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Túnel: recorde mundial é finalmente batido

Momento de comemoração: operários segurando bandeiras frente à máquina perfuradora "Sissi". Keystone

Momentos de emoção na quebra da última barreira de rocha no túnel básico do Gottardo.

Uma máquina perfuradora chamada “Sissi” e personalidades suíças e interncionais: swissinfo.ch conta como foi a festa.

Os cinquenta e oito dentes da perfuradora gigantesca engoliram os últimos 180 centímetros de rocha entre Faido e Sedrum, em menos de vinte minutos.

Lentamente, a uma velocidade inferior àquela normal, a escavadeira “Sissi” – como è conhecida pelos mineradores – avançou como previsto, na direção sul-norte. O som abafado percorria o muro de rocha. Aos poucos, pedaços de reboco da parede de concreto que cobria a parede da montanha na parte de Sedrum começaram a cair, um a um e, de repente, de uma vez, todo o bloco gigantesco.

Pouco antes, o aumento da vibração criava um clima cada vez maior de expectativa entre os mineradores de ambos os lados. Como num terremoto calculado nos mínimos detalhes, as rachaduras foram crescendo de forma irregular. Finalmente, às 14 horas e 17 minutos, e 49 segundos, para a precisão suíça. Sissy apareceu destruindo a barreira de rocha, causando um enorme barulho quebrando um silêncio que indicava apreensão, incredulidade, satisfação pela abertura dos 57 quilômetros dentro da montanha.

A aparição da enorme plataforma giratória foi recebida com aplausos por quem estava do lado de Sedrum, porém abafados pelo rumor de Sissy, e pelo som da abertura das garrafas de champanhe por quem estava no território de Faido. Dois jatos de água abaixaram a nuvem de poeira que se alçava do chão enquanto a máquina ia parando de rodar, bem devagar, depois e avançar um total de 220 cm. Por quase dez minutos ela ainda girou – como se quisesse continuar a seguir em frente- até não se mover mais. Uma equipe de mineradores tratou de limpar o terreno para a passagem do primeiro homem, em completa segurança em meio a um ambiente carregado de umidade, de calor, de suor e lágrimas.

O minerador austríaco Hubert Bär, eleito pelos companheiros de trabalho por se um dos mais antigos, teve a honra de, à pé, atravessar o espaço vazio pelo qual os trens irão circular em alta velocidade, a 250 km/h, em 2017. Ao som de um trompetista entoando a marcha triunfal de Aída, o minerador caminhou com atenção e emoção, entre as engrenagens da escavadeira, para chegar do outro lado, passando por um dos dentes de Sissy. Ele trazia nas mãos a estátua de Santa Bárbara, a padroeira dos mineradores. “Esta é uma belíssima sensação, participar da construção do túnel mais longo do mundo, este é o melhor momento da minha carreira, transcorri anos belíssimos aqui graças a esta máquina”, comentou ele ao pisar em Sedrum.

A luz do fim do túnel não era somente do holofote que iluminava os trabalhos de rotina, mas, luzes coloridas para dar maior brilho à festa, além daquelas das câmeras. 300 jornalistas, metade da imprensa estrangeira, acompanharam a quebra do recorde mundial. Uma chuva de fogos de artifício emoldurou o momento histórico.

Depois de tanto controle e profissionalismo, os mineradores puderam relaxar e aproveitar cada minuto desta grande obra de engenharia. Aos poucos, em fila indiana, eles foram atravessando a “mandíbula” de Sissy, pelos buracos nos quais giram os dentes da plataforma. Vistos de longe, pareciam formigas saindo de um formigueiro.

Um desfile de bandeiras tomou conta da parte baixa da máquina. O abre-alas foi a da Suíça, seguida dos cantões e dos países dos mineradores como da Alemanha, da França, de Portugal. Eles fincavam as bandeiras nas engrenagens de Sissy, como se comemorassem a escalada e a conquista do topo da montanha. De certa forma, não estavam enganados. Ao final, 800 metros abaixo da terra, com 2.300 metros de montanha sobre as cabeças, os mineradores se equiparavam aos alpinistas de alto nível.

Homenagens

A queda do último fragmento de rocha foi antecipada por muita festa, nas entranhas dos Alpes e nos canteiros de obras na superfície, além das praças de algumas cidades importantes para a construção do túnel de onde os presentes puderam acompanhar tudo através de telões. A poucos metros da parede rochosa e a poucos instantes da máquina começar a funcionar uma série de celebrações ocuparam o espaço no túnel em Sedrum.

