Perspectivas suíças em 10 idiomas
Como a Suíça se tornou Suíça? Os capítulos mais importantes da história da Suíça até 1848

Um novo capítulo de uma longa história

Due donne su una piazza
A greve de mulheres de 1991 teve diversos protestos e ações, como esse teatro de rua em Lausanne. Keystone

Foi em 14 de junho de 1991: centenas de milhares de mulheres saem às ruas na Suíça e fazem greve. Hoje, quase trinta anos depois, a mobilização se repete.

Muitas pessoas se surpreenderam naquele dia, na primavera de 1991. A iniciativa de um pequeno grupo de relojoeiros no cantão de Vaud (oeste), e da sindicalista Christiane Brunner, transformou-se em uma das maiores mobilizações políticas da história suíça.

Aproximadamente 500 mil mulheres em todo o país participaram na sua primeira greve de gênero. Elas reivindicavam igualdade salarial, segurança social e fim da discriminação e assédio sexual.

Por quê 1991?

A data não foi escolhida por acaso: foi em 14 de junho de 1981 que os eleitores aprovaram nas urnas um novo artigo constitucionalLink externo sobre a igualdade de gênero. No entanto, a lei ainda não havia entrado em vigor, de fato. As diferenças salariais entre mulheres e homens continuavam consideráveis.

A mobilização das mulheres ocorreu também para comemorar o vigésimo aniversário da introdução do sufrágio feminino em nível federaLink externol, uma reforma considerada tardia em comparação internacional. 

Que motivo para greve?

No início, a greve de mulheres organizada em 1991 não era vista com bons olhos. “No início os sindicatos não estavam entusiasmados”, lembra a historiadora Elisabeth Joris, uma das pioneiras no movimento de luta pelo direito das mulheres. “Pensávamos mais em um protesto, não necessariamente uma greve”, completa, lembrando que o conceito de greve estava ligado ao trabalho remunerado. Já as mulheres trabalham em mundos diferentes e, muitas vezes, sem salário.

Por outro lado, ao anunciar uma greve as ativistas enviavam um sinal político claro. “Cada movimento social é colocado em contexto histórico, ligado a outros acontecimentos”, observa Joris. Chamar o protesto de “greve nacional” significava fazer referência a outro importante acontecimento da história helvética: a greve geral de 1918 (cujas reivindicações incluíam o sufrágio feminino e, na qual as mulheres desempenharam um papel importante).

Greve geral de 1918

“As mulheres retomaram, assim, a uma tradição do movimento operário. Ao mesmo tempo deram à greve um sentido muito mais amplo, transformando e adaptando o protesto às necessidades do movimento feminista”, diz Joris.

A ideia de uma greve de mulheres não era nova. Em 1975 as mulheres islandesas entraram em greve – recusaram-se a trabalhar, cozinhar e cuidar das crianças por um dia. O momento mudou a forma como as mulheres eram vistas no país e ajudou a colocar a Islândia na vanguarda da luta pela igualdade. No mesmo ano, o dia 8 de março foi instituído como Dia Internacional da Mulher, pelas Nações Unidas. Atualmente, a data é comemorada em mais de 100 países – como um dia de protesto por direitos ou de edulcorada celebração do feminino.

Folla in piazza
Ruas cheias em 14 de junho de 1991: mulheres na praça Helvetiaplatz, em Zurique. Keystone

Greve diferente

No entanto, a greve de mulheres em 1991 na Suíça teve de enfrentar muitas dificuldades, dentre elas uma forte oposição por parte do mundo político e econômico. O presidente do Conselho dos Estados (Senado Federal) Max Affolter, chegou ao ponto de recomendar às mulheres que não participassem para não “comprometer a benevolência dos homens frente às suas aspirações.”

Por outro lado, a forte heterogeneidade das condições de vida e trabalho das mulheres na Suíça não permitiu a adoção de formas tradicionais de mobilização. “Essa greve ocorreu das mais diferentes formas”, ressalta Elisabeth Joris. “Ela só foi possível por ter sido organizada de forma descentralizada, ao contrário das greves tradicionais. “

Bolas de neve contra parlamentares

Apesar de não ter sido imediatamente percebida no âmbito histórico, a greve de mulheres em 1991 teve um grande impacto no desenvolvimento da igualdade de gênero e na luta contra a discriminação no país. A nova força do movimento se mostrou em 1993, quando uma maioria conservador se recusou a eleger a política Christiane Brunner, candidata do Partido Socialista (PS), para o Conselho Federal (n.r.: corpo de sete ministros que governa a Suíça). Um homem acabou sendo eleito no seu lugar.

“A maioria dos parlamentares acreditava poder repetir o mesmo voto de dez anos antes com Lilian Uchtenhagen (n.r.: outra mulher preterida)”, lembra-se Joris. “Mas com Brunner reação foi imediata. Poucas horas depois inúmeras mulheres foram à praça frente ao Palácio Federal, onde funciona o Parlamento helvético. Algumas delas até jogaram bolas de neves nos políticos que queriam entrar no prédio. 

Mostrar mais

O ministro recém-eleito, Francis Matthey, decidiu renunciar ao cargo. Uma semana depois, a sindicalista Ruth Dreifuss era eleita para o governo. “Não era possível excluir as mulheres do Poder Executivo.”

A Lei da igualdade de gênero, uma das reivindicações da greve, entrou em vigor em 1996. Em 2002, os eleitores aprovaram a legalização do aborto e, em 2004, o seguro maternidade, que já estava previsto na Constituição Federal desde 1945, mas que não havia sido implementado.

Nova geração de feministas

No entanto, apesar das conquistas do movimento, a questão da igualdade continua atual. As diferenças salariais entre homens e mulheres ainda são consideráveis. O movimento #metoo destacou a questão do assédio sexual e discriminação de gênero e orientação sexual.

“Já no seu vigésimo aniversário discutia-se a possibilidade de organizar uma nova greve de mulheres. Porém a ideia não vingou”, explica Joris. “Para ter sucesso, um movimento precisa ter uma base, que hoje finalmente existe: é uma nova geração de mulheres, entre os seus 20 e os 30 anos, que vivem um novo feminismo.

“As desigualdades ainda imperam em 2019. Mudanças são necessárias. A cultura sexista na Suíça é parte da norma. Ela é invisível, pois estamos tão acostumados a viver com ela que nem percebemos sua presença”, avalia Clara Almeida Lozar, 20 anos, membro de um grupo de estudantes da Universidade de Lausanne envolvido na organização da greve.

Lançada pelos sindicatos e feministas no contexto da revisão da Lei da igualdade, a ideia de uma nova greve das mulheres foi proposta em janeiro durante o congresso de delegadas da União dos Sindicatos SuíçosLink externo (USS) e prevista para ocorrer em 14 de junho de 2019.

Além dos sindicatos, a greve também conta com o apoio da grupos como a Aliança FLink externo, União Suíça de Mulheres Católicas, Mulheres EvangélicasLink externo e União Suíça de Mulheres CamponesasLink externo. A greve adotou o lema “salário, tempo, respeito”.

*  com colaboração de Marie Vuilleumier

Adaptação: Alexander Thoele

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR