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Suíço, taxista de uma perna só no Rio de Janeiro

Christian Birkmeier ao lado do seu taxi. swissinfo.ch

Neto de imigrantes suíços vindos de Arosa Christian Birkmeier venceu a batalha de uma amputação e ganha a vida como taxista e mecânico na cidade maravilhosa.

Em 1958 os avós de Christian, Hans Heinrich Birkmeier e sua esposa Alma Anna Wahldispuhl Birkmeier deixaram os Alpes de Arosa para trabalhar e se estabeleceram no Rio de Janeiro. Como quase todos os suíços que chegavam ao Rio de Janeiro eles se instalaram no bairro de Santa Tereza, uma das áreas nobres da cidade.

No Brasil o engenheiro fundou a HH Construções, empresa de planejamento e montagem de estruturas metálicas. Seus dois filhos, Jürg e Dirk, que vieram ainda bem pequenos, herdaram a empresa do pai e se casaram com brasileiras.

Em 1992 sua carreira de sucesso de piloto de motocross foi tragicamente interrompida por um acidente. Em consequência desse acidente a perna esquerda de Christian precisou ser amputada. Ele deu uma entrevista à swissinfo.ch em sua firma, que tem o sugestivo nome de Birkauto Mecânica de Automóveis em Santa Tereza, Rio de Janeiro, Brasil.

swissinfo.ch: Como é a família Birkmeier no Rio de Janeiro?

Christian Birkmeier: Meus avós vieram para o Brasil com a intenção de fundar uma firma de construção de estruturas metálicas. Quando meu pai, um mecânico, e meu tio, um engenheiro, atingiram a maturidade, meu avô passou a firma em nome deles.

Em 1953 meu pai, Dirk Birkmeier, chegou ao Rio de Janeiro com idade de dois anos. Em 1969 casou-se com a minha mãe, a brasileira Marta Birkmeier. Eu nasci em 1970 aqui em Santa Tereza, me casei com a brasileira Karen Pastori Birkmeier e tenho um filho de 2 anos. Michel Birkmeier, meu único irmão, é dentista e trabalha na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ele é casado com a brasileira Adriana Birkmeier e em outubro de 2010 nasceu a sua filha.

O tio Jürg Birkmeier nasceu na Suíça em 1944, formou-se em engenharia no Brasil e casou-se com a brasileira Angela Maria Baeta Neves Birkmeier. Eles tiveram três filhos. Hoje meu tio está divorciado e mora sozinho na cidade de Itaipava, no alto da Serra dos Órgãos.

swissinfo.ch: Você tem contato com os descendentes de suíços no Rio?

C.B.: Eu não convivo muito com suíços, mas a vila Suíça no Largo do França no bairro de Santa Tereza é o reduto dos suíços aqui no Rio de Janeiro. A comunidade fica próxima da antiga Escola Suíço-Brasileira. Lá é como uma grande família, todos se ajudam. A Vila Suíça tem até um bondinho comunitário que percorre toda a vila. Mas para entrar lá somente se você for convidado.

swissinfo.ch: Você recebeu em casa a educação e as tradições suíças?

C.B.: Não, nada! Apesar de meu pai ter nascido na Suíça e emigrado para o Brasil com dois anos, ele nunca mencionou voltar. Ele se integrou aqui no Rio e esqueceu totalmente as tradições do país natal. Além disso, ele era muito ausente em casa e, infelizmente, nós não convivemos muito com ele.

swissinfo.ch: O que você sabe sobre a cidade natal dos seus avós?

C.B.: Não sei muito sobre a Suíça. Sei que eles tinham um hotel em Arosa com o nome da família Birkmeier. Eu me recordo do “Niklaus”, o papai Noel suíço, e de uma flor que só floresce nos Alpes, acho que se chama “Edelweiss” e é uma flor que dá num tronco de árvore nos lugares altos dos Alpes. Meus primos dizem que lá faz muito frio e neva muito. Meus avós sempre traziam os deliciosos chocolates suíços.

swissinfo.ch: Você gostaria de conhecer a Suíça?

C.B.: Eu tenho o passaporte suíço e adoraria ir lá, mas nunca tive condições financeiras para isso. Meus dois primos, Fernando e Rodrigo, por acharem que lá as oportunidades de trabalho seriam melhor, tiraram passaporte suíço e voltaram para terra dos nossos ancestrais. Os dois se estabeleceram em Genebra. Atualmente o Fernando, casado com uma suíça, trabalha no mercado financeiro. Já o Rodrigo casou-se com uma brasileira e está desempregado, porém recebe bolsa do governo suíço.

swissinfo.ch: Como o acidente mudou sua vida?

C.B.: Em 1992 eu estava no auge de minha carreira profissional no campeonato carioca de Motocross categoria intermediária. Com somente 18 anos eu já era patrocinado pelas Malhas Arcos Citycoll, a malharia mais famosa do Rio de Janeiro, o que me rendeu um sexto lugar no campeonato carioca. Mas numa das subidas pelas ruas estreitas de Santa Tereza minha moto foi prensada por um ônibus contra o muro de uma casa.

swissinfo.ch: Qual foi sua reação depois do acidente?

