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A chegada de uma mala de sonhos

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Há vinte e cinco anos na Suíça, a brasileira Samaritana Pasquier fala de “um longo processo de integração” em um país diferente de tudo que imaginava. Em um livro escrito em francês, a brasileira conta suas experiências vividas no Brasil e os motivos que a levaram a se perguntar “Suis-je devenue Suisse?” (Me Tornei Suíça?).

Samaritana nasceu em São Luís, em uma família humilde que contava 16 crianças. Ela lembra de ter passado fome aos 7 anos e a maneira como olhava o antebraço dourado que parecia um pãozinho francês.

Graças a uma bolsa de estudos concedida pelo governo suíço em 1988, a maranhense, então com 30 anos, pôde seguir uma formação no Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento em Genebra.

Morando na Suíça, onde ela casa e tem duas filhas, e estudando com pessoas de todas as partes do mundo, Samaritana vai se familiarizando com a cultura suíça, seus usos e costumes. A etnóloga observa a importância do respeito das regras e como isso influencia um certo “inconsciente coletivo” no país.

“No Brasil, quando queremos perguntar alguma coisa, começamos dizendo educadamente ‘por favor…’, aqui não se pode esquecer de começar dizendo bonjour (bom dia), mesmo que de forma seca, sem isso você é visto como um mal-educado, apesar de entoar a voz da maneira mais doce possível”, conta.

Depois de mais de duas décadas na Suíça, a brasileira começa sentir a necessidade de saber quem ela é de verdade. “Qual é a minha verdadeira identidade? Será que eu me tornei suíça?”, essa última interrogação acabou virando o nome do livro que ela escreveu para tentar responder essas questões existenciais.

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As razões de não se tornar suíço

Este conteúdo foi publicado em Um estudo de 2012 da Comissão Federal de Migração constatou que, em 2010, cerca de 900 mil estrangeiros na Suíça poderiam ter a nacionalidade do país, mas apenas 2% deles se naturalizam suíço. “Em comparação com outros países, a Suíça tem critérios muito rigorosos para a cidadania, o que poderia ser uma razão para o…

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Status

Samaritana acha difícil responder a questão com um simples sim ou não. Ela começa lembrando suas origens humildes na periferia de São Luís do Maranhão e todas as dificuldades que a família precisou enfrentar para sobreviver às adversidades da vida.

O destino, e uma amiga suíça que trabalhava com comunidades carentes no Brasil, acabaram possibilitando uma primeira vinda da brasileira à Suíça, em 1985. Três anos depois, com a ajuda da mesma amiga, Samaritana retorna ao país com uma passagem só de vinda, e uma autorização de residência para estudar na Universidade de Genebra.

Outras razões, como o trabalho ou um relacionamento, também fazem com que os estrangeiros procurem se instalar na Suíça. Samaritana lembra, no entanto, que é importante para o brasileiro entender que o estrangeiro na Suíça tem outro status. “O estrangeiro aqui é um estrangeiro a mais, no Brasil ele é um rei”, conta.

Para ela, existe muita ilusão quando se está do outro lado do oceano. “As pessoas vêm para cá achando que aqui tudo é muito fácil, que basta vir para a Suíça para realizar os seus sonhos”, diz.

“Precisamos ser responsáveis que muitas não realizam seus sonhos e são confrontadas a muitas dificuldades, muita atenção às ofertas fáceis de vir para a Suíça. Conheço mulheres brasileiras que vieram com contratos de artistas e acabaram na exploração sexual”, adverte.

Samaritana Pasquier fala de uma concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do “eu-individual” só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro – a própria sociedade diferente do indivíduo).

Integração

A imigração e a integração são questões constantemente debatidas na Suíça. Samaritana Pasquier procura, em seu livro, mostrar um outro ponto de vista às reflexões que refletem principalmente a perspectiva do país de acolho.

A integração, para ela, é um aprendizado contínuo: “até hoje compreendo que estou diante de uma cultura e reajo com minha cultura de origem, uma dicotomia de formas de ver e conceder as coisas”, diz.

Samaritana ressalta a importância do respeito das regras do lugar em que se vive, mas diz ser essencial guardar uma liberdade interior para ser você mesmo. “A alteridade à diferença a gente vive em gestos simples de todo dia”, diz a etnóloga.

“Quando não se está atento para isso pode haver choque cultural, as pessoas se perguntam por quê você está fazendo isso, nós trazemos a diferença”, observa.

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Sonhos na mala

“Migrar é colocar na mala o sonho de uma vida melhor, mas a migração vai nos confrontar com povos de outras culturas, com a diferença”, diz Samaritana.

Para ela, migrar é trazer um pouco da história coletiva de um povo, de um país. “O migrante é um testemunho de diferença, ele é responsável também por essas diferenças culturais”.

A autora diz que cada cultura representa um rosto da humanidade, o que faz a diferença entre as culturas é a riqueza de cada cultura… e não se sentir inferior em relação a uma outra. Citando o sociólogo Gilberto Freyre, Samaritana diz que devemos “compreender o que fomos para saber o que somos, nosso presente é formado da nossa história”.

Para ela, é importante ir além dos preconceitos para encontrar o ser humano de cada cultura. “O ser humano é o mesmo em cada cultura”, nota.

“Suis-je devenue Suisse?”

“Me tornei suíça?” a pergunta do livro, segundo a autora, não pode ser respondida por sim ou não, ela é muito mais abrangente. Há 25 anos na Suíça, Samaritana diz se sentir integrada e gostar de viver no país.

“Essa pergunta me levou a análise de todos os passos vividos que me ajudaram a realizar que eu me tornei uma cidadã. O importante para mim não era virar suíça, mas sim uma cidadã completa”, explica.

Para essa cidadã suíça, o mais importante não é saber fazer uma boa fondue ou gostar de esquiar – coisas que aliás ela adora fazer – mas poder votar e ser eleito, ter os direitos políticos. Para isso é essencial ter o passaporte suíço.

“No livro faço a retrospectiva do meu sonho de infância, que era poder comer, e de todos os dramas familiares e dificuldades da minha infância, da minha origem pobre, que comparo com minhas experiências vividas na Suíça para tentar entender quem sou. Estou convencida que a nossa verdadeira identidade é ultrapassar esses limites para encontrar o outro na sua verdadeira essência e poder ter um diálogo de pessoa a pessoa”, diz.

“No final você tem o passaporte, ‘eu sou suíça’, mas os outros daqui vão sempre te olhar como imigrante. Eu entendi isso, e não me incomodo, o importante é ir além disso. Estar aberto para receber o outro.”

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