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A língua portuguesa como eixo humanitário e cultural

Angela Mota lendo contos para crianças
A língua portuguesa é o veículo das ações de saúde e educação, na Suíça e no Brasil, em que atua a carioca-genebrina Angela Mota. Filipe Carvalho

Aos 18 anos Angela Mota aterrou em Genebra oriunda do Rio de Janeiro e não voltou a sair da cidade suíça. Fez formação em enfermagem e trabalha desde 2003 no Hospital Cantonal de Genebra. Em 2014 Angela fundou a associação ECCO – Association Egalité, Culture, Chemin et Opportunité onde desenvolve os seus projetos humanitários no Brasil e divulgação de cultura brasileira e lusófona na Suíça. É também conselheira do Conselho de Cidadania Brasil-Suíça Romanda.

No meio das múltiplas atividades de Angela Mota, a swissinfo.ch conseguiu conversar com ela em Genebra, para que pudesse partilhar o seu percurso helvético e de como tem colocado a sua energia em projetos e atividades de cariz humanitário e cultural.

Angela recorda a sua infância e juventude no Rio de Janeiro entre saltos ornamentais e a escola com um sorriso, “você vive aquela ilusão de que o país é maravilhoso”. Quando terminou o ensino médio, a sua irmã, que já vivia na Confederação Helvética, convidou-a para se mudar para Genebra. Na época, alguns membros da sua família já viviam no país helvético, fruto da situação um pouco conturbada do Brasil no final dos anos 80. Hoje, contabiliza cerca de 45 elementos. “À parte o frio daqui, eu vivo como se estivesse no Brasil”.

Enfermagem no papel humanitário

Ainda no Brasil, Angela tinha consciência de que queria fazer algo relacionado com a assistência humanitária. No primeiro ano em Genebra aprendeu a língua francesa e o nevoeiro foi-se dissipando. Realizou os seus estudos em enfermagem e um mestrado em saúde pública, contando ainda com as pós-graduações em saúde mental e pedagogia. Para a nossa entrevistada, o trabalho de enfermagem é aquele que lhe dá “força emocional, estabilidade intelectual e financeira. É um trabalho que me traz muita gratidão”.

A forma apaixonada como fala sobre a sua profissão é contagiante e sublinha que o seu trabalho é exigente apesar de na sua cabeça ser simples. Angela explica-nos que no hospital encontra situações complicadas mas não tem de responder sozinha, “em volta tenho colegas que vão cuidar da pessoa. Se uma mulher está hospitalizada, toda quebrada porque o marido lhe bateu, ela já está no circuito, a segurança está ali”. Caso diferente é quando, por exemplo, migrantes ilegais são vítimas de violência doméstica ou de outra ordem, que se apresentam como situações complexas para Angela conseguir encaminhar da forma mais apropriada. 

A ponte humanitária Brasil – Suíça

O dinamismo e envolvimento na comunidade brasileira e lusófona levaram Angela Mota a querer formar uma associação. Em 2013 participou na organização da digressão do cantor Marcos Assumpção pela Suíça e outros países, assim como do espetáculo em Montreux Bossa e Samba, entre outros eventos literários e artísticos, e isso fomentou a necessidade de uma associação.

O ano de 2014 marcou o início da associação ECCOLink externo, onde concentra os diversos projetos em que participa, sejam eles no Brasil ou na Suíça, mas sempre com o português como eixo principal. Angela explica-nos que qualquer pessoa que queira colaborar tem de ter domínio da língua portuguesa porque todos os assuntos são geridos em português. A associação foi fundada por cinco pessoas, que são membros do comitê. Contudo, “as pessoas são livres de participar. Eu quero justamente que seja uma troca de trabalho, de ajudas pontuais num projeto, porque eu acho que hoje em dia existem muitas associações e as pessoas estão cansando”.