Um religioso protestante e um padre católico rezaram uma missa em comum, alternando os sermões em língua alemã, o primeiro, e em idioma italiano, o segundo. Eles também abençoaram a parede ainda virgem da montanha e depois os mineradores presentes, junto com os quase 200 convidados especiais. As preces foram dedicadas aos oito trabalhadores que perderam a vida durante a construção do túnel. Mais tarde, o minerador Hubert Bär apoiaria a imagem de Santa Bárbara numa capela pendurada na parede e adornada pelas fotografias das vitimas fatais no acidente de trabalho em 21 de janeiro de 2005.

Antes ainda o presidente Renzo Simoni, presidente da Direção de AlpTransit San Gottardo S/A, num rápido discurso, agradeceu aos mineradores chamando-os de “heróis”. Já o ministro dos Transportes Moritz Leuenberger, aproveitou a solenidade para elogiar todos os trabalhadores da obra e, principalmente, para lembrar a todas as autoridades, as italianas, acima de tudo, sobre a importância do túnel de base de San Gottardo como infraestrutura capaz de ligar o mar Mediterrâneo ao mar do Norte, caminho entre os portos de Gênova e de Roterdão. “Espero que outros túneis irmãos se integrem à obra”, comentou o ministro Moritz Leuenberger.

E ao final, ele lembrou a força da montanha. “A montanha é grande e os homens são pequenos”, disse ele, em claro sinal de respeito à natureza. As palavras ecoaram em todo o mundo, não apenas entre os convidados presentes, como tantas autoridades italianas e de outros países europeus, mas, também, em Luxemburgo, durante a reunião dos ministros dos Transportes dos membros da União Europeia que a tudo viram através da transmissão ao vivo da televisão.

Futuro

Mas se o túnel maior do mundo foi “pequeno” para receber tantos convidados – muitos ficaram de fora – o jeito foi celebrar o fim dos trabalhos de escavações em superfície. Nas cidades vizinhas, onde estão localizados os canteiros de obras, como Bodio, Pollegio, Faido e Sedrum, foram armados telões em galpões cobertos. Em Sedrum, mil pessoas acompanharam a abertura do túnel. Cantos alpinos e uma peça teatral encenando a obra completa em três atos, realizada por crianças, deram um toque cultural e musical ao evento. Em Faido, cerca de outras mil pessoas assistiram a tudo, sem perder um detalhe.

O fim dos trabalhos de escavação marca o início de uma preocupação latente das comunidades que hospedaram os canteiros de obras. Depois de um difícil começo de convívio entre os novos vizinhos – barulhentos e empoeirados – e os antigos moradores, muitas realidades locais conheceram um impulso econômico graças à presença de tantos operários. Um grupo interdisciplinar de Alptransit, desde o começo do projeto da obra, está se ocupando das modificações territoriais, paisagísticas, sociais e econômicas das cidadezinhas ao redor.

E existem diferentes projetos para compensar ou adaptar, da melhor maneira possível os municípios envolvidos com a construção do túnel. E eles vão desde a ligação das pistas de esqui de Andermatt a Sedrum ao uso da água quente que “transpira” dentro da montanha para aquecer as casas dos moradores vizinhos. Hoje, estas legítimas preocupações ganham força junto com a grande festa realizada em quase toda a extensão do túnel, dentro e fora da montanha.

Mineradores bailam ao som de música como todos aqueles à luz do sol. Amanhã os trabalhos continuam pelos próximos sete anos, para a finalização do túnel. Espera-se que o fim dele, tenha menos luzes de caminhões rodando pelas estradas e mais mercadorias a bordo dos trens, aumentando a qualidade de vida das populações e diminuindo o impacto ambiental do desenvolvimento.

O túnel do São Gottardo é também um exemplo para todo o mundo do trabalho de continuidade de duas gerações de políticos que se ocuparam da realização desta obra de reconhecimento universal, dentro do orçamento e do tempo previstos.

Os trens de passageiros vão circular a uma velocidade de 250 km/h e as composições de carga atingirão 160 km/h, o dobro da velocidade atual.

O túnel de Gottardo, cujo custo já ultrapassou os 7,5 bilhões de euros, desbancará o túnel de Seikan (53,8 km), que une as ilhas japonesas de Honshu e Hokkaido, como o mais longo do mundo.

Situada no coração do continente europeu, mas sem integrar a União Europeia, a Suíça adotou em 1994, por referendo, a chamada “iniciativa dos Alpes”, que prioriza o transporte ferroviário de mercadorias sobre o transporte por rodovias.

Desde então, França, Áustria e Itália realizaram avanços para fomentar o transporte ferroviário com a modernização do túnel de Fréjus (entre França e Itália) e a construção do túnel de Brenner (entre Itália e Áustria).

A partir de 2017, mais de 300 trens poderão circular pelo túnel de Gottardo, um volume muito superior ao registrado pelo atual túnel, construído há 128 anos e com apenas 15 km.

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