C.B.: Como consequência do acidente e com uma perna amputada minha vida virou de pernas para o ar. Eu fiquei muito triste naquele momento, mas superei naturalmente. Eu sou um batalhador e o meu orgulho não deixou que eu me aposentasse por invalidez.

swissinfo.ch: O que o ajudou a superar a amputação?

C.B.: Com certeza foi o trabalho. Como meus hobbies sempre foram carros e motos e eu já sabia dirigir mesmo antes de sofrer o acidente, investi o dinheiro da indenização na compra de um táxi para trabalhar, fazer o que gostava e assim mudar de vida.

swissinfo.ch: Como você reaprendeu a dirigir sem um pé?

C.B.: Como já trabalhava com meu pai na mecânica dele, decidi também trabalhar como mecânico. Na minha garagem eu manobrava os carros dos clientes e com o tempo aperfeiçoei a minha técnica de dirigir, assim fui ganhando experiência em usar os três pedais somente com o pé direito.

swissinfo.ch: Como é controlar três pedais com um pé?

C.B.: Com o tempo a gente ganha habilidade e vai pegando a técnica do triângulo entre acelerador, embreagem e freio. Como os carros novos são todos de injeção eletrônica, isto é, a aceleração é estabilizada na marcha lenta. Eu simplesmente passo a marcha e vou soltando a embreagem e troco o pé para o acelerador. Uso o freio de mão para compensar o pé perdido.

swissinfo.ch: Os engarrafamentos no Rio de Janeiro são um problema para você?

C.B.: Todo mundo usa os dois pés para dirigir, mas com agilidade e treino dá pra contornar todas as situações com um único pé. Quando há engarrafamento eu ponho no ponto morto e piso na embreagem. Quando o trânsito começa a fluir eu vou soltando a embreagem e o carro começa a andar. Se andou um pouquinho e parou, eu volto o câmbio para o ponto morto e fico só freando. Se andou e continuou eu sigo passando as marchas no tempo, isto é, quando eu tiro o pé do acelerador o giro do motor cai e nesse momento preciso eu passo a marcha.

swissinfo.ch: Como é dirigir sem uma perna nos morros de Santa Tereza?

C.B.: Nas ladeiras é o mesmo sistema, porém eu uso o freio de mão para o carro não voltar de ré. Lembro-me como no início eu suava frio. Mas aprendi a usar o carro ao meu modo.

swissinfo.ch: Algum passageiro já perguntou sobre a sua deficiência?

C.B.: Os passageiros nunca perguntaram nada. Somente uma vez um deles viu as muletas no banco de trás e me perguntou se eu tinha problema no joelho. Respondi que tinha perdido a perna num acidente. Mas em momento algum perdi um passageiro por isso.

swissinfo.ch: Por que você não usa uma prótese?

C.B.: Eu adoraria andar e dirigir com uma prótese, pois andar com muletas sobrecarrega o joelho e os cotovelos doem muito. Eu até tenho uma prótese brasileira em casa, mas eu não me adaptei, pois a minha amputação foi muito curta e o encaixe ficou ruim. Além disso, a perna artificial que me deram é pesada.

swissinfo.ch: Você já buscou ajuda para uma prótese melhor?

C.B.: Fui ao Consulado Suíço do Rio de Janeiro com o meu passaporte para pedir ajuda. Eu só queria receber do Governo Suíço uma prótese de liga leve e bem adaptada da empresa Ottobock alemã. Mas eles alegaram que por eu ser brasileiro eles não poderiam me ajudar. Disseram que, como suíço, eu teria ajuda, mas só se estivesse morando na Suíça como meus primos.

Imigração suíça ao Brasil
Os suíços foram os primeiros imigrantes europeus a se estabelecerem no Brasil, depois dos portugueses.

Os primeiros imigrantes suíços chegaram ao Brasil entre 1819-1820, oriundos do cantão de Friburgo. Dom João VI batizou o lugar de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Eram ao todo 261 famílias, totalizando 1.682 imigrantes.

Os colonos suíços foram atraídos para as serras do Rio de Janeiro pelo rei Dom João VI, com o intuito de povoar a região fluminense e europeizar a região das serras.

Hoje seus descendentes são encontrados aos milhares por toda a serra fluminense, miscigenados com portugueses, negros, italianos, etc.

Um outro fluxo de suíços foi encaminhado para o Sul do Brasil durante todo o século XIX, com destaque para o grupo de imigrantes chegados a Colônia Dona Francisca (hoje Joinville), em Santa Catarina.

Não se sabe ao certo quantos suíços imigraram para o Brasil, pois muitos deles eram contados como sendo alemães, porém, a presença dos imigrantes suíços no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Espírito Santo e no Sul do Brasil é notável. (Wikipédia em português)

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