The Swiss voice in the world since 1935

É democrático que um sétimo da população decida?

imagem
Há uma lacuna entre o ideal no papel e a realidade na prática: menos da metade das pessoas com direito a voto realmente o fazem. Keystone / Christian Beutler

Em média, apenas cerca de 45% do eleitorado suíço participa das eleições e plebiscitos. Por que a taxa de participação é tão baixa e o que pode ser feito para aumentá-la?

Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.

A democracia está na corda bamba em vários países. Recentemente, na Turquia, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan prendeu sem cerimônias o seu mais ferrenho adversário. Na Sérvia, milhares de pessoas ocupam as ruas em protestos contra a corrupção, por eleições livres e participação política efetiva. Em outros países, como Hungria e Rússia, a democracia não é uma realidade garantida. Mas e na Suíça?

imagem
En théorie, voter passe comme une lettre à la poste. Mais en pratique, c’est souvent plus ardu. Keystone / Michael

A Suíça é vista internacionalmente como um modelo de democracia: direta, estável e próxima de seus cidadãos. Mas as aparências enganam. De fato, há uma distância entre o ideal no papel e a realidade na prática: menos da metade das pessoas que têm o direito de votar realmente participam das votações no país.

“Vivemos em um sistema em que um sétimo da população pode decidir por todos”

Michael Elsener, humorista

O humorista Michael Elsener resume o dilema com um jogo de números. Cerca de nove milhões de pessoas vivem na Suíça. Destas, 5,6 milhões têm direito ao voto. Se 45% delas forem às urnas (taxa média de participação), significa que apenas 2,6 milhões de eleitores decidirão sobre uma proposta.

“Basta que metade, ou seja, 1,3 milhão de eleitores, aceite ou rejeite um projeto. Eles constituem o que chamamos de maioria. Vivemos em um sistema em que 14% podem decidir por todos nós. Isso representa um sétimo da população”, explica Elsener.

Michael Elsener estudou ciência política nas universidades de Zurique e Florença. Desde 2008, ele trabalha como comediante na Suíça, Alemanha e Nova York. Em seu último projeto, Alles wird gut (Tudo vai ficar bem, em português), ele aborda diretamente a democracia suíça. Antes da última votação, inclusive, o artista postou um vídeo resumindo vários argumentos encontrados nas redes sociais sobre o pleito.

Em seu último programa, Michael Elsener se pergunta por que a taxa de participação é tão baixa. Sua resposta vem em uma sátira: abrir o envelope de votação já é complicado demais. E uma vez superado esse obstáculo, as coisas não ficam mais simples, muito pelo contrário.

Mas a Suíça se orgulha de sua democracia direta, mesmo que ela seja complicada para muitas pessoas. De fato, nenhuma outra nação dá aos seus cidadãos tantas oportunidades de se expressarem. A iniciativa popular, por exemplo, permite que qualquer pessoa com direito a voto proponha uma mudança na Constituição com 100.000 assinaturas.

imagem
Coleta de assinaturas para uma iniciativa popular durante uma greve climática global na cidade de Lucerna, em setembro de 2024. Keystone / Urs Flüeler

E os referendos populares permitem o bloqueio de leis já aprovadas pelo Parlamento —  50.000 assinaturas são suficientes para que o povo barre uma lei. Mas qual o sentido de todas essas ferramentas se, em última análise, elas são usadas apenas por uma minoria?

Aprendendo a debater em sala de aula

Segundo Michael Elsener, uma das razões para a baixa participação nas eleições e na votação é a falta de educação política. A maioria dos jovens aprende na escola como o Conselho Federal funciona ou o que significa a palavra ‘referendo’. Mas eles não vivenciam isso. Falta conexão prática.

Mostrar mais
Pessoa recolhendo assinaturas de outras com fantasia

Mostrar mais

Escândalo das assinaturas na Suíça expõe falhas na democracia direta

Este conteúdo foi publicado em O “golpe das assinaturas” na Suíça revelou fraudes na coleta de assinaturas para referendos. Agora, cresce o debate sobre assinaturas digitais. Seria o futuro da democracia direta ou um risco à confiança pública?

ler mais Escândalo das assinaturas na Suíça expõe falhas na democracia direta

Sua proposta: ensinar debate como disciplina escolar. De fato, formar uma opinião política requer prática, trocas, atritos. Um parlamento escolar seria um bom começo. Os jovens precisam aprender que sua voz importa — e como as decisões são tomadas.

A segunda razão para a baixa participação: perda de confiança. Muitos políticos não falam mais a língua do povo. Parecem distantes, usam fórmulas prontas, evitam posições claras. As pessoas percebem isso e não se sentem levadas a sério. Os políticos deveriam estar mais próximos da população – de forma honesta, clara e compreensível.

Qual o interesse dos jovens pela política?

Michael Elsener não é o único que acredita que a política suíça deve mudar para atingir mais pessoas. Muitos jovens na Suíça não se sentem preocupados com a política atual. De acordo com o Link externoMonitoramento de Juventude e Política de 2023Link externo , o interesse político entre os jovens é geralmente alto.

Mas, embora os jovens geralmente se interessem por política, cerca de 40% dos entrevistados concordam totalmente ou parcialmente que a linguagem complicada usada pelos políticos é um motivo para não votar. O mesmo vale para a sensação de que as medidas votadas não resolvem os problemas. Os jovens também estão menos interessados nos assuntos que muitas vezes ocupam o centro do discurso político.

Mostrar mais

Os jovens estão mais preocupados com questões específicas, como racismo, discriminação e mudanças climáticas. As gerações mais jovens também dão importância a questões que receberam pouca atenção política até agora, como a saúde mental.

Uma visita ao centro de formação profissional em Pfäffikon, no cantão de Schwyz, confirma: há interesse em política, mas também há muitas questões em aberto. Alunos de escolas profissionalizantes elogiam muito as aulas de conhecimentos gerais, nas quais discutem eventos políticos atuais. Eles entendem os conceitos da democracia direta, sabem o que está acontecendo na Suíça e no mundo e que nosso sistema político não exclui a necessidade de discussão.

“Quando os jovens se candidatam a uma eleição, eles recebem meu voto”

Tobias Dillier, aprendiz

Luka Milosavljevic, que está se formando como oficial de logística para os Correios, diz, pensativo: “devemos cuidar da democracia, caso contrário, perdemos o diálogo”. Ele gosta de discutir questões políticas com sua irmã e colegas e participa ativamente de votações e eleições.

O futuro fazendeiro Tobias Dillier também vota regularmente. Para ele, a política se faz na prática, de forma concreta, tangível, cotidiana. “Quando os jovens se candidatam a cargos públicos, eles têm o meu voto”, diz ele.

imagem
Sarina Abegg, aprendiz de funileira, observa uma certa indiferença entre muitos jovens de sua idade. SRF

Sarina Abegg, uma futura funileira, observa uma certa indiferença entre muitos jovens de sua idade, que muitas vezes se manifesta na vida cotidiana. “Antigamente, costumávamos conversar na mesa da cozinha. Nós, jovens, quase não fazemos mais isso. Preferimos olhar para o smartphone”. Ela própria se interessa por política, mas ainda não pode votar porque é muito jovem.

Essas vozes mostram que não é desinteresse, mas muitas vezes distanciamento. A política é percebida como algo que acontece longe, em algum lugar abstrato e de difícil acesso. Os vínculos entre os jovens e as instituições políticas muitas vezes parecem frágeis.

A Suíça enfrenta o desafio de projetar seus processos democráticos de forma que eles também alcancem as gerações mais jovens.

Adaptação: Clarissa Levy

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR