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Saber ouvir é chave na cruzada contra o Suicídio

Pessoa sentada no chão
Aproximadamente 30% da população na Suíça declara já ter passado por uma fase depressiva. Keystone / Roland Schlager

A Organização Mundial da Saúde alerta:  migrantes fazem parte do grupo de risco.

A psicóloga clínica e social Fabiana Lourenço Müller traz uma abordagem diferente para tratar do tema suicídio e saúde mental, principalmente ao tratar de migrantes. Em sua opinião, é preciso muito mais que quebrar o tabu de falar sobre o assunto. É imprescindível promover a escuta empática. Isso significa ouvir o outro colega brasileiro, que sofre com inúmeras questões migratórias, com amor e contextualizar a migração como fator de risco.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

Em conversa com a swissinfo.ch, a carioca chama a atenção para a necessidade de cuidar da saúde mental, de prestar atenção aos familiares e às pessoas ao entorno. “Não adianta colocar na rede social a bandeirinha do Setembro AmareloLink externo se você não tem paciência para o outro, se não consegue exercitar o ombro amigo sem julgamento”, explica.

Fabiana Müller fala do alto de sua experiência de migrante, de seu histórico como líder comunitária no Rio de Janeiro e de seu trabalho atual como psicóloga da Defesa Civil e do Departamento de Catástrofe do Cantão de Solothurn. Ela é a pessoa que acompanha o policial para dar a notícia da morte ou de uma tragédia familiar.

Como estrangeira, ela entende a dor dos inúmeros migrantes com depressão ou vulneráveis à doença. Como mulher e negra, sente na própria pele o que significa ter que lutar contra inúmeras barreiras em um mundo que valoriza a cultura europeia. Com todo esse currículo e ainda como testemunha de inúmeras desgraças do seu dia a dia profissional, a psicóloga consegue agregar pontos de vista distintos. Ela profere palestra sobre o suicídio em palestra gratuita no dia 27 de setembro, às 17 horas, no Consulado Brasileiro de ZuriqueLink externo.

swissinfo.ch: Você fala sobre a importância de falar sobre o tema. Como abordar o assunto, qual a validade de se tocar em um tópico tão “feio”?

F.M – Tem que falar sim. Trata-se de um problema de saúde pública. Claro que não vai ser no domingo, comendo pipoca, em um momento de descontração. Mas ocultar, ignorar ou sussurrar sobre o tema não ajuda a reduzir o índice, que cresce no mundo inteiro. A Suíça, por um acaso, tem conseguido reduzir os números de mortes por suicídio. Há uma campanha pública nesse sentido.

O ato de tirar a vida de forma voluntária afeta principalmente jovens entre 13 e 19 anos e populações consideradas vulneráveis, como migrantes. É preciso, entretanto, sensibilizar a todos. O ato de tirar a vida não está distante de ninguém, pode acontecer com qualquer um. Por isso se faz necessário abordar o assunto, quebrar o tabu. Tem gente que não fala nem o nome. Pode acontecer com o seu vizinho, até no ambiente de trabalho. O cenário é muito amplo e a forma de cometer o ato é extensa.

O certo é que, quem tenta tirar a vida, está passando por um sofrimento inimaginável. É importante que os pais prestem muita atenção em seus filhos adolescentes, que passam por mudanças hormonais importantes. Infelizmente hoje muitas famílias precisam trabalhar tanto que não conseguem observar. É um fenômeno global.

swissinfo.ch: Mas você acredita que os brasileiros que vivem na Suíça estariam sujeitos ou até mesmo mais expostos a esse tipo de problema?

F.M: Infelizmente não há uma estatística, pelo menos que eu conheça, relativa aos brasileiros residentes. Entretanto, eu acredito que os migrantes sofram muito com as características culturais em geral. Nós não estamos acostumados com essa nova cultura, e principalmente com as que não põem tanta importância nas relações interpessoais.

O migrante, em geral, em maior ou menor grau, tem uma sobrecarga enorme da necessidade da adaptação, da saudade, das dificuldades com um país diferente.

Mulher
Fabiana Lourenço Müller: “É muito importante que a comunidade se ajude, que cuidemos uns dos outros.” swissinfo.ch

Como somos um povo que usa muito o entretenimento e os contatos sociais, isso é um fator de proteção. Mas é importante falar também que há um sofrimento que vem da migração. As pessoas sofrem e isso faz parte do processo. Inclusive, preciso dizer que existem vários estudos que comprovam a relação entre migração, aumento de depressão e consequentemente suicídio.

swissinfo.ch: Saudades, mudanças e frustrações vêm com a migração. Você acredita que, com a distância da família, a comunidade ganhe importância na vida desse migrante?

F.M: Sim. É muito importante que a comunidade se ajude, que cuidemos uns dos outros. Tenho visto muitos brasileiros se relacionando friamente com seus conterrâneos. Acontece de quem está integrado, vivendo aqui há mais tempo e que detém o conhecimento sobre o país, muitas vezes julgar, criticar e não querer passar um pouco da experiência de forma carinhosa. Claro que não é unanimidade.

