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Socos, xingamentos e uma boa dose de disputa

Montage, die eine Cartoon-Blase auf einem klassischen Gemälde zeigt
Já existiam comédia em pinturas do século 17? Illustration: Marco Heer

O que liga uma grosseira disputa conjugal do século 17 aos quadrinhos modernos? O Museu Nacional da Suíça explica.

Nas salas de estar do século 17, cenas domésticas violentas não eram incomuns. Armados com uma grande colher de pau e uma grelha, um homem e uma mulher, provavelmente um casal, atacam um ao outro diante de um cenário doméstico.

A esposa agarra o braço do marido para evitar os golpes com a grelha, ao mesmo tempo levanta o braço a fim de acertá-lo com a colher de pau. Enquanto isso, o marido tenta libertar-se do aperto chutando-a.

A violência nas relações de casal, bem como o abuso infantil, é uma manifestação de violência doméstica que, infelizmente, no passado e hoje, causa profundo sofrimento.

Neste contexto, é, portanto, difícil imaginar que se pudesse extrair de um tema tão problemático um elemento cômico, como que está representado nesta assadeira redonda do final do século 17. Com efeito, a própria representação (por volta de 1700) e, além disso, um pequeno detalhe mostram que esta cena violenta foi criada como uma exortação “humorística” à coexistência pacífica entre os cônjuges.

A SWI swissinfo.ch publica regularmente artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo sobre temas históricos. Estes artigos estão sempre disponíveis em alemão e geralmente também em francês e inglês.

A confecção de iguarias doces, tais como biscoitos de gengibre ou de erva-doce, em fôrmas entalhadas é uma tradição na Suíça desde o século 15. Por exemplo, em dias de festa, as refeições eram complementadas com bolos cujos motivos ornamentais destacavam tematicamente a festa.

Nos batismos e casamentos, bolos modelados serviam para transmitir votos de felicidades, esperança, mas também admoestações. Nos casamentos, além dos temas de amor, da bênção de filhos e da felicidade conjugal, havia também exortações pictóricas à paz. A união entre marido e mulher deveria ser vivida em comunhão e não terminar numa “guerra conjugal”, como está representada na assadeira acima mencionada.

Rundes Gebäckmodel aus Holz mit einem handfesten Ehestreit
Forma de biscoito mostrando um casal se disputando. Data de origem: 1690. Musée national suisse

Patriarcado

O efeito “engraçado” e ao mesmo tempo exortativo dessa grosseira disputa matrimonial do século 17 se deve precisamente à visão que se tinha da vida conjugal entre homens e mulheres da época. Com a Reforma, a vida pública, religiosa e privada foi parcialmente reorganizada. De mais a mais, a vida cotidiana alinha-se com a ordem patriarcal, que se ancora por meio de leis, cuja aplicação é cada vez mais monitorada pelo Estado.

Em termos simples, o mundo assenta sobre a seguinte ordem: como Deus Pai que reina sobre a humanidade, as autoridades (patrícios) governam o povo e o pai de família (pater famílias) rege sobre a família e os criados. Nesse sentido, foi dado ao marido o domínio “equitativo” sobre a família e à mulher a obrigação de se submeter a ele.

Tal “patriarcado” também incluía o poder disciplinar, o que permitia ao marido, entre outras coisas, influenciar o comportamento e o estilo de vida de sua esposa, recorrendo inclusive à violência como meio de “correção”.

Todavia, o mesmo não se aplicava à mulher. Portanto, pode ser que, além de seu efeito admoestatório, essa cena de discussão conjugal tivesse também uma função divertida para o observador da época: um homem, irado, que tenta fazer valer sua pretensão ao poder com golpes e obtém a mesma recompensa de sua esposa, deve ter sido visto como uma figura de chacota.

Illustration, die zwei Frauen zeigt, die einen Mönch schlagen
Duas mulheres espancando um monge. Ilustração de Urs Graf, 1521. A dor do homem é ilustrada por sua expressão facial e por uma ferida na cabeça que se abre. Kunstmuseum Basel – Martin P. B

Primeiros elementos dos quadrinhos?

Um pequeno detalhe na representação merece atenção especial. É a pequena estrela de cinco pontas, que é retratada ao nível dos olhos da mulher. Pode ser um pictograma mimético, ou seja, imitativo, que reflete o estado interior da pessoa.

