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Suíço mostra espetáculo de pescar ideias

Cena de Donka, de Tchecov, dirigida por Daniele Finzi Pasca r swissinfo.ch

Donka em russo significa a bóia que acusa a mordida do peixe na isca da vara de pescaDonka, no cenário cultural contemporâneo, é sinônimo de Tchekov e o nome do espetáculo criado pela companhia do suíço Daniele Finzi Pasca sobre a obra do autor russo.

Ele fez uma colcha de retalhos com imagens personagens que refletem a vida do grande escritor e o resultado é um grande sucesso em todo o mundo.

O diretor Daniele Finzi Pasca usou toda a sua experiência para entrar em sintonia com uma realidade distante 150 anos. O mergulho no tempo foi através da leitura das obras do autor e intuição, principalmente. Não foi fácil achar o caminho certo.

“É difícil dizer, como quando  vamos  ao supermercado comprar alguma coisa e deixamos-nos influenciar por outros eventos, tropeça-se em algo inesperado; é assim, procurar o inesperado, como quando pescamos; existe esta analogia em Donka, o poeta, o pescador, estão ali. Você vai pescar e espera que chegue a ideia”.

A pesca é um elemento constante em cena, quase invisível, mas, sonoro apenas o suficiente para indicar a sua presença. O rumor de fundo do sininho Donka ecoa ao longo do espetáculo e “denuncia” o peixe que morde a isca, a reflexão que chega através do pensamento.  Uma metáfora usada para lembrar um dos hábitos do dramaturgo russo.

Anton Tcheckhov costumava pescar peixes e, por tabela, ideias, durante as longas pausas de reflexão oferecidas por este “esporte”. O médico e escritor Tcheckhov fazia, nos momentos de repouso, o exercício de pensar o mundo ao seu redor, marcado por grandes nomes como o do escritor Leon Tolstoi, da mulher e atriz de uma de suas peças, Olga Leonardovna Knipper.

Correspondência

O imaginário do autor de “O jardim das Cerejeiras” e de tantas outras obras primas da literatura e do teatro internacional, ganha vida, incorpora personalidades diferentes em oito artistas presentes no espetáculo. E não foi fácil escrever a “carta a Tcheckhov”,  de forma teatral e surpreendente. Ela custou muita intuição e transpiração.

“Eu tentei escrever uma carta; quando você recebe uma carta é bacana, existe um prazer, é uma comunicação direta; são palavras escritas para criar uma ponte, para dizer coisas um ao outro e esta  é simplesmente uma carta a Tcheckhov”.

O “simplesmente” fica na conta da humildade do diretor suíço. A carta- espetáculo não é linear. Os lugares não existem de verdade. Os recursos cenográficos iludem o público, ora imerso em ação real, ora testemunha de ações suspensas entre a realidade e o mundo dos sonhos, num jogo de sombras chinesas e telas superpostas. O espectador, ao rasgar o envelope da carta, se surpreende com a missiva, do início ao fim.

“Os públicos são diferentes nos teatros do mundo. Há teatros numa mesma cidade que são habitados por espíritos mais intelectuais, querem compreender, esperam e perfeição, a elegância.; em um outro teatro, vizinho, existe um público diferente, que precisa ser surpreendido por golpes de intuição”, afirma o diretor suíço.

O modelo funciona e vem sendo aperfeiçoado ao longo do espetáculo, criado e 2010 e em cartaz desde então. O diretor suíço não se cansa de corrigir movimentos aqui, polir uma passagem, sempre com boas maneiras e um sorriso cativante. “Abra as palmas das mãos, os dedos“, alerta ele para a bailarina que ensaia a perda do equilíbrio.

A leveza de Tcheckhov

A bailarina suíça Moira Albertalli conta que descobriu um lado novo do autor russo através diretor suíço. “Eu não conhecia bem Tchekov. Li os seus livros e aprendi muito com de Daniele; indo à própria Rússia, descobri o seu lado humorístico, porque ele é conhecido por ser pesado, com uma escritura pesada”, diz Moira Albertalli à swissinfo.ch.

A música dá o tom da época e serve de fio condutor para amarrar as ações dos personagens. “Eu parti das músicas que agradavam Tcheckhov, ele ouvia muito o piano forte em casa e admirava Tchaikovisky, o conhecia, entre outros. Eu ouvi muito especialmente as que ele gostava, além das liturgias da igreja ortodoxa, uma vez que o pai de Tchekhov se ocupava de um coro”,  diz à swissinfo.ch a suíça, Maria Bonzanigo, coreógrafa e compositora de Daniele Finzi Pasca.

A palhaçada, o sapateado, a acrobacia e o jogo de trapézio incorporam as ações de cena que ajudam a contar com coreografia lúdica a poesia de Tchekov. Os momentos de leveza e de drama se alternam ao longo do espetáculo, dividido em quadros, dentro dos quais, cada um apresenta matizes com tintas mais carregadas ou não sobre as obras do autor.

E sem saber, o espectador assiste a um espetáculo de grandeza russa, universal, a partir de um quarteirão suíço. O texto de abertura cita o castelo abatido de Lugano, não por acaso, conta Daniele Finzi à swissinfo.ch:” Eu não sei o que é o universo e nem a Suíça. Eu venho de um quarteirão que se chama Molino Nuovo, em Lugano, que conheço bem e conto as estórias a partir dali…o resto….”

Donka fica em cartaz em Milão até o dia 15 de maio, depois segue para França e Brasil.

Daniele Finzi Pasca, tem 47 anos e nasceu em Lugano (sul da Suíça). Ele é diretor, autor, coreógrafo e artista de circo.

 Foi premiado em 2007 com o Swiss Award na categoria espetáculo e, em 2008, com o Prêmio Suíço de Cena.

O diretor suíço fundou o Teatro Sunil, dirigiu a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno de Turim, em 2006 e, antes, criou espetáculos para o Cirque du Soleil e, depois para o Cirque Eloize.

Ele se prepara para dirigir a ópera Aída, no teatro Mariinsky, em São Petersburgo.

Anteon Tcheckhov nasceu em Taganrog em 29 de janeiro de 1860 e morreu de tuberculose em 15 de julho de 1904,em Badenweiler, com apenas 44 anos de idade. Ele é considerado um dos mestres do conto moderno.

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