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Tostão está preocupado com a seleção

Tostão asssiste treino da seleção na arquibancada do estádio, em Weggis. swissinfo.ch

O ex-craque do tricampeonato no México, atualmente cronista esportivo, observou os treinos da seleção em Weggis e os amistosos.

Ele não cessa de elogiar o técnico Carlos Alberto Parreira mas diz que a seleção está certa e previsível demais e que o futebol sempre tem surpresas.

Quando deixou o futebol, Tostão exerceu a medicina durante 18 anos. Trabalhava em hospital e dava aulas das 7 da manhã às 9 da noite. As condições de trabalho foram piorando e ele decidiu parar. Voltou então para o futebol e suas crônicas são publicadas em 23 jornais.

Em entrevista a swissinfo, Tostão fala também da evolução do futebol desde a legendária seleção de 1970 até o futebol atual.

swissinfo: O que você acha da preparação da seleção na Suíça?

Tostão: Tá tudo certinho, tudo muito bem preparado e ocorre como previsto. Isso não deixa de ser bom mas me preocupa um pouco porque parece que seleção não tem problema nenhum. O time já está escalado, não há questionamento, a imprensa aplaude tudo o que seleção faz e o público só vem ao campo para aplaudir. Isso me incomoda porque eu acho que os grandes times crescem na adversidade, na solução de problemas. E essa seleção não tem problemas, como se estivesse pronta antes da hora e isso me incomoda.

swissinfo: Inclusive o lugar lhe parece ideal?

Tostão: Aqui tá um lugar perfeito para a seleção, sem problemas, e espero que isso seje bom. Planejar as coisas com antecedência, com organização etc. tudo isso é muito bom em qualquer atividade mas no esporte e no futebol a gente sabe que acontecem muitos imprevistos e estou com medo isso nessa seleção. O próprio Parreira, que é um excelente técnico, muito organizador, com conhecimentos teóricos reconhecidos, mas não é um técnico intuitivo. Ele não é de resolver as coisas em cima da hora. Se precisar de uma mudança diferente durante um jogo, ele nunca faz. Isso também pode ser um lado negativo na Copa do Mundo.

swissinfo:Nunca teve tanta previsão e organização?

Tostão: Nunca houve na história um time escalado com tanta antecedência. Como tem muitos jogadores bons, no Brasil sempre teve muito questionamento, muita discussão, porque é difícil mesmo. Agora não. Não adianta os reservas fazerem maravilhas que não vão jogar. O time está escalado, pelo menos para o primeiro jogo. Isso aparentemente é bom mas eu não acho isso muito normal não.

swissinfo: Não falta nessa seleção não tem grande armador como o Gerson na sua época?

Tostão: Esse típico armador está caindo um pouco em desuso, com o tempo. Não digo que seja uma evolução positiva mas é assim. Esse jogador também falta a outras seleções, não só ao Brasil. O que houve é uma divisão no meio campo, entre os meias que marcam e os meias que atacam. Na minha opinião, esqueceram do principal que é o jogador pensador no meio-campo. Agora está difícil encontrá-lo. Nessa seleção tem dois meias defensivos (Emerson e Zé Roberto) que são eficientes mas nada fora de série! E tem dois meias que são excepcionais (Kaká e Ronaldinho) que que jogam atacando, criando jogadas na intermediária do adversário, dando passe e marcando gols. Mas eles não são meias-armadores, são meias-ofensivos. Eles não >piores do que Gerson ou Rivelino mas têm outra característica.

swissinfo: Mas a França ainda tem Zidane, a Alemanha tem Ballack e o Brasil tem Juninho?

Tostão: Se eu fosse técnico, o Juninho seria titular. Eu já disse isso várias vezes porque ele é esse jogador de meio-campo que marca, organiza e ataca. Ele é típico jogador de meio-campo. O Ballack também mas acho que ele é melhor mais perto da área do adversário e eu acho inclusive que ele está mal escalado na seleção alemã, muito recuado. Ainda tem o Zidane e o Deco, em Portugal, que também são típicos jogadores de meio-campo.

swissinfo: Parece que tem cada vez menos espaço em campo para jogar. Como você vê essa evolução?

Tostão: Realmente houve uma mudança. Hoje a preocupação é recuperar a bola rapidamente, marcando mais forte no meio-campo. Daí vermos treinos só na metade do campo. Mas eu acho que essa é até uma deficiência nessa seleção. O Parreira é um técnico que não gosta de pressionar na marcação. Ele prefere recuar e fechar os espaços. Eu prefiro o time que marca em cima e não deixa o adversário jogar. A seleção brasileira atual não tem essa característica. Mesmo se eles estão treinando marcar no campo do adversário, não dá para jogar assim um jogo todo, mas pode ser muito importante em certos momentos do jogo. Mas a Parreira treina mas não vai fazer isso no jogo. Vai recuar e marcar por zona, como sempre jogou.

swissinfo: Com essa evolução, o futebol hoje é menos espetacular. Quem viu antes e vê agora, pensa que ou tem mais jogadores ou campo agora é menor!

