Perspectivas suíças em 10 idiomas

Suíça participa da Copa Mundial de moradores de rua

A Suíça (de camisas verdes) no jogo contra os representantes da República Tcheca. swissinfo.ch

O Brasil é o país do futebol, mas o povo brasileiro viveu neste mês de setembro uma experiência inédita com seu esporte preferido.

Sua capital turística, Rio de Janeiro, recebeu a 8° Copa mundial de moradores de rua. A Suíça também esteve por lá.

Reunidos em uma quadra montada sobre as areias de Copacabana, homens e mulheres representando 55 países participaram no Rio de Janeiro da oitava edição da “Homeless World Cup”, evento que tem como objetivo, segundo seus organizadores, dar novas oportunidades de inserção social a quem precisa e “mudar para sempre a vida dos excluídos”.

O conceito de exclusão é amplo, e isso se refletiu no perfil das equipes. Nos países mais pobres, por exemplo, a maioria dos jogadores é morador de área de risco ou desempregado. Entre os países mais ricos, por sua vez, muitos jogadores apresentam um histórico de problemas psicológicos ou de dependência química.

A equipe da Suíça reflete bem a realidade do país e é composta por um misto de pessoas sem-abrigo, ex-dependentes químicos e requerentes de asilo: “A equipe nacional tem oito jogadores. Na verdade, trouxemos sete ao Rio, pois um jogador, o Eduardo, encontrou um trabalho, foi chamado para fazer uma aprendizagem. Ele ficou um tanto chateado, pois queria muito vir ao Rio e tinha se preparado para isso. Mas, acabou ficando na Suíça, afinal ter arranjado esse emprego é uma coisa muito boa para ele”, conta o chefe da delegação suíça, Olivier Joliat.

A história de Eduardo (em respeito a uma regra interna, a equipe suíça somente divulga os primeiros nomes de seus jogadores) mostra que participar dessa iniciativa traz vantagens que transcendem as quatro linhas. Outras histórias de vida marcantes compõem o rico cenário humano da equipe helvética: “Temos dois jogadores que são jovens de Zurique que não tem trabalho e quatro jogadores da Basiléia que tiveram problemas com álcool ou drogas. Temos um terceiro jogador de Zurique que é vendedor de jornais e estava sem abrigo. Temos dois jogadores não-suíços. Um veio do Quênia para a Suíça com dez anos e há um outro que veio da Macedônia”, enumera Joliat.

Jogador mais velho (40 anos) e capitão da equipe, Steve lembra dos tempos quando atuava como zagueiro na segunda liga da Suíça, antes de se tornar alcoólatra. Agora, não esconde seu orgulho: “Não é fácil ser capitão, mas eu tento, nas situações difíceis, reunir a equipe e manter todos calmos e unidos. Preciso ser o exemplo para os jovens, pois sou um velho jogador com 40 anos”, diz.

Steve, que nasceu na comuna de Laufen, na Basileia, afirma que voltar a jogar futebol depois de passar por um período sombrio “foi uma grata surpresa” que a vida lhe reservou: “Eu era alcoólatra e conheci uma instituição em Frankendorf onde larguei o álcool. Eles têm também uma equipe de futebol que faz parte da liga suíça. Eu jogo desde 2008 e nunca faltei a nenhum torneio”, conta.

“Vai, Benaglio!”

Outra figura carismática da equipe da Suíça é o goleiro Christian, também filho do cantão da Basiléia: “Para mim, estar na equipe nacional é uma honra e poder representar a Suíça em um lugar maravilhoso como o Rio é motivo de muita alegria”, diz. Em campo, o goleiro não esconde seu prazer e dá um largo sorriso quando um torcedor brasileiro grita após uma boa defesa: “Vai, Benaglio!”, em referência ao goleiro suíço que disputou a Copa do Mundo da África do Sul.

Christian conta que desde criança jogava futebol, mas, com a chegada dos sintomas da depressão, sua vida acabou enveredando por outros caminhos: “Depois que minha mãe morreu, eu passei a morar em habitações sociais porque não conseguia viver só”, conta, olhar perdido, para logo em seguida retomar o sorriso: “Poder jogar futebol e fazer parte da equipe suíça mudou muito minha vida. Eu encontrei um apartamento só pra mim e começo a me abrir um pouco, eu diria muito, ao mundo. O futebol me dá forças e muita vontade de viver”, revela.

Liga suíça

O técnico da seleção suíça, David Möller, convocou para a “Homeless World Cup” realizada no Rio jogadores de quatro equipes. Presente em todas as edições do torneio, a Suíça é um dos poucos países que já tem um campeonato interno de futebol social (nome dado pelo público carioca): “A maioria dos países aqui presentes mantém somente uma equipe nacional, mas na Suíça nós temos uma liga com 18 equipes montadas por diferentes organizações sociais. Nós temos quatro torneios a cada ano e assim podemos observar bastante os jogadores de todas as equipes”, diz Olivier Joliat.

O chefe da delegação suíça explica como se dá a convocação dos jogadores: “De um lado, o critério para a escolha dos jogadores tem a ver evidentemente com a capacidade de jogar futebol. Mas, se tornar um jogador da equipe nacional suíça significa também ganhar responsabilidade em sua vida e ter a oportunidade de mostrar que você quer realmente mudar as coisas”, diz.

Membro da organização Strassenmagazin Surprise, Joliat conta que a dinâmica de disputa na Suíça é fundamental, uma vez que os times levados a “Homeless World Cup” jamais se repetem: “Só se pode ir uma única vez ao campeonato do mundo. Assim sendo, é preciso montar sempre novas equipes. Para nós é muito difícil montar novas equipes porque somente podemos ter dois jogadores sem nacionalidade suíça. Existem muitos jogadores que nasceram na Suíça, mas não tem papel”, diz.

Joliat reconhece que o futebol social está ainda muito restrito à Suíça alemã: “Sabemos que existem dependentes químicos, desempregados e refugiados em todo o país. Tentamos várias vezes encontrar equipes da Suíça romande para integrar nossa liga e diminuir o predomínio da suíça alemã. Fizemos também campos de treino no Tessino, mas não é fácil encontrar equipes”, lamenta.

De acordo com os organizadores da “Homeless World Cup”, os objetivos sociais do evento vêm sendo atingidos desde sua primeira edição, realizada em 2003: “Setenta e sete por cento dos jogadores conseguem ter um teto, abandonam as drogas e o álcool, voltam a estudar, conseguem empregos ou novas qualificações e reconstroem sua relação com a família e os amigos”, diz o documento promocional do evento.

O Brasil foi o grande vencedor da oitava edição da “Homeless World Cup”, tendo conquistado o primeiro lugar nos torneios masculino e feminino. Na final entre os homens, o Brasil venceu o Chile por 6 a 0. Entre as mulheres o jogo final foi mais difícil, mas o Brasil acabou derrotando o México por 7 a 4: “Ter participado da copa e ganhado esse título vai ser muito bom para o futuro delas”, comemorou Alexandre Mathias, que é técnico da equipe brasileira feminina.

A nona edição da “Homeless World Cup” acontecerá entre os dias 19 e 29 de agosto de 2011, na França, provavelmente na cidade de Paris. As edições anteriores aconteceram na Áustria (2003), Suécia (2004), Escócia (2005), África do Sul (2006), Dinamarca (2007), Austrália (2008) e Itália (2009).

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR