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Suíça coloca diplomacia a serviço do gás natural

Em matéria de abastecimento de gás, o que é bom para a União Européia é bom para a Suíça. Keystone

A ministra das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, está no Irã para a assinatura de um contrato de fornecimento de gás à empresa suíça Eletricidade de Laufenbourg (EGL).

A Suíça decidiu recentemente que sua diplomacia deve ajudar o setor privado visando o abastecimento energético do país a longo prazo.

Em Teerã, Micheline Calmy-Rey abordou na segunda-feira (17/03) a questão nuclear e os direitos humanos, com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Ela também assistiu à cerimônia de assinatura de um contrato que prevê, a partir de 2011, o fornecimento de 5,5 bilhões de m3 de gás natural através da empresa suíça EGL.

O acordo é compatível com as sanções da ONU contra a república islâmica, garante o Ministério das Relações Exteriores (DFAE). Esse envolvimento da diplomacia na política do gás tem outros precedentes.

No ano passado, a Suíça e o Azebaidjão assinaram um acordo para facilitar a cooperação de investidores e empresas privadas dos dois países no setor do gás e do petróleo.

Em fevereiro, Berna enviou o diretor da Secretaria Federal da Energia (OFEN) à Ancara para um encontro com o ministro turco da Energia. Na agenda estava o projeto do gasoduto transadriático (TAP, Trans Adriatic Pipeline).

Como país de trânsito, a Turquia é essencial para qualquer projeto de transporte de gás do Mar Cáspio e do Oriente Médio.

Como parte da parceria entre o Irã e a Sociedade de Eletricidade de Laufenberg (EGL), o TAP deve começar a ser construído em 2009. O objetivo é transportar gás do Irã e do Azerbaidjão (ambos com grandes reservas) para a Europa.

“O governo foi solicitado pela EGL para dar apoio diplomático nos países atravessados pelo futuro gasoduto – na Itália, onde constrói centrais elétricas a gás, e na Albânia, Grécia, Turquia, Irã e Azerbaidjão”, explica Jean-Christophe Füeg, chefe da seção Negócios Internacionais da Secretaria Federal de Energia.

“É de interesse nacional apoiar uma empresa com um projeto industrial que contribuirá para a diversificação do abastecimento de gás na Europa e, portanto, na Suíça”.

Uma política energética externa

Até aqui, a questão do gás era quase que exclusivamente da esfera privada. Doravante, a Suíça oficil se envolve. O governo passa a ter uma política energética externa – o quarto ramo de sua política energética global.

No gás, esse envolvimento se explica pelo crescimento constante da demanda, o aspecto das limitadas reservas e sobretudo da produção nacionais, além da dependência da Suíça das importações.

Ela ocorre quando o país hesita em construir centrais a gás para produzir eletricidade, a médio prazo. Essa eventualidade leva as grandes empresas de eletricidade a se interessar pelo mercado do gás. Daí a recomposição possível do setor (acirramento da concorrência, fusões, aquisições etc).

“Como qualquer outro país, atualmente a Suíça sabe que a segurança energética (…) é fundamental, explica Jean-Christophe Füeg, sobretudo garantindo investimentos através de acordos bilaterais entre Estados”.

Um anão em escala européia

Nessa grande corrida ao gás, a Suíça é uma anã. Ela pesa menos de 1% na demanda do mercado europeu e trabalha na sombra da União Européia.

Mas Jean-Christophe Füeg detecta “certos pequenos nichos onde o fato de não ser membro da UE pode ser uma vantagem. Frente à Turquia, por exemplo, que joga a carta energética em suas negociações para aderir à UE.”

TAP e gasodutos em projeto através da Turquia e dos Bálcãs para trazer gás do Irã e do Azerbaidjão ou do Iraque: essa idéia paneuropéia é qualificada por especialistas suíços de 4° corredor.

Ele ainda é embrionário e ainda tem incógnitas geoestratégicas e políticas, a começar pelo descontentamento da Rússia (concorrente) e dos EUA (o Irã e seu programa nuclear).

Três canais de abastecimento

“Se um dia esse canal existir, poderá beneficiar a Suíça. Ele tem, portanto, o apoio do país”, afirma Jean-Christophe Füeg, e poderia permitir diversificar e garantir seu abastecimento.

Através de sua indústria setorial tradicional, que recorre a grandes grupos europeus, a Suíça é abastecida atualmente por três canais: Europa do Norte (Noruega, Holanda, Alemanha), Argélia através da França, e Rússia (praticamente marginal).

A vantagem da Suíça em termos de diversificação é se situar entre os três principais mercados europeus de gás. A Itália, por exemplo, aposta em seus terminais enquanto a Alemanha é abasticida através de gasodutos.

Se o governo suíço vê com bons olhos a estratégia a longo prazo de suas companhias, a filial tradicional do gás não tem necessidade de investimentos pesados para o 4° corredor, afirma Eric Défago, presidente da Gaznat, empresa que abastece de gás a parte francesa da Suíça.

O futuro do gás liquefeito

Muito pequenas, as empresas suíças de gás privilegiam a adquisição de participações, na Noruega por exemplo, e investimentos em gás liquefeito. Embora o governo afirme estar “vigilante”, as empresas estão confiantes no futuro do abastecimento.

“Em termos de recursos, não teremos problemas antes de três ou quatro gerações, calcula Eric Défago. Gradualmente, será necessário buscar o gás cada vez mais longe porque as reservas do Norte estão em declínio. Mas não estamos inquietos.”

Mais longe significa cada vez mais gás liquefeito, explica. De 11% na Europa, sua parte deverá passar a 26% em 2010. Muitos já falam em um verdadeiro mercado mundial de gás liquefeito, com uma grande frota de navios especializados.

swissinfo, Pierre-François Besson

A indústria suíça do gás natural (metano) emprega 1.700 pessoas e tem faturamento de 1,7 bilhão de francos suíços. A rede de distribuição tem 16 mil km. Ao contrário do que ocorre na União Européia, o mercado interno suíço não é liberalizado.

Uma centena de empresas, essencialmente públicas, abastecem a população. Elas importam o gás através de uma central de compras (Swissgaz).

A Suíça consome cada vez mais gás natural (o consumo dobrou entre 1980 e 2006, em escala global). O gás representa 12% das necessidades energéticas na Suíça. O consumo doméstico representa 40%, o da indústria 33%, e o dos setores de serviços e transportes 27%.

A Suíça se abastece exclusivamente no estrangeiro. Ela dispõe de doze pontos de entrada nos gasodutos europeus, que se extendem por 190 mil kms, do Báltico ao Mediterrâneo e do Atlântico à Sibéria. Alternativa: o gás é cada vez mais transportado na forma liquefeita por navios especializados.

Contratos de longo prazo (20 a 25 anos) cobrem três quartos da demanda da Suíça. Segundo a Secretaria Federal de Energia, 95% do gás consumido no país provêm da Holanda, Rússia, Noruega, Alemanha e Argélia.

No contexto da visita à Teerã, a chefe da diplomacia suíça também reuniu-se com seu homólogo iraniano Manoucher Mottaki para falar de direitos humanos.

Ambos concordam que o diálogo entre o Irã e a Suíça deve continuar a abordar esse assunto de forma concreta, como nos últimos cinco anos. Uma comissão será encarregada de preparar o próximo encontro.

Com o ministro iraniano, Micheline Clamy-Rey falou de pena de morte, especialmente de menores, e de castigos corporais como lapidações e amputações.

Surgiram divergências sobre a retórica utilizada por Teerã quando se refere a Israel, reconheceu a chefe da diplomacia suíça, em presença de Manoucher Mottaki. Ela destacou que era inaceitável para a Suíça que um membro da ONU negue a existência de um outro Estado.

A ministra reiterou que a Suíça continuará a trabalhar por uma solução diplomática na crise ligada ao programa nuclear iraniano.

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