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1968 – Quando a juventude suíça criou seu Estado paralelo

Jovens posam em frete a uma faixa proclamando a República Autônoma
Jovens revolucionários posam em frente à bandeira 'oficial' do 'Bunker da República Autônoma'. A assembléia do Centro da Juventude Autônoma do Lindenhofbunker já havia decidido reagir à ameaça de fechamento pela prefeitura com o estabelecimento de um mini-Estado paralelo. Zurique, 29 de dezembro de 1970. Keystone

O dia 29 de junho de 1968 foi o 'big bang' da revolta estudantil na Suíça. O confronto se deu por causa de um centro juvenil autônomo. Originalmente, os centros de juventude foram criados com a missão de formar 'jovens socialmente responsáveis' para o bem do país - mas, no fim, acabaram criando lições de democracia na prática.

Numa noite quente de verão, no final de junho de 1968, houve uma revolta jamais vista em Zurique: paralelepípedos, garrafas, correntes, telefones arrancados de cabines e vasos de flores voaram pelo ar. Folhetos conclamavam as pessoas para uma manifestação em 29 de junho – no final da tarde, a multidão contava com mais de mil pessoas e bloqueou o tráfego. A polícia interveio com cassetetes e canhões de água, escalando a tensão.

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Os chamados “Distúrbios da Globus”, ou ‘der Globuskrawall’, em alemão, é considerado o big bang do ano de 1968 na Suíça. A razão para a manifestação foi a recusa da Câmara Municipal de liberar permanentemente o chamado Globus Provisional, um edifício próximo à ponte da estação de trem de Zurique, como um centro juvenil autônomo.

Desde o final da década de 1960, a ideia de que os centros de juventude poderiam ser administrados pelos próprios jovens criou uma grande força política em toda a Suíça que perdurou até os anos 80. Genebra, Lausanne, Biel, Basileia, mas também alguns pequenos vilarejos, viveram verdadeiras batalhas por centros autônomos.

Instituições educacionais disfarçadas

No entanto, os primeiros passos do movimento juvenil foram modestos: o primeiro centro da juventude apresentado na Exposição Nacional da Suíça, em 1939, não era de forma alguma autônomo. Ele servia à “educação dos jovens filhos da nação”: escoteiros tinham lá suas salas para preparar suas caminhadas, salas de música bem fornidas de instrumentos estavam à disposição de quem quisesse praticar, e ainda oferecia oficinas para a prática de bricolagens variadas.

O primeiro centro para juventude, construído em 1939.
O primeiro centro para juventude, construído em 1939. Keystone

O objetivo dos primeiros centros era afastar os jovens longe de entretenimento ‘perversos’ – danças, cinemas, bares e restaurantes. A “Associação de Férias e Lazer” de Zurique definiu, em 1949, que o centro de juventude deveria ser “um estabelecimento de educação e entretenimento saudáveis que atendam ao espírito empreendedor da juventude, fortaleçam seu caráter, e que garantam aos pais que seus filhos e filhas estão em boas mãos”.

Aulas de charme para os roqueiros

Em 1959, Zurique abriu seu primeiro ponto de encontro de jovens, o Drahtschmidli. De fato, foi uma experiência enriquecedora para muitos jovens: vários jornais estudantis, projetos fotográficos e amizades se criaram lá. Desde o início, porém, os responsáveis adultos não mediram esforços para envolver os chamados “adolescentes outsiders” em rota de colisão com a sociedade.

Os jovens mais ‘barra-pesada’ – aqueles que ouviam rock’n’roll e jogavam fliperama em bares – eram controlados pessoalmente pela polícia. No centro, o caráter dos jovens era reforçado com cursos do tipo “chique e charme”, que pretendia trazer os adolescentes, que descobriam a ‘rebeldia’ dos jeans, a uma relação mais ‘razoável’ com a moda. Essas casas, no fundo, eram instituições de ensino disfarçadas de centro de lazer.

No entanto, alguns jovens reivindicavam maior liberdade para cuidar de si mesmos, sem supervisão, assim como mais espaço – para concertos, por exemplo. Em Zurique, no final de outubro de 1970, após uma longa luta, foi inaugurado o primeiro centro juvenil autônomo, em um bunker anti-aéreo da Segunda Guerra Mundial. As autoridades da cidade até concordaram que o bunker poderia permanecer aberto durante a noite para possibilitar discussões e debates mais longos.

