Perspectivas suíças em 10 idiomas

“Reconheço cada palavra, mas não tenho a menor ideia do que você está dizendo”

Há séculos, o chamado “pennsylvania dutch” (holandês da Pensilvânia) e o dialeto suíço-alemão são falados nos Estados Unidos. Como esses dialetos se comparam com as línguas faladas na Europa de hoje?
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Talvez você saiba que o alemão falado na Pensilvânia, o chamado “pennsylvania dutch” (PD), é a primeira língua falada pelas comunidades cristãs conservadoras Amish e Menonitas vivendo hoje nos Estados Unidos. O que talvez você não saiba é que a maioria dos que falam o PD são suíços étnicos.

Antes de emigrar para os EUA no século 18, muitos de seus ancestrais pertencentes às seitas anabatistasLink externo fugiram das perseguições religiosas na Suíça em direção à região do Palatinado, na Alemanha. Lá eles assimilaram o dialeto local, o alemão do Palatinado, que é o ancestral linguístico do alemão da Pensilvânia. 

Outros anabaptistas de Berna e da região do Jura continuaram falando o suíço-alemão, mas como eles passaram pela Alsácia na fronteira franco-alemã a caminho dos EUA, sua língua se dividiu em dois dialetos germânicosLink externo distintos: o alemão alsaciano-Amish e o suíço-alemão-Amish. O suíço-alemão se diferenciou ainda mais entre as comunidades Amish e Menonitas. 

Pode ser confuso, até para os próprios falantes dos dialetos.

“Eu conheço uma família Amish que vive aqui no Wisconsin e o pai é do condado de Adams, em Indiana, onde o alemão suíço-Amish é falado; e a mãe é do condado de Allen, onde se fala alemão alsaciano-Amish”, relata Mark Louden, um professor de alemão e expert em estudos anabatistas na Universidade de Wisconsin-Madison.

“Um dos filhos deles se casou com uma falante de PD, e agora seus filhos estão crescendo com o suíço-alemão-Amish, PD e inglês. Ademais, eles também entendem o alemão padrão”.

Essas línguas são similares, mas estão longe de serem idênticas. Louden explica que sendo a língua da minoria, a maioria dos falantes do suíço-alemão-Amish compreendem o PD, mas os falantes de “pensylvania dutch” não necessariamente compreendem o alemão suíço-Amish.

Esse é um fenômeno que o professor de linguística germânica na Universidade Maximilian Ludwig de Munique, Guido Seiler, tenta esclarecer com sua pesquisa sobre as comunidades Amish e Menonitas falantes de suíço-alemão no estado de Indiana.

Ele avalia que o PD é mais bem entendido por falantes de suíço-alemão do que o contrário porque o PD é linguisticamente mais próximo dos dialetos que formaram o alemão escrito padrão, o qual todos os Amish têm que aprender para ler a Bíblia.

Bem-vindo à Berna, Indiana

Hoje, o estado de Indiana tem a maior concentração de Amish falantes de suíço-alemão originários da Suíça via Alsácia no início do século 19. Muitos se instalaram no condado de Adams, também apelidado Berna em memória à capital Suíça. BernaLink externo, Indiana, ainda é hoje em dia um dos principais centros de cultura helvético-alemã, inclusive possuindo réplicas da torre-relógio Zytglogge de Berna e de um tradicional vilarejo suíço.

O “Denglish” do dia-a-dia

Então como são esses dialetos em comparação com o alemão e o suíço-alemão falados na Europa de hoje?

Louden diz que o PD, o suíço-alemão-Amish e o alemão alsaciano-Amish diferem visivelmente de seus ancestrais linguísticos europeus, mas não da maneira que você poderia pensar.

“Existe um estereótipo de que essas línguas são muito influenciadas pelo inglês. Quando suíços ou alemães ouvem esses dialetos, as palavras emprestadas do inglês se destacam imediatamente, apesar de o número de palavras emprestadas do inglês ser, na realidade, pequeno. Eu estimo que, entre os 10 a 15 por cento”, diz ele. Ele compara esse fenômeno com o uso do vocabulário inglês no alemão europeu contemporâneo, o chamado “denglish”, ou seja, Deutsch (alemão) + English (inglês).

