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Policial suíço ensina estrangeiros a conviverem com a liberdade e a segurança

Policial com arma na cintura
Markus Gilgen: "Migrantes e a Polícia apresentam grande probabilidade de se comunicar mal". swissinfo.ch

Convidada para evento civil de integração de estrangeiros promovido por Baden, cidade localizada ao noroeste de Zurique, me deparei com um policial suíço fardado.

Intrigada, aproveitei a pausa para abordá-lo. Não poderia sair dali sem saber o que a Polícia suíça tem a ver com o tema migração. Contundente, ele respondeu: “tudo”. Segurança e integração andam de mãos dadas por uma série de fatores, que vão desde a prevenção de acidentes de trânsito a delitos do dia a dia, considerados simples desvios em seus países de origem, mas passíveis de serem enquadrados como crimes no país.

Há 17 anos na Corporação, o policial Markus Gilgen observa na sua rotina que as diferenças culturais interferem no entendimento sobre o papel da Instituição e consequentemente no seguimento de regras e leis. Um exemplo da influência da cultura no dia a dia da polícia pode ser descrito quando os brasileiros insistem em dirigir após o consumo de álcool ou em não usar o cinto de segurança.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Outro padrão apresentado por alguns grupos de migrantes é o medo da polícia. Imagina que migrantes que tiveram experiência traumática com a Polícia migrem para a Suíça e tragam esses medos na bagagem. Essas pessoas podem passar essa mensagem negativa para os filhos, que frequentam escolas locais, e são orientados a enxergar os policiais de outra forma. Esse é só o início de um problema de integração, que começa com o trauma dos pais e pode interferir na adaptação da criança.

Gilgen acredita que, em um contexto social no qual 25% da população é estrangeira, como é na Suíça, o papel da Instituição deve ser mais preventivo e educacional. “Assim conseguimos nos aproximar dos cidadãos e trabalhar na precaução”, explica o policial.

swissinfo.ch: Como o Senhor vê a relação da Polícia com a integração de migrantes na Suíça?

Markus Gilgen: É intrínseco. Em termos gerais, o relacionamento da Instituição com a população é baseado no poder; nós representamos a autoridade e temos armas. Claro que precisamos lidar corretamente com as pessoas e só devemos lançar mão de armas quando extremamente necessário.

Diante dessa relação de poder que atua sobre um público com valores, culturas e vivências tão diferentes, é preciso explicar o básico sobre o papel da Instituição na Suíça. Estamos aqui para garantir a segurança da população, na qual uma parte considerável é formada por estrangeiros. Desse grupo, existe uma parcela que vem de países onde a convivência com a Polícia é violenta, baseada na desconfiança, como no Brasil, por exemplo. Nós sabemos que a Polícia de outros lugares infelizmente bate, aplica multa de forma errada e aceita suborno.

Dessa forma, eu penso que migrantes e Instituição Policial apresentam grande probabilidade de se comunicar mal, em vez de colaborar um com o outro. O nosso papel é mudar esse conceito. Isso sem falar na barreira da língua e do desconhecimento de direitos e deveres daqui.

Queremos que a população confie no nosso time. Policiais da Suíça não são treinados para bater nas pessoas e, sobretudo, não queremos sujar nossa imagem. Por isso acho muito importante que seja feito trabalho de conscientização com esses grupos de estrangeiros específicos.

swissinfo.ch: O Senhor sabe de alguma iniciativa já realizada nessa direção?

M.G.: Eu mesmo já fiz algumas palestras com o público de requerentes de asilo da Eritréia, por exemplo, como trabalho voluntário. Queria explicar a eles que a polícia na Suíça pode ser uma aliada, e não uma inimiga. Existem grupos de rapazes que pedem asilo aqui e, pela sua condição, não podem trabalhar e ficam perambulando por estações de trem.

