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Três mundos brasileiros de um fotógrafo suíço

João do Gilo (Kauar), Maranhão 2005 Barnabás Bosshart

Barnabás Bosshart vive há vinte e sete anos no Brasil desde que se apaixonou pelos habitantes e vida na ilha de Alcântara do Maranhão. Seu trabalho não é apenas arte, mas sim a visão da sua própria vida brasileira.

O artista lança agora, através da Fundação da Fotografia Suíça, em Winterthur, um livro intitulado “Três Mundos”, com imagens realizadas entre 1980 e 2005.

O Brasil não deixa ninguém indiferente, sobretudo para o turista suíço que chegou no porto de Recife depois de passar dez dias em alto-mar.

Barnabás Bosshart era o turista, mas que acabou se transformando em nativo: há vinte e sete anos ele vive em Alcântara, vilarejo no estado do Maranhão, nordeste do Brasil. Agora ele volta à Suíça para passar um curto período. O boné na cabeça, camisa verde no estilo “caçador” e os tênis nos pés lhe dão uma aparência tropical. Ela é reforçada pelo forte sotaque nordestino no seu português impecável.

O motivo da sua visita à pátria distante é uma homenagem muito especial. A prestigiosa Fundação da Fotografia Suíça, em Winterthur, inaugurou em dois de junho uma exposição intitulada “Três Mundos” com fotos tiradas por Bosshart entre 1980 e 2005. Paralelamente os organizadores lançaram um livro de 224 páginas.

O título “Três Mundos” se refere aos três capítulos dados à exibição, que ao mesmo tempo são três diferentes fases da vida do fotógrafo suíço no Brasil: cenas do cotidiano de interior de Alcântara, do caos diário no Rio de Janeiro e o retorno às raízes brasileiras no dia-a-dia de tribos indígenas. Ao abrir a exposição em Winterthur, Bosshart precisa de poucas palavras para explicar aos presentes como vê seu próprio trabalho: – “Essas fotos são a minha reflexão pessoal do Brasil”.

Imigrante

Depois da apresentação, alguns presentes tomam coragem e perguntam ao fotógrafo como ele foi parar num lugar tão distante como Alcântara. Sua história soa um pouco como aventura.

“Eu havia comprado um mapa da América do Sul em Londres e pensado como seria atravessar o Atlântico de navio. Fiz a viagem e depois terminei desembarcando em Recife. Ainda no mesmo mês eu descobri Alcântara. Foi a primeira vez que me apaixonei por um vilarejo inteiro e seus habitantes, sem ter uma razão especial para”, conta Barnabás Bosshart.

Era o ano de 1973. Nessa época, o suíço ainda era um jovem fotógrafo que começava a ser firmar profissionalmente no mundo da moda em Londres. Há cinco anos ele já vivia na capital inglesa, depois de ter concluído o curso de fotografia na Escola de Ofícios de Arte de Zurique (Kunstgewerbeschule Zürich). A vontade de ser artista vinha de casa. “Meu pai era gráfico de profissão e eu cresci cercado de pincéis”, explica.

Até 1980, Bosshart circulou o mundo tirando fotos para revistas como Vogue, Harper’s Bazaar, Vanity Fair, Cosmopolitan ou o The Times. Ele também foi repórter fotográfico de jornais e revistas – Merian, Du, NZZ-Folio ou Zeit Magazin – para as quais percorreu o mundo. Entre os estúdios e a câmara, ele ainda freqüentou por dois anos a escola de filme experimental da St. Martin’s School of Art, em Londres e foi professor de fotografia na Universidade de Alberta, no Canadá.

Reviravolta profissional

Apesar do sucesso na carreira, as impressões tidas no Brasil durante a primeira viagem em 1973 não saiam da memória. Em 1980 o suíço decidiu retornar à Alcântara, onde terminou se estabelecendo. “Eu estava tomado pela magia daquele lugar, pelas pessoas e coisas que eu podia ver e sentir”, conta Bosshart ao se lembrar do momento.

Há vinte e sete anos ele vive nesse município brasileiro do estado do Maranhão, com uma população estimada em pouco mais de 23 mil habitantes. Alcântara também é uma atração turística, conhecida pela sua arquitetura colonial que lembra seu apogeu como importante centro agrícola e comercial no século XVIII.