Para Louden, uma diferença mais importante e, no entanto, mais sutil do que a mera assimilação de vocabulário inglês, é a tradução integral de expressões do inglês para o PD e para os dialetos germânicos dos Amish.

Essa é uma distinção que a pesquisa de Guido Seiler confirma.
 
“Do ponto de vista linguístico, as palavras emprestadas mais interessantes e, para os suíços germanófonos as mais engraçadas, são aquelas que reproduzem a estrutura do inglês usando palavras do suíço-alemão,” explica Louden.

“Por exemplo, um falante menonita me perguntou: ‘Was isch di erschte Name? U was isch di letschte Name?’ Palavra-por-palavra, isso significa ‘qual é o seu primeiro nome? Qual é o seu último nome?’, como se diria em inglês. Em alemão suíço, nós diríamos ‘Vorname’ para o prenome, e ‘Nachname’ para o nome de família.

Louden sumariza esse efeito da seguinte maneira: “Eu observei com frequência suíços ou alemães ouvindo o suíço-alemão-Amish ou o PD e dizerem: ‘Eu reconheço cada palavra, mas não tenho a menor ideia do que você está dizendo!”.

Ademais, ele explica que o nome “Pennsylvania DutchLink externo” não é, na verdade, uma tradução incorreta de “Pennsylvania Deutsch”, como se acredita comumente. Com efeito, esse nome vem do uso informal da palavra “Dutch” para se referir a alemães e à sua língua já nos tempos da dominação Britânica na colônia americana.

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Laboratórios vivos

De acordo com Seiler, os mecanismos linguísticos que regem as convergências e divergências observadas nos dialetos alemães dos EUA não são especiais. O que é particular nesse caso é a possibilidade de se observar esses mecanismos em ação, e não apenas nos livros de história.

“Em um nível microscópico, a divergência entre o suíço-alemão-Amish e o suíço-alemão falado em Berna hoje é apenas outro exemplo da emergência de uma nova língua, mas, diferentemente das outras ‘grandes’ línguas, nós podemos observar em detalhe o desenrolar desse processo,” diz ele.

Tanto Seiler quanto Louden fazem parte de uma rede de pesquisa internacionalLink externo que também inclui a Universidade de Lausanne, e que visa melhor compreender os fatores por detrás da preservação e da evolução desses dialetos entre descendentes de suíços vivendo na América do Norte de hoje.

Seiler explica que ser parte de uma comunidade e desejar identificar essa comunidade como uma minoria distinta, como no caso dos Amish, são dois importantes fatores que fomentaram a preservação desses dialetos ao longo do tempo.

“Os Amish de Indiana que falam o suíço-alemão têm até a consciência de ser um subgrupo especial dos Amish. Não apenas eles falam uma variedade diferente dos demais Amish (que falam o PD), mas também sua música popular é diferente. Eles têm músicas tradicionais de idodelei (Jodeln, em alemão) que são desconhecidas entre outros grupos AmishLink externo,” diz ele.

Ser distinto não significa, no entanto, estar estagnado. Louden diz que enquanto se acredita comumente que as diversas línguas europeias trazidas para outras partes do mundo através da migração são mais conservadoras e estáveis, a pesquisa mostra que esse não é o caso.

“Da mesma maneira que não existe cultura ‘congelada no tempo’, nem mesmo a cultura Amish, não existe uma língua ou dialeto imutáveis”, diz ele. 

A integração do inglês ao PD e ao suíço-alemão é testemunha desse constante fluxo e refluxo. Mas ao mesmo tempo, existem também elementos arcaicos nessas línguas em comparação ao alemão falado na Europa de hoje.

“Em PD, por exemplo, as palavras para ‘homem’ / ‘homens’ e ‘mulher’ / ‘mulheres’ são ‘Mannskall/Mannsleit’ e ‘Weibsmensch/Weibsleit’ respectivamente. Nenhuma dessas palavras é usada no alemão padrão de hoje”, explica Louden. Falantes de PD também usam algumas palavras derivadas do inglês que caíram em desuso, como por exemplo ‘privy’ (latrinas exteriores à casa) e ‘buttery’ (despensa).