Por virem de sociedades com poderes patriarcais muito fortes, não estão acostumados a conviver com a liberdade que a Suíça proporciona. Para esses rapazes, é difícil lidar com o fato de que os pais ou os órgãos repressores não estão mais ali. É um grande desafio aprender a lidar com a liberdade.

swissinfo.ch: E quais são as mensagens que tentam passar para esse grupo?

M.G.: O país é cheio de regras, mas o cidadão tem o privilégio de desfrutar de segurança e respeito pelos direitos humanos. Por aqui, desfruta-se de liberdade, que vem seguida de responsabilidades. Essas são algumas das regras. São consideradas por alguns grupos como exageradas, mas é o seguimento delas que garante uma convivência pacífica e segura.

Eu acredito que a Polícia tenha papel fundamental na explicação dessa dualidade liberdade-obrigações. Mas sempre tentando trazer o cidadão para o nosso lado, que eles nos enxerguem como aliado e não repressor.

Apresentamos para os cidadãos da Eritreia, por exemplo, o papel da Polícia, o que ela desempenha, como um controle de documentos deve ser realizado de modo a prevenir abuso de poder ou até como se comportar nesse tipo de situação. Inclusive explicamos que existe um canal no qual é possível reclamar caso alguém se sinta desrespeitado.

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“O cidadão não tem tempo de verificar a minha aparência”

Este conteúdo foi publicado em O quartel policial na Rua Clarastrasse 38 é o local de trabalho do jovem português de vinte e cinco anos. O uniforme azul, com o emblema do cantão de Basileia-cidade costurado nos ombros, lhe cai bem. No cinturão estão presas a pistola de serviço, luvas, uma lanterna, o equipamento de rádio e também um cassetete.…

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É claro para mim que, dependendo da cultura, as pessoas se comportam e entendem determinadas regras de forma diferente. Por exemplo, como é o comportamento em cada país com relação a beber e dirigir, o uso do cinto de segurança, a oferecer propina para o guarda.

swissinfo.ch: A Suíça é um país muito seguro, principalmente se comparado com o Brasil. Mas obviamente não é livre de crimes. Eu tenho a impressão de que pessoas que vêm de cidades muito violentas, como o Rio de Janeiro, por exemplo, podem confiar demais na calmaria e baixar a guarda, aumentando até a probabilidade de se tornarem vítimas de algum crime, como assalto ou até mesmo estupro. O que o Senhor diria a esses migrantes?

M.G.: É verdade. Temos o luxo de poder andar na rua sem medo, de deixar nossas crianças irem a pé para a escola. O presidente vai ao trabalho de transporte público, sem guarda-costas.

É importante que as estrangeiras, que não sabem se mantém a vigilância ou se relaxam e andam calmamente pelas ruas, mantenham em mente que aqui é seguro, mas não livre de crimes. Ambientes de estação de trem são locais mais arriscados. É preciso atenção. Sempre aconselho às mulheres que, se andam de madrugada, façam de preferência acompanhadas de uma pessoa. Evitem lugares escuros. Recomendamos a instalação de alarmes para prevenção de roubo a residências também.

Por um outro lado, temos observado aumento do número de crimes digitais, como assédio moral e pornografia. Fazemos trabalho intenso de prevenção nas escolas e em asilos de idosos. Como no Brasil, aqui na Suíça existe o crime de ligar para a casa ou celular e se passar como alguém da família para pedir dinheiro, o chamado Enkeltrick (n.r.: truque do neto). As vítimas são principalmente os mais idosos. Há também os golpistas que telefonam e dizem que precisam de dinheiro para doações a instituições de caridade.

Eu acho que é nossa obrigação como Instituição é esclarecer, e não somente vigiar. Assim conseguimos nos aproximar da população e trabalhar em conjunto para um país seguro, tanto na prevenção de acidentes de trânsito quanto na diminuição de crimes, delitos ou mal-entendidos. Acredito que a sensibilização da Polícia quanto ao entendimento da cultura dos estrangeiros seja um enorme campo a ser explorado.

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