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Muito mais que um curso, projeto promove a integração em Basiléia

O professor Martin Stern (esq.) e a autora do artigo, a jornalista Marina Wentzel.
O professor universitário aposentado Martin Stern (esq.) e a autora do artigo, a jornalista Marina Wentzel no lar de idosos de Dalbehof. swissinfo.ch

Uma parceria entre a fundação Christoph Merian e o Centro de Idiomas da Universidade de Basiléia promove o diálogo entre gerações e a integração de estrangeiros (e suíços) no país.

Um aroma acolhedor de café quente paira no ar e uma mesa repleta de bolinhos permanece estrategicamente posicionada na parede do fundo. O ambiente é amplo, ladeado por grandes janelas e decorado com objetos de porcelana. Há muitas mesas e o espaço parece um híbrido entre a casa de uma querida avó e o salão de chá de um antigo hotel. A atmosfera é convidativa e eu me deixo envolver por esse carinho.

Estamos na casa DalbehofLink externo, um lar de repouso para idosos em Basiléia. É mais um dia de encontro entre os estudantes e aposentados que participam do projeto “Conversação Entre Gerações”, um curso de alemão e integração social patrocinado pela Fundação Christoph MerianLink externo em parceria com o Centro de Idiomas da Universidade da BasileiaLink externo.

Aqui há estudantes, refugiados, intercambistas, imigrantes de diversas nacionalidades. Todos são acolhidos igualmente pelos aposentados, que com generosidade e paciência ensinam o idioma e a cultura local. Há lusófonos, sim, e eu carrego a honra de ser a representante da comunidade de língua portuguesa na edição de 2017. Essa já é a quarta temporada do curso, que a cada vez agracia dez participantes com uma bolsa de estudos. O resultado depois de doze semanas é a publicação de um livreto, com histórias escritas pelos alunos. Além disso, ao longo do processo, há diversas atividades como passeios e visitas a museus. A consequência natural é o fomento de novas e sinceras amizades.

Beatrice Mall-Grob é a coordenadora do programa e conta que teve a ideia ao observar uma iniciativa semelhante em Zurique. Após receber o sinal verde da então diretora do lar, Zita Wunderlin, o projeto teve início em 2014. “A interação que está por trás é o encontro autêntico entre as gerações, as culturas, o novo e o velho”, explica Mall-Grob. “Ouvimos dos estudantes como é difícil se conectar com os locais, que complicados que eles são, como é demorado até se dialogar. Naturalmente, aqui há uma oportunidade de se quebrar o gelo. É realmente uma porta de acesso à nossa cultura, à nossa sociedade”.

“Há uma conexão em um nível pessoal, há um valor emocional para ambos os lados, o que leva à integração dos que vêm de fora. Eles finalmente conseguem conversar com os locais”, explica Mall-Grob. “E para os idosos isso também é uma forma de integração, porque eles percebem que suas opiniões e experiências são importantes para as pessoas jovens”, completa Wunderlin.

Atual diretora do lar, Yvonne Roth explica que os aposentados vivem a alegria de uma segunda primavera. “Eles mergulham outra vez na juventude. Para muitos as lembranças boas são despertadas, são rememoradas”.

Sandra Engeler, da Fundação Christoph Merian, reconhece que o projeto estimula o intercâmbio e acredita que isso “contribui para a coesão social da cidade de Basiléia”.

Comunidade

Gustavo Grandi, outro representante da comunidade de língua portuguesa também acha que o resultado é positivo. “É bom para a cidade porque os estrangeiros vão falar melhor a língua e aprender sobre a mentalidade: o que se faz e o que não se faz.”

O gaúcho participou da edição de 2016, enquanto concluía um mestrado na faculdade Letras. Grandi foi apresentado a René Gass, ex-livreiro e escritor, autor de dois livros e apaixonado por histórias como ele. “O René é uma pessoa fantástica. Ele tem um conhecimento de literatura muito grande e um interesse enorme em descobrir mais sobre isso. As vezes vou lá para discutir Machado de Assis”, elogia Grandi.

