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Suíça deve ver a Europa “a longo prazo”

Jacques de Watteville está habituado a escaladas difíceis. DR

Questões fiscais, agricultura, eletricidade etc. As questões se acumulam nas negociações da Suíça com a União Europeia.

Como resolvê-las? A entrevista a seguir dá ponto de vista do embaixador da Suíça na UE, Jacques de Watteville.

Ele já tinha escalado quase todos os picos de mais de 4 mil metros na Suíça quando chegou ao topo da diplomacia helvética.


Nascido na velha aristocracia bernesa, Jacques de Watterville, 58 anos, é chefe da Missão (embaixada) da Suíça junto à União Europeia.

swissinfo.ch: Os 27 países da UE tardam a decretar o fim das hostilidades contra a Suíça em materia fiscal. É um sinal de desconfiança de Berna?

Jacques de Watteville: Está ligado a um processo. Alguns Estados estimam que a solução proposta não leva suficientemente em conta suas preocupações, principalmente em matéria fiscal de empresas em certos cantões. Além disso, tem um problema técnico: é provável que se espere a entrada em função da nova Comissão Europeia, no início de 2010, antes de eventualmente concluir esse dossiê.

swissinfo.ch: Será preciso esperar o fim da operação de anistia fiscal lançada pela Itália?

J. de W.: É possível que isso também tenha alguma influência.

swissinfo.ch: O sistema de impostos cantonais, por enquanto, é a parte visível de um iceberg de questões da imposição da poupança e da troca de informações fiscais. Não é muito difícil negociar esses três problemas ao mesmo tempo?

J. de W.: Não é um iceberg, porque os outros dois dossiês não estão escondidos. Mas, por enquanto, ainda não há mandado de negociação da UE acerca de uma revisão do acordo sobre a poupança ou a conclusão de um acordo sobre a troca de informações sob pedido. Devemos nos preparar par essas eventualidades.

swissinfo.ch: O senhor não teme que Luxemburgo e Áustria transfiram para a Suíça a pressão que sofrem atualmente, condicionando a abolição de seus sigilos bancários ao da Suíça?

J. de W.: Não podemos excluir essa hipótese, mas ela tem boas cartas em mão. A própria UE reconhece: nosso acordo fiscal sobre a poupança e sistema de imposto na fonte funciona bem. A Suíça restituiu quase 500 milhões de francos (ndr: 320 milhões de euros) aos Estados membros da UE em 2008.

swissinfo.ch: Mas Luxemburgo e Viena conseguem implicar a Suíça no debate interno da UE?

J. de W.: Não tememos o diálogo que poderia ser muito duro com nossos parceiros. Dito isto, para defender de maneira ideal os interesses suíços, nós devemos ser realistas e antecipar as questões futuras e ter uma visão a longo prazo.

swissinfo.ch: A tendência é um terceiro ciclo de relações bilaterais com a UE, que incluiria outros temas – eletricidade, agricultura, serviços financeiros, etc?

J. de W.: É verdade que temos atualmente muitos assuntos importantes em discussão ou em negociação. Também é fato que a UE fez um paralelo entre esses temas, mas esse paralelismo, do lado suíço, sempre existiu: está excluído, para nós, avançar apenas nas solicitações da UE e não naqueles em que a Suíça está interessada.

Se formos levados a avançar em um dossiê que afetaria nossa praça financeira, seria evidentemente essencial obter contrapartidas que nos beneficiem. No estágio atual, não há intenção de criar laços jurídicos entre todas as questões.

swissinfo.ch: Em todos esses dossiês, a UE requer uma retomada automática pela Suíça do regulamento comunitário. Isso é aceitável para a Suíça?

J. de W.: Para a UE, se a Suíça quiser participar de certos setor do mercado europeu, o pais deve respeitar suas regras. A Suíça também tem interesse na homogeneidade dessas regras. O desafio é encontrar mecanismos que permitam atingir esse objetivo repeitando a soberania e o bom funcionamento das instituições helvéticas.

swissinfo.ch: Quais?

J. de W.: Vários parâmetros sobre a adaptação dos acordos bilaterais ao desenvolvimento do direito europeu foram anunciados pela Suíça: o respeito da soberania suíça e do funcionamento de suas instituições; participação na elaboração de novas regras europeias; em caso de não retomar uma regra, proporcionalidade de eventuais medidas de reequilíbrio, poder ser verificada no procedimento de arbitragem, etc.

swissinfo.ch: Como é o início do processo de negociação de um acordo? Quando há o choque com a regulamentação europeia? No setor da eletricidade, por exemplo, quando empaca?

J. de W.: Em toda negociação, primeiro é preciso determinar a regulamentação pertinente sobre a qual o acordo deve se basear e ver quais são os problemas específicos que necessitam soluções próprias: períodos transitórios ou regimes especiais. As duas partes tendo interesse no acordo, existe margem para chegar a um compromisso.

swissinfo.ch: Seus colegas europeus nunca dizem que a Suíça poderia defender melhor seus interesses se fosse membro da UE?

J. de W.: Si. A negociação e a gestão dos acordos bilaterais são operações longas e complexas que exigem muito tempo e energia. Isso leva a UE a querer simplificar os procedimentos criar automatismos. Mas, para a Suíça, o respeito de sua soberania e de suas instituições é crucial.

swissinfo.ch: Isso pode tornar mais dificil a negociação de acordos futuros?

J. de W.: Sim. Se a União Europeia continuar a exigir a criação de certos mecanismos, é possível que a Suíça decida renunciar a concluir certos acordos, preferindo se privar do acesso ao mercado para preservar sua soberania ou suas especificidades. Isso já ocorreu no passado. Existem realidades políticas que cada um teve levar em conta. A “via bilateral” também tem seus limites.

Tanguy Verhoosel, Bruxelles, swissinfo.ch
adaptação: Claudinê Gonçalves

Direito. Especialista em direito europeu e do setor financeiro. Advogado de formação ele dirigiu, de 1997 a 2003, a Divisão de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores.

Praça financeira. Nesse contexto, tratou de todas as questões internacionais relativas à praça financeira helvética.

Missão. Jacques de Watteville é desde dezembro de 2007 chefe da Missão (embaixada) da Suíça na União Europeia.

Fase difícil. Sua nomeação a esse cargo ocorreu no momento em que as relações entre a Suíça e a UE estão numa fase difícil, em meio à polêmica acerca da política fiscal estadual das empresas e de um endurecimento da UE com a Suíça não foi por acaso. Era preciso nessa função um diplomata especialista de dossiês “quentes”.

Privilégios. O conflito entre Berna e Bruxelas gira em torno do regime fiscal de alguns cantões suíços. A UE denuncia os privilégios cedidos por eles.

Desleal. A UE julga desleal o e contrário ao Acordo de Livre Comércio de 1972 os acordos de fiscalidade para sociedades estrangeiras em Zug, Schwyz e Obwald, entre outros.

Posição suíça. Berna considera que os procedimentos de taxação das empresas de administração, de sociedades mistas e holdings não estão incluídos no Acordo de livre-comércio de 1972. Esse acordo abrange unicamente o comércio de certos bens (produtos agrícolas transformados e industriais).

OCDE. Por sua vez, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), não critica os regimes fiscais dos estados suíços.

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