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O tabu dos salários na Suíça

Keystone

O equilíbrio das remunerações continua no centro dos debates na Suíça. A exigência de transparência salarial, para identificar as disparidades, é cada vez maior e chega de todos os lados, mas os patrões resistem.

As retribuições excessivas dos altos executivos, os salários de fome para a mão de obra não qualificada, o uso de “dumping”, as disparidades salarias entre mulheres e homens, s salário mínimo. Não tem um dia em que esses temas passem em branco. Mas a discussão é sempre em função dos salários dos outros. Na Suíça é um tabu falar da própria renda e não se pergunta, diretamente, quanto alguém ganha.

“Existe uma cultura do segredo salarial que leva a considerá-lo parte da esfera íntima de uma pessoa e não apenas da vida privada”, afirma Roman Graf, colaborador científico do Observatório Universitário do Emprego de Genebra. Ruth Derrer Balladore, integrante da direção da União suíça de Empresários (USI, em italiano), concorda plenamente: “ Não é que seja proibido falar do assunto numa empresa, mas, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, aqui não existe esse costume.”

“Todavia, mesmo que não seja suficiente por si só, a transparência salarial é uma condição necessária para poder identificar discriminações”, revela Roman Graf.  A USI discorda e afirma que  “para evitar ou eliminar as discriminações salariais não é preciso expor a renda dos outros dentro de uma empresa.”

Para acabar com as discriminações salariais das mulheres na Suíça, em 2009 as associações empresariais e os sindicatos, com a participação do governo federal, lançaram o projeto “Diálogo sobre a Igualdade Salarial”. Ele oferece a todas as empresas suíças a possibilidade  de controlar que os salários sejam pagos de acordo com os princípios de igualdade entre os sexos. No caso da descoberta de disparidades, as empresas participantes se comprometem a eliminá-las no prazo de quatro anos.

 O objetivo era uma adesão de cem empresas, até 2014. Mas ele não deverá ser alcançado pois atualmente apenas 33 participam do projeto.

“Está em andamento um estudo para examinar as possíveis variantes, tendo em vista as decisões que serão tomadas quando esse prazo vencer, em março de 2014. Se a conclusão for de acabar com o prazo de uma adesão voluntária, deverão ser elaboradas as bases para medidas obrigatórias”, indicou à swissinfo.ch o vice-diretor do projeto Luzius Mader. A eventualidade de futuras normas obrigatórias foi abordada  na Câmara pelo ministro do Interior, Alain Berset. Porém, ele ressaltou que  “seria prematuro” , por enquanto.

Pela igualdade salarial entre os sexos

A transparência salarial não significa, obrigatoriamente, que cada um tenha que conhecer até os centavos dos salários de todos os colegas. “Se a maioria das empresas privadas tivesse um sistema salarial transparente, com regras claras e neutras relativas gênero, ligadas às funções,  já seria um passo adiante”, afirma Roman Graf.

“Praticamente todas as grandes empresas possuem uma classificação clara das funções no trabalho”, esclarece Ruth Derre Balladore. A representante dos patrões acha fundamental que as empresas “controlem os salários da empresa e estabeleçam claramente os critérios que os determinam”. Mas “cada empresa deve sentir-se livre de escolher o sistema que melhor corresponda às próprias exigências”. Impor as mesmas regras de transparência salarial “ a todas as empresas para o combate às discriminações é um erro”, acrescenta.

Uma moção parlamentar sobre a questão foi submetida à Câmara , em 17 de abril. A autora, a deputada socialista Silvia Schenker, pretende que as empresas sejam obrigadas a publicar internamente os salários de seus empregados e de seus dirigentes. O texto pede a aplicação de medidas de coerção para acabar com as discriminações salariais que ainda atingem as mulheres na Suíça. Até porque as medidas voluntárias até agora não surtiram os efeitos desejados. Combatida pelo governo, a proposta foi rejeitada pela maioria na Câmara, composta por deputados de direita e de centro-direita.

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Os salários devem ser assunto público ou privado?