Hoje em dia, a interpretação da estrela como um “pictograma do estado emocional” em tais cenas é fortemente influenciada pelo uso desse símbolo em quadrinhos e filmes de animação. Nos cartuns, por exemplo, o símbolo está associado a dor ou à embriaguez. Vê-se estrelinhas.

Poderia esta estrela ser apenas uma fórmula pictórica? As artes visuais da Idade Média e dos tempos modernos expressavam a dor por meio de mímica e gestos faciais, mas também por meio da representação dos efeitos físicos do trauma, como, por exemplo, feridas ou ferimentos infligidos.

A adição de uma estrela como sinal de dor estaria, portanto, ligada ao aspecto um tanto “humorístico” da encenação dos fatos representados. Outro ponto de vista poderia também apontar para outra emoção da mulher, a saber: ela está stärndonnerswild (tão enfurecida, que vê estrelinhas). Segundo o dicionário do dialeto suíço Schweizerisches Idiotikon existem provas do uso deste adjetivo na Suíça no século 17.

Outra interpretação da estrela também poderia ser uma referência a uma maldição que foi lançada. Conforme explicado pelo Idiotikon, expletivos como ‘Himmelheiligstärnewält!’ ou ‘Stärnedonnerwätter!’ eram, e ainda são, palavrões comuns.

Moderne Comics mit Kraftausdrücken und Sternchen
Estrelas simbolizam nos quadrinhos muitas vezes a dor…ou quando alguém amaldiçoa o outro… Photo prétexte

No entanto, imprecações excessivas eram punidas pelas autoridades. Ademais, seria certamente indecoroso usar uma tal invectiva verbal em um bolo servido em uma festa de casamento.

Também aqui os insultos proferidos nos quadrinhos podem ser utilizados para comparação. Neste meio de comunicação, os palavrões são frequentemente representados por uma série de signos, especialmente se os leitores pretendidos forem também crianças e jovens. Por razões semelhantes, o entalhador do molde de madeira pode ter-se contentado em representar apenas um pictograma e deixado a interpretação para o observador versado do século 17.

História

As origens dos quadrinhos suíços residem no período em que o gênero surgiu. Em 1827, o genebrino Rodolphe Töpffer criou histórias litográficas de cinquenta ou mais páginas em formato longitudinal que encantaram uma audiência internacional e inspiraram imitações francesas e alemãs.

Na Suíça, numerosos artistas como Henri Hébert foram influenciados pela obra de Töpffer. Na virada do século 20, as revistas suíças publicavam quadrinhos, que consistiam em uma sequência vertical de seis a nove desenhos e, em geral, não eram comentados.

As melhores obras vieram de Caran d’Ache, Auguste Viollier, Evert van Muyden e de seu irmão Henri.

Na Suíça de língua alemã, Robert Lips criou, em 1932, para a Zürich Warenhaus – Globus, uma loja de departamentos, um personagem semelhante a um animal, o Globi. Lips foi influenciado pelos quadrinhos verticais sem texto, mas também por Wilhelm Busch, que comentava com versos seus desenhos.

Lips criou os primeiros 34 títulos da série Globi. Em 2005, 73 livros com o personagem Globi já haviam sido publicados, que, além de Lips, foram desenhados principalmente por Peter Heinzer e Heiri Schmid.

O renascimento dos quadrinhos na Suíça francófona é mérito de Derib (Claude de Ribaupierre), que publicou seu primeiro trabalho em 1969. Formado na Bélgica, o cartunista tornou-se conhecido pela sua criatividade – 53 obras em menos de 30 anos – e pela sua simpatia para com os índios da América do Norte.

Os quadrinhos se tornaram uma moda na Suíça ocidental já nos anos 80. Uma expressão disso é o Festival de Quadrinhos de Siders (desde 1984).

Mas os quadrinhos também se firmaram na Suíça de língua alemã, como mostra o Festival Fumetto, que acontece em Lucerna desde 1992.

Com exceção da Globi, que pode contar desde 1944 com um título emblemático, as editoras de quadrinhos suíços tiveram uma existência efêmera, como demonstra o exemplo da Kesselring-Verlag.

A editora Editions Modernes (fundada no início dos anos 1980) conseguiu cativar um público de língua alemã no país e no exterior, enquanto a Les Humanoïdes Associés (fundada na França em 1974, mas em mãos suíças entre 1988 e 2004) se dirigiu com sucesso aos leitores de língua francesa.

Fonte: Dicionário Histórico da SuíçaLink externo

Adaptação: Karleno Bocarro

Adaptação: Karleno Bocarro

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