Línguas em flor

Tanto Louden como Seiler descartam a ideia de que o PD e os dialetos germânicos falados nos EUA sejam línguas em vias de extinção. O “pennsylvania dutch” é falado hoje por aproximadamente entre 300.000 e 350.000 Amish e Menonitas ortodoxos, enquanto os falantes de alemão suíço e alsaciano, em sua maioria Amish, chegam à aproximadamente 14.000 pessoas.

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“Literalmente não há grupo de pessoas no planeta hoje que cresça tão rápido quanto os Amish. Eles têm em média sete crianças por família e aproximadamente 90% de seus jovens permanecem no grupo. Suas populações dobram a cada 20 anos,” diz Louden.

As opiniões sobre se o PD e o suíço-alemão devem ser classificados como dialetos ou línguas divergem, mas, de acordo com Louden, não há critérios formais para definir. Para os próprios falantes isso não importa, uma vez que, em PD, a palavra para língua e dialeto é a mesma: ‘Schprooch’.

Independentemente de quantos falantes uma língua ou dialeto tem, Seiler propõe que ambas sejam tratadas como tendo igual valor.

“Cada língua é uma estrutura cognitiva muito complexa e é inteiramente desenvolvida para cumprir funções comunicativas, sociais, psicológicas e cognitivas,” diz ele.

“Não se pode justificar classificar línguas faladas por pequenas populações, ou línguas que não existem em forma escrita (que constituem a maioria das línguas do mundo!) como menos relevantes. A diversidade linguística é uma das coisas mais admiráveis da cultura humana.”

Comunidades afins

Além dos Amish e das comunidades menonitas nos EUA, existe outro grupo anabatista que também se estabeleceu na América do Norte em consequência das perseguições na Europa: os Huteritas. Essas comunidades se assentaram principalmente no Canadá, e tem sua origem no norte da Itália e na Áustria. Como os Amish, eles usam roupas distintas e têm famílias numerosas. Mas no lugar de PD e suíço-alemão-Amish, eles falam huteriano, uma forma do alemão austríaco.

Conexão espiritual

Louden, que também é menonita, diz que hoje a maioria dos falantes de PD e suíço-alemão-Amish nos EUA veem a língua suíça como uma parte integral de sua espiritualidade, mas não se identificam de modo particularmente intenso com a Suíça enquanto nação.

“Eles querem preservar uma preciosa herança que é fundamentalmente espiritual, mas para a qual a língua é um importante símbolo e um laço tangível,” die ele.

Alguns grupos anabatistas americanos viajam de volta à Suíça para visitar as regiões de onde seus ancestrais são oriundos, em particular a região do vale do rio Emme (Emmental).

Quando eles [os Amish e os Menonitas] pensam na Suíça, eles pensam nos mesmos estereótipos que todo mundo usa: queijo, chocolate, Alpes, Heidi, relógios de cuco,” diz Louden. “Mas eles são profundamente cientes das razões que levaram seus ancestrais a partirem. Seus ancestrais tiveram uma experiência brutal nas mãos do governo suíço e das autoridades religiosas, particularmente no século 17.”

Fazendo as contas

Hoje nos EUA o “pennsylvania dutch” é falado em 31 estados, principalmente na Pennsylvania, Ohio, Indiana e Wisconsin, por aproximadamente entre 300.000 e 350.000 Amish e Menonitas ortodoxos.

Estatísticas confiáveis sobre o número de falantes de PD que não pertencem a uma seita, mas sim cujos ancestrais eram afiliados às igrejas Luteranas e reformadas (protestantes) são difíceis de serem obtidas. Ainda assim, acredita-se que o seu número não chegue a 40.000 pessoas.
Falantes dos dialetos germânicos (suíço-alemão e alsaciano) são basicamente Amish, juntamente com grupos menonitas mais antigos. Louden estima que aproximadamente 10.000 sejam falantes de suíço-alemão-Amish, enquanto 4.000 sejam falantes de alemão alsaciano-Amis

Adaptação: Danilo von Sperling

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