Tem gente que diz que aquele que chegou é chato, só reclama, não consegue enxergar as vantagens de viver no exterior. Só que essa “chatice” já pode indicar um sinal. Se a pessoa carrega essa energia negativa de insatisfação, aconselho a abraçar esse ser humano. É mais fácil para quem sofre desabafar quando há empatia, acolhimento. Não adianta colocar a fitinha da Campanha do Setembro Amarelo na sua página no Facebook se você não tem paciência de ouvir o outro. É muito importante falarmos que podemos adoecer psiquicamente no processo migratório. Temos que evocar a solidariedade.

swissinfo.ch: E a que você atribuiria essa falta de boa vontade com o outro, que provavelmente já tenha passado pela mesma problemática?

F.M: Na linha mais humanista, da qual eu venho, eu acredito que muitos que se comportem dessa maneira com o seu semelhante podem ainda estar vivendo o luto migratório, uma dor antiga que não vai totalmente embora.

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Idoso sendo empurrado em sua cadeira de rodas

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Porque a Suíça não quer regulamentar o suicídio assistido

Este conteúdo foi publicado em O cantão de Neuchâtel está exigindo a regulamentação legal de organizações de suicídio assistido. A proposta falhará, como todas as tentativas anteriores nessa direção. A proposta de NeuchâtelLink externo visa regulamentar as condições de ajuda ao suicídio e criar um quadro legal para as organizações que a praticam.  Um dos argumentos apresentados pelo cantão é que essas organizações estão…

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O sofrimento mal trabalhado faz isso. Como esse migrante não consegue competir com o nativo, pode acontecer de ele procurar o seu igual para travar a luta diária, para se provar melhor e conseguir obter algum sentimento de identificação, mesmo que seja para confirmar sua supremacia em relação ao outro.

O luto migratório traz um vazio muito grande. Então, é preciso também conversar sobre isso. Infelizmente, a plataforma desse mundo em que vivemos é a competição, e não a cooperação.

E quando a importância da saúde mental não é promovida, as pessoas passam por processos dificílimos como a migração sem entender o que acontece com elas.

swissinfo.ch: Mas nem sempre dá tempo de ouvir o outro. A vida é atribulada para a maioria das pessoas. Como fazer, como promover esse ombro amigo quando não há tanta disponibilidade?

F.M: Simples, escute a primeira vez, tenha paciência no início. Mas não deixe de falar que aqui na Suíça, ao contrário do que acontece no Brasil, há mais acesso à saúde mental. Eu quero dizer com isso que é possível ir ao psicólogo, não é inviável, é acessível. Ou seja, não é preciso ter muito dinheiro para isso.

Eu bato na tecla de que o migrante precisa comunicar seus sentimentos ao médico de família. Se a pessoa se sente triste, cansada, estressada ou perdida desde que chegou ao país, ela precisa relatar isso ao médico. O profissional, que é em geral nativo, não vai perceber que a queixa de dor no estômago, insônia, tristeza, acontece em virtude de uma má adaptação, da saudade, do desencontro com essa nova cultura. Traga esse tema para a consulta.

Cartilha e eventos voltados à prevenção de suicídios

A Campanha de Prevenção ao Suicídio – o Setembro Amarelo – traz uma série de oportunidades de informação e eventos formatados para a comunidade de língua portuguesa na Suíça. O Conselho de Cidadania de ZuriqueLink externo lança cartilha Diga Sim à VidaLink externo, promove palestra no Consulado dia 27 de setembro. O Consulado de Genebra sedia treinamento para aconselhamento sobre o tema.

A cartilha desenvolvida pelo Conselho de Brasileiros de Boston e adaptada para a realidade da Suíça alemã e italiana foi elaborada com o intuito de informar, esclarecer e orientar a população sobre como buscar ajuda para lidar com situações de desânimo, ansiedade, falta de energia e mesmo dúvidas sobre o sentido de estar vivo. O livreto está sendo disponibilizado em outros países também.

O material traz, em 19 páginas, informações sobre a doença depressão, a importância de se falar sobre os sentimentos, dicas sobre sintomas que indicam a necessidade de ajuda médica, além de telefones importantes para emergência, por exemplo. Foi escrito tanto para quem sofre do problema quanto para potenciais multiplicadores de acolhimento, qualquer um que ouça o desabafo de um amigo ou familiar.

Profissionais do Centro de Valorização da VidaLink externo (CVV) promovem no Consulado de Genebra, entre os dias 19 e 22 de setembro, a primeira edição de um curso para facilitadores e pessoas interessadas em ajudar vítimas do problema.

143Link externo – Linha telefônica para pedir ajuda ou consulta

– Lista de alguns profissionais de saúde e psicólogosLink externo que atendem em português na Suíça

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