Próximo de Alcântara fica o Centro de lançamento de Alcântara, local onde são lançados os veículos lançadores de satélites no âmbito da Missão espacial completa brasileira. Esse centro espacial é o único de toda a América Latina.

Fotos chocantes

Se o primeiro capítulo da exposição – Alcântara do Maranhão – mostra como o suíço foi conquistando o vilarejo, através de retratos tirados de alguns dos seus singelos habitantes – crianças, idosos, agricultores e outras pessoas das camadas mais simples da população – no segundo, intitulado “Rio Exposto”, estão as imagens mais chocantes.

Em 1991, Barnabás Bosshart decidir viver no Rio de Janeiro. Em contraste com a vida tranqüila de Alcântara, ele escolheu residir numa das regiões mais pobres e perigosas da segunda maior cidade brasileira: a Zona Norte e a Baixada Fluminense.

Durante três anos ele tirou 20 mil fotos. Algumas delas retratam cenas alegres como o carnaval, a alegria das populações nas favelas ou mesmo a melancolia de um dos mais antigos bairros de prostituição do Rio de Janeiro, já destruído, a Vila Mimosa. Outras, chocantes, mostram o lado mais triste da capital: os esquadrões da morte, cadáveres das execuções diárias de homens, crianças e mulheres, a violência e a pobreza incomensurável dessas populações.

Depois de ser assaltado três vezes, da qual na última, na favela da Manguinhos, os bandidos lhe apontaram metralhadoras e pistolas, o suíço decidiu voltar às raízes. “Eu fiz nas calças, confesso. Então passei a refletir muito sobre a vida. Eu não sou correspondente de guerra”, conta.

Com os índios

Bosshart retornou ao Maranhão. Depois de tantos anos vivendo no Brasil, ele resolveu explorar mais esse estado desconhecido até mesmo por muitos brasileiros.

“No início eu queria fazer um trabalho fotográfico completo sobre o estado do Maranhão, sua cultura, tradições e cotidiano. Porém vi que isso seria impossível. Então decidi me concentrar em um só tema, um tema que tem grande importância no estado: os descendentes dos primeiros habitantes”, explica o fotógrafo.

Ele escolheu os Canela-Apanyekra, uma tribo que vive seis horas distantes de São Luis, a capital do estado. O que mais o atraiu nesse grupo de 800 pessoas foram as tradições ainda mantidas por eles e mesmo formas sociais completamente distintas das encontradas nas cidades.

As fotos mostram cenas cotidianas dos índios e festas como a corrida dos troncos de babaçu, iniciações dos jovens guerreiros e até a troca de mulheres entre diferentes tribos.

Planos futuros

A curiosidade dos presentes na abertura da exposição em Winterthur era grande. Como todo bom suíço, quais seriam os projetos futuros de Bosshart? O fotógrafo riu frente à pergunta e espontaneamente respondeu: – “Quando retornar ao Brasil vou ver o que fazer. Sou como as pessoas de lá, que vivem o dia e não o futuro. Acho que vou fotografar mais uma vez os índios”.

Sua ligação sentimental com a tribo é grande. Para ser aceito, o índios debateram entre si e decidiram em plebiscito oral que o suíço poderia fotografá-los. Nesse momento seu corpo foi pintado com extratos vegetais à base de urucum e genipapo e ele foi “adotado”. “Agora eu tenho mãe e pai na tribo e até poderia morar lá”, conta orgulhoso.

Muitos presentes, incrédulos do otimismo apresentado pelo fotógrafo, tentam entender como alguém volta para um país com tanta violência. Sua resposta é simples: – “O Brasil tem outras facetas: ou você ama ou detesta. Não tem nada no meio”.

swissinfo, Alexander Thoele

Fundação da Fotografia Suíça

Grüzenstrasse 45
CH-8400 Winterthur
Tel +41 (0)52 234 10 30
Fax +41(0)52 234 10 40

Exposição “Três Mundos”

Barnabás Bosshart
Fotos do Brasil: 1980-2005
Aberta de 2 de junho a 14 de outubro.

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