“Tenho um relacionamento de verdade com o Gustavo, que é algo que eu não poderia imaginar que iria acontecer. Não apenas com ele, mas também com a parceira dele. É algo muito positivo que nem todas as pessoas de idade experimentam. E esse contato permanece”, se alegra Gass.

Passado mais de um ano desde que se conheceram, Gass e Grandi continuam se encontrando a cada duas semanas. “Sinto como se não houvesse uma diferença de idade entre nós”, diz Grandi.

Harmonia

O segredo da harmonia está no cuidadoso trabalho de avaliação feito pelas coordenadoras na hora de combinar as duplas. Elas pesquisam o perfil dos participantes para encontrar afinidades mútuas. “Também acho que quando dizemos “buscamos e achamos uma pessoa para você” o parceiro se esforça para fazer funcionar”, diz Wunderlin.  

Na minha experiência pessoal, eu só posso concordar e agradecer pelo parceiro que me foi designado. Tenho o privilégio de conversar com o brilhante professor Martin Stern. Ex-docente de Harvard e diretor emérito da Seminário de Língua Alemã da Universidade de Basiléia, Stern é a gentileza em pessoa. Com paciência ele corrige os meus deslizes gramaticais e conta coisas novas, que me ajudam a ir decifrando a Suíça.

Alunos e voluntários do lar de Dalbehof fazem juntos um passeio na Basileia.
Alunos e voluntários do lar de Dalbehof fazem juntos um passeio na Basileia. swissinfo.ch

“Os participantes são pessoas jovens que querem aprender alemão e a nossa cultura, isso para nós idosos é muito bom. Nós precisamos colocar em movimento os nossos neurônios, antes que eles enferrujem. É uma situação onde ambos os lados saem ganhando. Esse projeto precisa continuar de qualquer maneira”, defende Stern convicto.

É por meio da conversa com o Martin Stern que aprendo que o tema da coesão social é também um desafio entre a população local. O professor acredita que a barreira do idioma afeta igualmente os próprios suíços. “Nosso país enfrenta problemas de integração e entendimento mútuo por causa das suas quatro línguas”, me ensina Stern.

O cheiro de café no ar me traz novamente ao lar Dalbehof, onde a atmosfera está carregada com a esperança de que essa iniciativa permaneça. No último relatório financeiro da Fundação Christoph Merian consta que foram investidos 55 mil Francos para custeio geral de aulas de alemão e outros cursos ao ar livre. À reportagem a instituição disse ainda não poder confirmar se seguirá patrocinando especificamente os encontros do Dalbehof, mas prometeu que continuará promovendo a integração. Stern torce por isso. “A educação é a base de tudo. Nós temos que estudar idiomas para aprendermos a nos compreendermos mutuamente”, conclui.

Integração também entre suíços

Para o professor emérito da faculdade de letras da Universidade da Basileia, Martin Stern, o fato de o país possuir quatro idiomas nacionais configura um desafio à integração da própria população local. 

“É uma barreira política”, reconhece. “Os suíços francófonos têm o sentimento de que são uma minoria na cidade e precisam lutar para não serem dominados”, diz Stern. Para exemplificar, ele conta o caso de uma parente distante, uma senhora de Genebra que morou a vida inteira no cantão de Zurique, mas fez questão de não aprender nem o dialeto local, nem o alto alemão.

Na edição anterior do curso, a parceira de conversação do professor foi justamente uma suíça doutoranda em ciências, que por ter crescido na parte francesa carecia de contato com o idioma germânico.  Ele acredita, porém, que o reconhecimento é uma mão de duas vias. “Os que falam alemão também precisam aprender francês”, defende.

“Essa resistência ao idioma não enfrentamos na comunidade portuguesa”, pondera. “Estamos bastante satisfeitos com os portugueses. Há uma grande comunidade de trabalhadores nos setores de construção e hospitalidade. Em pouco tempo eles aprendem suficientemente a linguagem do seu meio e se adaptaram muito bem à Suíça”, elogia Stern.   

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