Tostão: É isso mesmo. Antes o jogador tinha mais tempo, principalmente o jogador de meio-campo, porque o atacante sempre foi muito marcado. Como já disse, não havia essa marcação forte no meio-campo, tentando tomar a bola para jogar. Mas também não pode ter pressa para chegar ao gol, tem de tocar a bola. O exemplo mais perfeito disso atualmente é o Barcelona, que toca a bola até chegar uma oportunidade. Entre outras qualidades, é por isso que ele é o melhor. Agora tem outra coisa: quando o jogador tinha mais liberdade, na minha época, ele também errava mais. Ele mostra mais rápido a sua deficiência. Hoje não, com o jogo muito apertado, vale muito a força física e o jogador mediano às vezes se destaca.

swissinfo: Você quer dizer que tem jogadores de seleção hoje que não jogariam naquela época?

Tostão: Justamente, mudou muito a característica. Um dos jogadores que não foi chamado agora para a seleção é o Alex, que jogou no Cruzeiro e no Palmeiras e agora está na Turquia. A crítica que o Parreira faz a ele tem um estilo do passado, lento, de toque de bola. Tem uma certa razão, mas o Alex tem uma inteligência de jogo fenomenal. Esse tipo de jogador ainda tem seu lugar. Claro que se tiver maior movimentação, for mais forte etc. terá mais chance. O exemplo interessante é o do Kaká. Não parecia que ele se tornaria um grande jogador porque ele não tem aquela habilidade do grande jogador. No entanto, hoje ele é um dos maiores do mundo porque é forte, tem muito preparo físico, corre o campo todo, marca o adversário, tem velocidade, é muito dinâmico e ainda marca gol. Tudo isso hoje é muito importante. O Kaká é o protótipo do jogador moderno.

O Ronaldinho não é como o Kaká mas tem muito mais talento e inteligência, mas também é um jogador forte, né? Então ainda tem lugar para o talento. Os jogadores que encantam hoje ainda são os que conservam o futebol-arte, que jogam com beleza.

swissinfo: Como é que você a evasão de talentos do futebol brasileiro que partem cada vez mais jovens?

Tostão: O que ocorre é que o Brasil é um país pobre e não consegue competir com a Europa. Então não há como tolher a liberdade de uma pessoa jogar onde quiser. A curto e médio prazos não há solução e isso vai continuar. A única maneira de atenuar isso são os clubes brasileiros ficarem mais fortes. Dentro da realidade brasileira, eles se organizarem melhor, ficarem mais fortes para poder reter mais jagadores. Há muita desorganização no futebol brasileiro. Isso prejudica a qualidade do futebol que se joga no Brasil. Hoje o campeonato brasileiro é uma espécie de segunda divisão e a primeira divisão está aqui na Europa. Na convocação, ente os 23 tem dois que jogam no Brasil (três com o corte de Edmilson: Ricadinho, Rogério Ceni e Mineiro) e que quase não foram convocados.

Agora, para a seleção, essa exportação tem sido bom. Os jogadores que estão na seleção crescem ainda mais na Europa. Ficam mais fortes fisicamente, assimilam as coisas boas que tem a Europa: disciplina, marcação, futebol coletivo etc. Eles são muito mais concentrados no jogo e têm mais profissionalismo quando entram em campo, sem perder a habilidade que é característica do futebol brasileiro. Ele continuam inventando jogada na hora, com mais condição física e mais equilíbrio emocional em grandes jogos. Então a seleção brasileira leva uma grande vantagem nisso: bota o time que joga na Europa e eles sabem decidir jogos, mais ainda do que se estivessem jogando só no Brasil.

Ou seja, os clubes brasileiros ficam reduzidos à formação de jogadores para exportação e o torcedor só vai torcer para a seleção?

Tostão: De certa maneira isso já está acontecendo. Quem vai ao estádio hoje são as torcidas organizadas, fanáticos etc. Aquele torcedor que gosta do espetáculo não vai mais ao estádio. Não tem segurança, não tem conforto, os times não são lá essas coisas. Então isso infelizmente está empobrecendo o futebol brasileiro e com isso fica dependente da televisão. A renda está muito fraca, não pode aumentar o ingresso porque o povo é pobre. O problema principal é econômico mas ele poderia ser atenuado se houvesse uma organização melhor. Quem forma o plantel dos clubes são os empresários, então está tudo muito comercial. Hoje, quem joga dos campeonatos brasileiros ou é muito jovem, de talento, e daqui um ano um dois não estará mais no Brasil, veteranos que já ganharam dinheiro aqui na Europa e querem encerrar a carreira no Brasil ou então jogadores medíocres que não interessam a ninguém no exterior.

Entrevista swissinfo: Claudinê Gonçalves, Weggis

Nome completo: Eduardo Gonçalves de Andrade(Tostão)
Nascido a 25.01.1947, em Belo Horizonte
Clubes: América (MG), Cruzeiro (MG) e Vasco da Gama (Rio)
Título mais importante: campeão do mundo em 1970, no México.

– Tostão foi um dos grandes ídolos do futebol brasileiro. Ele e Sócrates são chamados os “doutores do futebol”, por serem médicos.

– Depois de deixar o futebol, em 1974, Tostão exerceu a medicina durante 18 anos, quando trabalhava em hospital e dava aulas.

– Depois disso voltou a futebol, como cronista. Sua coluna é publicada por 23 jornais brasileiros.

– Ele acompanhou as duas semanas de treinamento da seleção em Weggis, Suíça Central, e vai acompanhar a Copa do Mundo, na Alemanha.

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