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Um músico de múltiplas raízes

Jovino Santos Neto em Basileia. swissinfo.ch

Jovino Santos Neto começou a tocar piano aos 12 anos. Depois estudou Biologia no Canadá. Foi ao Brasil estudar ecologia na Amazônia, mas encontrou Hermeto Pascoal e virou músico.

Mora nos Estados Unidos e diz que fica momentaneamente à vontade em muitos lugares, inclusive em Basileia na Suíça, onde tocou recentemente. Na entrevista a seguir, ele explica sua concepção da música.

Ele passou 15 anos tocando com Hermeto Pascoal. Depois, foi morar nos Estados Unidos, onde, além de tocar, leciona. “Nunca ganhei um centavo com Biologia”, diz. A música ia ser hobby, mas foi a biologia que virou hobby, e ele, um músico de primeira. Aos 55 anos, casado com a suíça Luisa e pai de dois filhos, Jovino apresentou-se em Basileia no clube de jazz Bird’s Eye.

Swissinfo: Você está há mais de 15 anos fora do Brasil. Isso foi importante para a sua carreira?

Jovino Santos Neto: Acho que sim. As pessoas que trabalham com música, em geral, desenvolvem a carreira no que chamo de círculo concêntrico que se expande. A pessoa é famosa no Rio de Janeiro, depois São Paulo, Belo Horizonte, Argentina, América Latina e assim vai. Eu nunca trabalhei desta forma. Gosto mais de plantar sementes em vários lugares. Vou fazendo contatos em várias partes do mundo. Acho que é mais o meu estilo. Gosto de viajar.

Você toca mais onde?

O fato de conhecer gente de todos os lugares cria situações curiosas. Moro em Seattle, mas toco muito em Nova York, em São Francisco. Agora acabei de fazer alguns shows em Basileia, em Amsterdam e Londres. Além de shows faço workshops e muitos contatos pela música.

Mas você vai regularmente ao Brasil?

Nem sempre consigo, mas tento ir ao Brasil uma vez por ano. Estive lá em agosto do ano passado, quando divulguei o disco Alma do Nordeste. E voltarei este ano, provavelmente em julho.

Há algum projeto especial?

Estou num projeto Duo e pretendo gravar com alguns músicos no Brasil. Já tenho um disco com o pianista Weber Iago neste estilo, gravado no festival de Nova Iorque. No Brasil pretendo gravar com Joyce, Mônica Salmazo, João Donato, Ricardo Silveira, Toninho Ferragutti, Vitor Santos, Gabriel Grossi e talvez com o Hermeto, mas vai depender das agendas.

O trabalho de duo é muito diferente?

A premissa é tocar sem ensaios e sem muita preparação. Falamos um pouco do que vamos fazer, tocamos e gravamos. O que rolar, rolou. É um trabalho muito gostoso de fazer porque não há ensaio e nem a repetição que exige a música mais trabalhada e arranjada. Descobrimos a música a dois. É um trabalho muito rico.

Você já gravou com alguém para este novo CD de duos?

Já sim. Com Airto Moreira, Danilo Brito, Bill Frisell, Joe Locke e outros. Pelo número de músicos será difícil fazermos um show, mas faremos um CD. Descobrir a música na hora e gravar um ou dois takes no máximo é muito bom.

O mercado internacional é melhor que o brasileiro?

Acho que não. Acho que todos os lugares têm espaço para trabalho de qualidade. São duas coisas diferentes. Uma é o povo gostar de seu trabalho e de sua música. Outra coisa é fechar um show. Nem sempre você consegue fechar um show. É igual pescar: nem sempre o pescador volta com peixe. O músico manda email, cds, currículos e nem sempre consegue fechar um show. Mas sempre há espaço para a música de qualidade.

Existe uma receita para um músico fazer sucesso?

O melhor mesmo é ter um trabalho consistente e mostrar resultado de qualidade. Só assim as pessoas são chamadas novamente para se apresentarem. Tem de se preparar o melhor possível e reciclar, sempre.

Quando você decidiu fazer da música sua carreira profissional?

Comecei a tocar piano aos 12 anos, mas achava que a música seria um hobby. Estudei Biologia no Canadá e tinha um grupo. Tocava sempre. Em 1973 voltei ao Brasil porque pretendia fazer mestrado em ecologia na Amazônia. Na época, o Hermeto Pascoal me chamou para tocar com ele. Toquei e adorei tanto tocar com ele que virei músico. A Biologia virou um hobby. Nunca ganhei um centavo com a Biologia, mas gosto muito.

Por falar em centavos, como você vive da música?

A música é uma coisa ampla. As pessoas acham que ser músico é tocar em show. Adoro isso e acho que é um dos trabalhos favoritos, mas músico não faz só isso. Trabalho como educador. Dou aula em curso superior, workshops e é uma maneira de estar engajado no diálogo musical com pessoas diferentes. A diferença é essencial. Quando você fala com gente da mesma tribo, o diálogo se esgota. Chega a um ponto que não se tem mais o que falar.

O que você leciona?

Atualmente dou aulas no Cornish College of Arts de Seattle. Fui para lá para estudar e desde 94 leciono arranjo, história da música brasileira, composição. Depende do semestre. O fato é que estou ali numa reciclagem contínua, com gente jovem, de diferentes culturas e níveis de formação. Isso influencia o trabalho e, claro, a sua música.

Você trabalha predominantemente com algum estilo musical?

Não tenho restrições: trabalho com orquestras sinfônicas, de cordas, com grupos de jazz, world music, música indiana…

Você acha que o fato de viver fora do Brasil influenciou isso?

Acho que foi mais influência do Hermeto, sabia? Ele sempre mostrou a música como algo universal. Não tinha esta coisa de que brasileiro não toca jazz. Aprendi com ele que a música é tão global e ampla quanto a ecologia. Atualmente, um dia toco na orquestra sinfônica de Seattle e no dia seguinte num concerto de jazz. É a música.

Quanto tempo trabalhou com Hermeto?

Foram 15 anos, de 77 a 92, mas trabalhamos juntos até hoje. Fazemos alguns projetos especiais. O trabalho dele é uma fonte inesgotável de criatividade e de música.

Clique AQUI para ler a segunda parte da entrevista.

Lourdes Sola, swissinfo.ch

Jovino Santos Neto é carioca e cresceu no Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro.

Em 1977 começou a tocar com Hermeto Pascoal. Durante 15 anos colaborou como pianista, flautista , co-produtor de sete discos, além de organizar os concertos internacionais do grupo.

Conheceu sua esposa Luisa em 1978, quando ela, suíça, viajava pelo Brasil. Eles têm dois filhos e moram em Seatle, nos Estados Unidos.

Entre 95 e 97 tocou com Airto Moreira e Flora Purim. Em 2003 gravou um duo com o bandolinista Mike Marshall.

Já recebeu duas indicações ao Grammy Latino. Em 2004 pelo álbum Canto do Rio e em 2006 pelo Roda Carioca, considerado o melhor disco latino de jazz do ano.

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