partes privadas, produção e promoção de pornografia. A sentença de prisão de até cinco anos ou multa.

A situação é um pouco diferente quando se trata de contatos sexuais entre crianças e adolescentes de idade semelhante. Portanto, sexo é permitido com menos de 16 anos, se a diferença de idade for no máximo de três anos e se ambos concordam.

A lei com a diferença de idade de três anos aplica-se a todos os atos sexuais. Isso se entende a carícias e beijos. Também é proibido mostrar seus órgãos sexuais a uma pessoa que tenha a partir de três anos a menos.

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