Este conteúdo foi publicado em As diferenças salariais estão entre as reivindicações do 1° de maio. A esquerda e os sindicatos pedem mais transparência salarial. A direita e o patronato se opõem argumentando que a renda pertence à esfera privada ou mesmo íntima. O que você acha? Conte sua experiência.

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Calculador salarial online

A transparência salarial é reivindicada também na aplicação das normas relativas à livre circulação de pessoas. Essas regras impõem às empresas que paguem aos trabalhadores originários da União Europeia, os mesmos salários praticados no setor econômico correspondente na Suíça.

Exatamente por causa desse contexto, o colaborador do Observatório Universitário do Emprego realizou, a pedido da União Sindical Suíça (USS), um aplicativo pioneiro: o calculador salarial online. Ele foi lançado em 2005 e permite conhecer o valor do salário para uma determinada atividade, incluindo o nível de formação, em cerca de 70 diferentes atividades, de acordo com cada uma das regiões da Suíça.

 

Hoje, em média, se registram 70 mil visitas diárias, indica Graf. Em mais de mil sites na internet, na Suíça e no estrangeiro, existe um” link” que faz a conexão com o calculador salarial da USS. A sua utilidade é dupla:  os empregados podem comparar o próprio salário com o do mercado e os patrões podem confrontar as próprias estruturas salarias.

As autoridades receberam bem o instrumento e quatro cantões já possuem um calculador de salários, todos à disposição do público. Outros dois cantões utilizam a aplicação internamente. Todos foram realizados com a colaboração do Observatório Universitário de Genebra. A aplicação atraiu a atenção do estrangeiro. Por exemplo, Viena pediu uma consultoria a Roman Graf e acabou realizando um calculador semelhante.

Um segredo bem guadado

O calculador e os outros instrumentos parecidos e desenvolvidos nos últimos anos contribuem para aumentar a transparência salarial. “Mas ainda estamos muito distantes da cultura anglo-saxônica”, constata Roman Graf. Aos seus olhos, a grande mobilidade internacional poderia ajudar.

Dirigentes e pessoal que chegassem de países anglo-saxões, como também os suíços que trabalharam em outras realidades e que retornaram, poderiam iniciar a tendência de aplicar as mesmas práticas na Suíça.

O pesquisador acha, entretanto, que o segredo salarial chegaria ao fim  somente quando os empregados compreendessem que a  “transparência diminui a probabilidade de discriminações e seria uma vantagem “em benefício deles próprios”. Para Roman Graf, as empresas poderiam lucrar mais com um sistema salarial transparente. As pesquisas indicam um aumento da motivação e da satisfação dos empregados. A prova é que “as empresas que adotaram a transparência salarial não voltaram atrás.”

“A motivação tem outros fatores; não é apenas a transparência em si que pode proporcioná-la”,  freia Ruth Derrer Balladore, insistindo que existem estudos com diferentes conclusões. A representante dos empresários acha que a publicação dos salários nas empresas que não possuem esse costume pode criar problemas. Um deles é que a “cada diferença mínima, uma mudança de salário pode exigir justificativas detalhadas e isto criaria intermináveis discussões, ciúmes, sem trazer nenhum benefício.”

É uma ideia suíça, mas está citada no site da Comissão Europeia: a certificação de igualdade salarial entre os sexos,” equal-salary”, foi lançada como projeto piloto em 2005 e hoje é um selo de qualidade internacional. Isso garante que a empresa certificada retribui da mesma maneira o trabalho das mulheres e dos homens.

“A obtenção desse certificado chega após uma análise independente, com critérios bem definidos e precisos, por dois órgãos distintos. Isto proporciona uma transparência para a empresa”, explica à swissinfo.ch a diretora e fundadora de “equal-salary”, Véronique Goy Veenhuys, que é contra impor às empresas a publicação interna dos salários.

Até agora, 19 procedimentos foram adotados. Atualmente, 11 empresas e instituições conquistaram a marca “equal-salary”, que tem validade por três anos. Quatro empresas já o renovaram. O objetivo para 2013 é certificar dez novas empresas, realça Véronique Goy Veenhuys, que se diz confiante na futura expansão.

Adaptação: Guilherme Aquino

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