Os projetos humanitários a decorrer na ECCO estão intrinsecamente ligados ao Brasil. Antes de iniciar as parcerias, Angela procura conhecer um pouco melhor a realidade local e as pessoas das instituições. Na ECCO decorrem três projetos humanitários em contínuo e um outro pontual. Para fazerem as entregas dos bens recolhidos, estabelecem parcerias com empresas de transportes para conseguirem entregar as caixas com o mínimo de despesas.

No Rio de Janeiro a ECCO apoia uma creche na favela da Barreira do Vasco através do envio de roupas, brinquedos, material escolar e “alguns carinhos para as crianças pequenininhas”. No estado do Rio Grande do Sul, apoia a casa abrigo Meu Refúgio.Link externo Este refúgio acolhe cerca de 50 crianças e jovens até aos 18 anos. Estes residentes são retirados das suas famílias e Angela está empenhada em conseguir distribuir regularmente materiais escolares, livros, roupas quentes, entre outros objetos, assim como apoio financeiro para que o Meu Refúgio consiga fazer face a todas as despesas.

Na Ilha de Piramanha, no estado do Pará, também apoiam uma comunidade indígena ribeirinha para onde enviam duas caixas anualmente, com roupas e materiais escolares, e outra com brinquedos para as crianças e cesta básica para a comunidade de 50 famílias. Por fim, este ano adicionou a Paraíba, para onde enviam materiais didáticos para apoiar nas atividades literárias e linguísticas com as crianças.

Angela Mota sublinha várias vezes a importância de ser porta-voz e presidente do Conselho de Cidadania Brasil – Suíça RomandaLink externo, com outros 15 conselheiros, para construir uma rede de contatos internacionais, que a aproximaram do Brasil, porque “consigo manter quatro projetos humanitários por ano no Brasil, e ao mesmo tempo mantenho a minha identificação cultural e ajudo quem está participando de se sentir útil no próprio país e de desenvolver a língua de herança”.

Angela Mota nas ruas de Genebra
Em casa em Genebra: “À parte o frio daqui, eu vivo como se estivesse no Brasil”. Filipe Carvalho

Contos e encontros indígenas

Genebra é a cidade internacional por excelência, sede de diversas organizações internacionais. No entanto, a ECCO conseguiu acrescentar mais uma referência multicultural aos eventos genebrinos: os encontros multiculturais dos povos indígenas. O dia do indígena no Brasil celebra-se a 19 de abril e Angela decidiu celebrá-lo, mas estendendo aos povos latino-americanos.

Este evento realiza-se desde 2016 na Maison des Associations de Gèneve, localizado na Plain Palais, e tem diversas atividades: culinária indígena; exposição de fotografia; exposições de diversos artistas latino-americanos; contadores de histórias e mesas de debates sobre questões indígenas.

O Conselho de Cidadania tem 56 membros que representam o mesmo número de países. A cada dois anos, os conselheiros debatem diversos assuntos relativos aos brasileiros que vivem no exterior. Num dos encontros preparatórios, Angela lançou o desafiou aos membros do conselho para escreverem contos sobre a sua experiência no exterior e o seu olhar exterior sobre o Brasil. Desse convite resultou a antologia Brasil – Conto por ContoLink externo, onde se podem ler contos de autores a residir em 47 países.

A ECCO do futuro

Angela destaca que não é apenas a ajuda material que é necessária, mas também emocional, por isso tenta deslocar-se ao Brasil e visitar as crianças e jovens, “e isso são coisas que não têm como parar, têm de continuar em 2019”. Para além dos projetos humanitários, o encontro dos Povos Indígenas também terá lugar assim como o dia contra a violência conjugal.

O seu grande projeto genebrino para o próximo ano será realizar um intercâmbio com cerca de 15 crianças de Belo Horizonte, durante 10 dias, para que tenham aulas de francês e atividades culturais e lazer. “Estou buscando parcerias em escolas ou associações para que possam ceder o espaço e professores, como também padrinhos para a hospedagem e alimentação”.

Este será o grande foco de Angela Mota para o próximo ano e espera que “eles possam transmitir esta experiência para outros e isso os possa ajudar nas suas vidas”.


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