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Divisões ameaçam eleições na Líbia

Mulheres líbia treinam para as primeiras eleições depois da era Gaddafi AFP

A Líbia realiza suas primeiras eleições livres em cerca de 60 anos no sábado, 7 de julho, tendo como pano de fundo grupos armados, movimentos separatistas e uma mistura de políticos e civis disputando uma vaga no Parlamento.

As atuais instituições do Estado são frágeis, incipientes e em grande parte impotentes. O objetivo é eleger um Congresso Nacional que englobe todo o país, um parlamento de transição com 200 membros, onde 80 cadeiras serão atribuídas aos candidatos com afiliação partidária e 120 aos candidatos sem partido.

Uma vez eleito este Parlamento de transição, o mandato do governo interino do Conselho Nacional de Transição chegará ao fim. O Congresso Nacional vai eleger um comitê de 60 membros para elaborar uma Constituição que será submetida a um referendo público mais tarde.

Representantes da embaixada suíça em Tripoli irão atuar como observadores diplomáticos da eleição. A Suíça também coordena o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para garantir que as eleições ocorram em conformidade com as normas internacionais.

Para apoiar a transição da Líbia para a democracia, a Suíça tem ajudado oferecendo formação em direitos humanos e processo democrático.

Mas, após a sangrenta guerra civil e a intevenção da OTAN para derrubar o ex-líder Muammar Gaddafi, o cenário político do país ficou conturbado.

Por um lado, os revolucionários líbios têm usado da violência e demonstrações de força para influenciar o curso das eleições, tentando – e falhando – excluir a participação de todos os políticos que colaboraram com o antigo regime. Em outros lugares do país, a sociedade civil tentou dar às mulheres uma parte significativa das cadeiras do novo congresso nacional, mas os conservadores conseguiram bloquear a tendência.

O mesmo cabo de guerra começou na hora de determinar a percentagem de lugares atribuídos aos partidos, que deram preferência aos candidatos dos partidos, antes de inverter a situação para fazer pender a balança a favor dos candidatos independentes.

Evento nacional

Visto desse ângulo, a eleição do Congresso Nacional representa o maior desafio para a experiência de transição na Líbia. Isto porque a situação é diferente da Tunísia, por exemplo, que em outubro passado formou uma assembleia constituinte com base em acordo entre as principais facções ideológicas. Na Líbia, a participação nas eleições não é feita através dos partidos, mas através do que é agora chamado de “entidades políticas” e independentes.

Em uma declaração à swissinfo.ch, Muhammad Al-Alaqi, responsável do Conselho Nacional de Direitos Humanos, criticou o que ele considerava ser “uma injustificada confusão entre partidos e organizações da sociedade civil, que supostamente não deveriam estar associados, mas que agora se aliam, em um fenômeno nunca visto, quer na lei ou na política”.

O ex-primeiro-ministro interino, Mahmoud Jebril, que lidera a Aliança das Forças Nacionais, uma frente que envolve mais de 60 partidos, disse à swissinfo.ch que a eleição representa mais um evento “nacional” do que político. Ainda segundo Jebril, isso explicaria porque várias forças, muitas vezes rivais, se reúnem em torno de um objetivo central para assegurar uma presença no Congresso Nacional, mesmo que seja apenas simbólica.

Jebril destacou que a transparência no financiamento das campanhas foi essencial. Ele pretende fazer com que a Comissão Superior Nacional de Eleições solicite a todas as entidades políticas que revelem suas fontes de financiamento. O líder da Aliança das Forças Nacionais acrescentou que havia recebido ofertas de outros países para financiar seu partido, mas que havia recusado.

Desertificação política e espectro de divisão

Um grande dilema enfrentado pelos líbios na eleição do Congresso Nacional é a ausência de práticas eleitorais sob o regime de Gaddafi. A experiência democrática anterior foi de curta duração sob a monarquia de 1952-1964 e não conseguiu deixar sua marca nas pessoas.

O segundo dilema é o grande espectro de divisão, alimentado por constantes ameaças do estabelecimento de um sistema federal que levaria a Líbia de volta ao que era durante o “Reino Unido da Líbia”, quando o país era governado essencialmente por três regiões, Barca, Fezzan, e Tripolitânia.

O perigo desta tendência separatista aumentou quando grupos fundamentalistas radicais começaram a organizar comícios em cidades do leste. Em um caso recente, homens armados vestidos com trajes de mujaidins afegãos e conduzindo veículos militares entraram em Benghazi exigindo a aplicação da sharia, a lei islâmica. Mas quando os moradores gritaram “Vão embora, a Líbia não é o Afeganistão”, eles se retiraram.

“Durante este show de arsenal militar, nem o exército regular líbio, nem a polícia e brigadas revolucionárias ligadas ao Ministério da Defesa foram vistas na localidade”, notou o analista Ali Al-Fituri. Este foi um indicativo da incapacidade de policiamento dos grupos afiliados ao governo de transição para manter a situação sob controle.

Ajuda suíça

O Centro para o Diálogo Humanitário, criado na Suíça, tem trabalhado com as autoridades provisórias para resolver alguns dos problemas de divisão, organização de debates regionais sobre a nova lei eleitoral e da justiça de transição.

Kenny Gluch, porta-voz da instituição, disse à swissinfo.ch que esses diálogos permitiram “uma discussão aberta entre os diferentes pontos de vista sobre estes aspectos-chave da transição” e ajudou os líderes da sociedade civil da Líbia a desenvolver suas ideias em consulta com especialistas internacionais. O Centro agora assessora o governo de transição em “mecanismos” para resolver pacificamente os “conflitos que marcaram o período de transição”.

O PNUD, apoiado pela Suíça, também tem oferecido treinamento para  educar a sociedade em matéria de eleições.

Um workshop organizado em maio pelo Instituto dos Direitos Humanos de Genebra informou a população e os representantes do governo sobre os conceitos básicos de monitorização das eleições. Em abril, a Suíça apoiou uma coligação de organizações para instruir formadores em educação dos eleitores. Eles, por sua vez, treinaram 3.500 bandeirantes e escoteiros para realizar uma campanha de sensibilização de dois milhões de líbios.

A Líbia está vivenciando uma mudança dolorosa em direção à democracia. Se vai ser bem sucedida, vai depender da sua capacidade em controlar a tendência ao separatismo violento.

A Alta Comissão Nacional Eleitoral (ACNE) foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Transição em 18 de janeiro de 2012. A ACNE compromete-se com as seguintes tarefas:

Preparação, execução, supervisão, monitoramento e anuncio dos resultados da eleição para o Congresso Nacional, em conformidade com os princípios e regras adotadas para o processo eleitoral na lei eleitoral.

Sensibilização da população para a importância da eleição, explicando e encorajando os cidadãos a tomar parte dela.

Estabelece orientações para o processo eleitoral, a fim de torná-lo um sucesso e implementar a lei eleitoral.

Registrar os eleitores.

Formação de comitês especializados no processo eleitoral, votação, contagem e agendamento das eleições.

Definir a data para aceitar formas de aplicação e de registro de candidatura dos candidatos.

Acreditação de observadores locais e internacionais e representantes dos candidatos.

Desenvolver um mecanismo para registrar o recebimento de queixas e reclamações que sejam da sua competência e tomar decisões sobre eles, em conformidade com a Lei Eleitoral.

Determinação do período de campanhas eleitorais e monitorá-las.

Organizar eleições para os líbios que vivem no exterior em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores e a Cooperação Internacional.

Adaptação: Fernando Hirschy

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