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Especialistas analisam difícil adaptação de brasileiros à Suíça

Integration
Keystone

"O melhor lugar para se morar é aquele em que você está”. A frase, do consultor suíço Hans Durrer, pode parecer ingênua e tirada de um livro de auto ajuda. Mas se inserida no contexto de comunicação intercultural, ganha seu devido valor.


Ao analisarem as dificuldades que os brasileiros podem encontrar na Suíça, os três entrevistados para essa matéria, todos especialistas em relações interculturais, foram unânimes: para se adaptar, seja onde for, é imprescindível estar aberto a mudanças. Além disso, não existe país melhor ou pior, mas diferentes. Portanto, onde quer que se esteja, sempre haverá vantagens e desvantagens. Diante da premissa, vale aproveitar os benefícios de cada lugar e tomar para si os pontos positivos de outros povos.

Parece fácil e deveria ser, mas não é. Como cultura se define como o conjunto de atividades e modos de agir, costumes e tradições de um povo, é muito intrínseca ao ser humano. Fica difícil abrir mão de algumas crenças assim tão facilmente. Principalmente quando se trata de uma sociedade etnocêntrica, como a brasileira, que considera seu jeito de viver como o melhor do mundo. Sendo assim, como mudar uma escala de valores, construída muitas vezes em décadas, para um comportamento oposto? Traduzindo, é como falar a um adulto para esquecer tudo aquilo em que ele acreditou e passar para o outro lado. Mudar dói, mas a boa notícia é que cultura também é um processo em permanente evolução.

Muitas diferenças

As muitas diferenças dificultam. De acordo com a pirâmide Lewis de modelo de cultura, do especialista em comunicação intercultural Richard Lewis. Lewis divide os três vértices do triângulo em multi-ativo, linear-ativo e reativo. O brasileiro, de acordo com essa teoria, divide a liderança da multi-atividade com os hispano-americanos. Entenda como multi-atividade características culturais como caloroso, emocional, loquaz e impulsivo. Na outra extremidade da pirâmide estão os alemães e suíços, líderes em linear-ativo: frios e planejadores de decisão. E na terceira ponta, estão os reativos, representados pelos vietnamitas e japoneses, que tendem a ser corteses, amigáveis, bons ouvintes comprometidos. Os outros países se posicionam entre uma extremidade e outra da pirâmide.

Outra maneira de explicar as culturas é lançar mão das categorias, que funcionam como uma radiografia do esquema mental dos povos. Estão inseridos diversos tópicos como comunicação, administração do tempo, relacionamento hierárquico etc. Ao comparar as peculiaridades, é fácil perceber que a brasileira é flexível, impontual e indisciplinada; enquanto a outra é reguladora, perfeccionista e pontual, por exemplo. A psicóloga intercultural da Equipe Andrea Sebben, Gabriela Ribeiro, acredita que as duas maiores dificuldades de um brasileiro em adaptar-se à Suíça seriam os fatores administração do tempo e individualismo versus coletivismo.

Divergências na pontualidade

Para um suíço, chegar na hora marcada traduz-se no exercício cotidiano da pontualidade, sem um minuto a mais ou a menos. Mas para um brasileiro, isso não é sequer considerado. “A diferença já é um prato cheio para muitos mal entendidos”, explica Ribeiro, que trabalha com treinamento e consultoria intercultural a expatriados no Brasil e brasileiros que emigram. Segundo a psicóloga, o conflito tem início nas diferentes visões de um mesmo ponto: atraso, na visão de um suíço, é considerado desrespeito ao seu tempo. Para um brasileiro, o não entendimento do fenômeno significa inflexibilidade.

O brasileiro, coletivista, tende a fazer amigos facilmente, a falar com todo mundo na rua, sem inibições. O suíço, muito discreto, se resguarda, mantém a vida privada nessa esfera – o individualista. Nesse quesito, o brasileiro até leva vantagem, já que a sua alegria genuína é apreciada pelas outras nações. O problema é que povos mais comunicativos tendem a encarar o silêncio do suíço como reações de frieza ou antipatia. Na verdade, pessoas individualistas precisam menos de espaço de troca de opinião, o foco e a discrição são mais valorizados. Gabriela Ribeiro dá exemplo de um executivo estrangeiro, que ao trabalhar no Brasil, não conseguia entender porque as pessoas se reuniam tanto na sala do cafezinho. Irritado com aquela perda de tempo, o desavisado mandou acabar com as pausas, para ganhar em eficiência. “A única coisa que conseguiu foi a antipatia da equipe e a diminuição do fluxo de informações na empresa. Ele não conseguiu entender que no Brasil as relações profissionais são construídas na base da amizade e da empatia”, explica a consultora.