Mas não tardou para que os jovens começassem a dormir no bunker (homens e mulheres juntos!). O público (via imprensa) criticou a visita do bunker por menores de idade, o consumo de álcool e drogas, e o barulho. Somado a isso, estava o medo de que, no bunker, a extrema agitação de esquerda se misturasse com o carregado “clima de orgia”. O cheiro de escândalo estava no ar e o bunker sobrecarregou as autoridades rapidamente. Já em dezembro ele estava prestes a fechar.

Rápido fim de um Estado livre

Na véspera de Ano Novo em 1970, a organização do bunker declarou que o centro juvenil era um território fora da “sociedade capitalista” e fora da Suíça: a República Autônoma do Bunker. O objetivo era uma administração coletiva, cujas assembleias decidiriam o destino do Estado.

Em quatro dias, mais de 2.000 jovens se registraram no “Controle de Residentes” e obtiveram um passaporte. Mas depois de uma semana, o Estado Livre chegou ao fim: em 6 de janeiro de 1971, a polícia cercou o prédio e encerrou o experimento Lindenhofbunker. Hoje abriga o museu da polícia da cidade de Zurique.

Jovens pintam a bandeira oficial do Bunker-República Autônoma na parede de uma casa em Zurique
Jovens pintam a bandeira oficial do Bunker-República Autônoma na parede de uma casa em Zurique, 29 de dezembro de 1970. Keystone

O sonho do bunker também foi quebrado pelas exigências feitas a ele. O centro de juventude rapidamente se tornou um lugar para onde acorriam adolescentes que tinham abandonado suas casas ou suas famílias, ou que simplesmente precisavam de alguém com quem conversar, ou que tivessem problemas com drogas.

A organização sem fins lucrativos “Speak Out”, que também veio do movimento de 1968, criou no bunker um serviço de atendimento auto-organizado em larga escala para jovens – e logo ficou sobrecarregado. Na sala experimental do Bunker da Juventude, ficou claro quais problemas os jovens estavam enfrentando. Em resposta a isso, as primeiras instituições urbanas de aconselhamento de jovens foram fundadas no ano seguinte.

O centro em Biel sobreviveu

O último centro autônomo (Autonome Jugendzentrum) em Biel, que existe até hoje, mostra que tal experimento também pode ter sucesso. Nos anos 60, as bandas pop locais mal tinham qualquer espaço. Nos pequenos restaurantes em que eles podiam tocar, a eletricidade costumava ser desligada quando a mesa dos frequentadores não combinava com a música – e grandes espaços comerciais só podiam custear grandes operadores comerciais.


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Em julho de 1968, na esteira dos grandes tumultos estudantis em todo o mundo, a ideia de um centro de juventude autônomo também recebeu forte apoio aqui. A cúpula de uma antiga fábrica de gás, que estava prestes a ser demolida, foi escolhida como o local. O medo de badernas como as de Zurique conquistou as simpatias oficiais – no entanto, ainda demorou um tanto, até 1970, e ainda com a pressão de um ‘sit-in’ (manifestação pacífica onde as pessoas simplesmente se sentam na meio da rua), a aprovação foi anunciada pela Câmara Municipal. Após obras prolongadas, o centro foi inaugurado em 1975: até hoje, é um lugar de ativismo político e cultura alternativa.

Escola da Democracia

Legalmente, o AJZ Biel é uma associação suíça normal com estatutos, mas internamente a direção ainda é orientada pelo “Manifesto AJZ”. Ainda hoje, a “Assembleia dos Usuários” se reúne todas as noites de terça-feira e discute o programa.

O Centro Juvenil Autônomo AJZ, também conhecido como a caldeira a gás (Gaskessel) ou Chessu, em Biel hoje.
O Centro Juvenil Autônomo AJZ, também conhecido como a “caldeira a gás” (Gaskessel) ou “Chessu”, em Biel hoje. Keystone

O movimento AJZ representa a demanda por autodeterminação em todas as áreas da vida. Além disso, a esfera da diversão não precisa ser puro consumo – mas surge do trabalho conjunto. Aqui surgiram micro-democracias temporárias e caóticas, nas quais os espaços divididos eram gerenciados por eles mesmos. Para muitos, 1968 também foi uma escola para a democratização – apesar de toda a conversa sobre um suposto “golpe esquerdista”.

Adaptação: Eduardo Simantob

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