Durrer
Hans Durrer, Autor

O suíço Hans Durrer, consultor em comunicação intercultural pela Conray Intercultural, especializado em cultura brasileira, acredita que embora os helvéticos valorizem o privado, isso não significa que não se deva tentar uma aproximação. “Eu sinceramente acredito que o brasileiro deva aproveitar a sua espontaneidade para começar uma conversa, seja no trem ou na sala do cafezinho da empresa. No final das contas, o que vai aproximá-lo de um suíço ou de qualquer pessoa de outra nacionalidade não será o país de onde vem, mas os pontos em comum que eles possam compartilhar. É preciso focar nas similaridades, e não nas diferenças”, afirma Durrer, que já morou no Brasil, adora musse de maracujá e é autor de dois livros sobre o tema interculturalidade. Durrer, que em seu livro Warum rennen hier alle so , dedica dois capítulos ao Brasil, comenta que achou muito interessante ver pessoas com cadeiras de praia na rua para poderem conversar com os passantes.

Mundo globalizado

O fato é que, no mundo globalizado atual, pessoas se confrontam diariamente com a mudança para países de culturas diferentes. E como esses detalhes pegam muita gente de surpresa, os programas de expatriação, caríssimos para as empresas, e com custo emocional para as famílias, costumam dar errado. Para países que necessitam de mão de obra estrangeira, como a Suíça, é importante que as famílias se sintam bem. Por essa razão, a Prefeitura de Zurique criou, o curso de integração para brasileiros «In Zürich leben»Morando em Zurique. De acordo com a brasileira Sonia Jordi, que ministra o curso de três meses, a cada semana é ensinado aos brasileiros os mecanismos da sociedade suíça como sistema de saúde, escolar, de seguro social etc. Para Jordi, que vive na Suíça há 30 anos, não existe mágica. “É preciso entender a linguagem não dita, as nuances de comportamento do estrangeiro. E isso inclui desde aprender a língua como entender e respeitar as diferenças.” 

Longe da pátria, mas felizes

O gosto pelo desconhecido  e a vontade de experimentar coisas novas definem uma parte da personalidade dos nossos especialistas em Interculturalidade. Os três viveram, em algum momento da vida, ou ainda vivem como estrangeiros em terras longínquas. O suíço Hans Durrer, jurista pela Universidade de Basel e jornalista pela Universidade de Cardiff, se diz um apaixonado por outros países. A primeira vez que cruzou a fronteira da Suíça tinha 17 anos. Mas Durrer acredita que, naquele momento, foram lançadas as bases que o acompanham até hoje: saudades do estrangeiro e o gosto em apreciar outras culturas. 

Desse dia em diante, Durrer viajou extensivamente pela Europa e América do Norte, até que decidiu desbravar a Ásia. Depois foi atrás de ritmo musical: América Central, entremeada por  uma especialização em Linguística Aplicada na Universidade de Darwin, na Austrália e, finalmente, o Brasil e a América do Sul.  Desembarcou em Santa Cruz do Sul, cidade a160 quilômetros da capital Porto Alegre, para trabalhar como professor de inglês.  O suíço também viajou pelo Nordeste e dedicou dois capítulos de seu livro “Warum rennen hier alle so” ao país, que ele diz ser o seu preferido, além de contar, é claro, de suas experiências em outros tantos lugares. No momento, o professor vive na Suíça. Mas quem sabe por quanto tempo. Parece que ele prefere tomar o ditado budista para si: “ a única coisa permanente é a mudança”.

A psicóloga intercultural da Equipe Andrea Sebben, Gabriela Ribeiro, se diz intercambista por natureza e já viajou para 30 países. Sem pudores, Gabriela afirma: “quem pensa que a melhor fase da vida é a infância, é porque não fez intercâmbio”. De acordo com a psicóloga, é um dos feitos mais marcantes e reveladores que alguém pode fazer por si mesmo e pela humaninadade. Há oito anos ministra palestras e Treinamentos Interculturais em todo Brasil, em diversos idiomas, e integra a Associação Internacional de Educação Intercultural (IAIE), sigla em inglês. Já a intérprete cultural Sonia Jordi, que ministra os cursos de Integração na Suíça pela Prefeitura de Zurique, é a que mais sente na pele o que é morar fora do seu país, afinal de contas são 32 anos.  O segredo: “É necessário se integrar, aprender a língua e aceitar a cultura do outro”.

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