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Um processo muito complicado

Apesar do negacionismo turco, a Armênia construiu um memorial na capital Yerevan Keystone

O político nacionalista turco é processado na Suíça por ter negado o genocídio armênio. O termo genocídio e seus autores são algumas das questões que aparecerão no processo aberto hoje em Lausanne.

A questão dos massacres de 1915-1918 divide há anos os nacioalistas turcos e as associações armênias e incidentes diplomáticos entre a Turquia e a Suíça. No final de semana, o ministro turco da Justiça, Cemil Cicek, esteve em Berna com o ministro suíço da Justiça, Christoph Blocher.

«O genocídio é uma mentira internacional». Esta frase pronunciada durante um discurso público em Lausanne (oeste da Suíça) em julho de 2005, levou Dogu Perinçek, líder do Partido Turco dos Trabalhadores, ao Tribunal Distrital de Lausanne.

O papel do juiz Pierre-Henri Winzap não será fácil. No centro dos debates (amplamente retratado na imprensa e no mundo político), está a violação ou não da lei suíça contra o racismo. Prevista no artigo 26 bis do Código Penal Suíça, a norma foi criticada durante uma visita à Turquia do ministro suíço da Justiça e Polícia, Christoph Blocher, que a considera incompatível com a liberdade de expressão.

No final de semana e às vésperas da abertura do processo em Lausanne, o ministro turco da Justiça Cemil Cicek, esteve em Berna para conversar com o ministro Blocher.

“Os legisladores do artigo 26 bis quiseram assimilar a negação de uma realidade histórica a um ato racista, o que é discutível, pois são coisas diversas”, observa Robert Roth, reitor da Faculudade de Direito da Universidade de Genebra.

“Mas a questão central colocada nesse processo é outra: em que medida a justiça pode decidir da existência de uma verdade histórica?”, questiona Roth, lançando assim a discussão sobre a competência de julgar um evento ocorrido no passado.

Massacre ou genocídio?

A questão armênia vem desde 1900, quando soldados do exército otomano mataram entre 500 mil e dois milhões de pessoas.

A interpretação ainda hoje causa incidentes nas relações entre a Suíça e a Turquia (como entre Ankara e a União Européia): a maioria dos dos historiadores, o Conselho da Europa, a Assembléia Nacional Francesa, a Câmara dos Deputados da Suíça e vários parlamentos cantonais concordam com a definição de que houve um “genocídio”. Para as autoridades turcas, o que houve foi um “massacre”.

A questão jurídica “é saber quando se pode falar de genocídio: se devemos considerar a dimensão ou a intenção? Se aplicamos a definição da Convenção das Nações Unidas de 1948, considerado um texto de referência, não cabe dúvida: o que conta é a intenção”, explica Roth a swissinfo.

“Muitos países, inclusive a Suíça, acreditavam que não era preciso uma lista de genocídios”, prossegue Roth. A resposta sempre foi negativa porque implicava um enorme debate internacional como muitas interrogações. Por exemplo, como definir o que ocorre no Darfour?”.

A distinção entre genocídio e massacre não deverá ter muita influência no caso específico do processo Perinçek. “A norma anti-racismo pune negacionismo, não somente do genocídio, mas também de qualquer crime contra a humanidade”, afirma o advogado Francesco Bertossa que, em 2001, atuou na defesa da parte civil em um processo similar contra dirigentes turcos em Berna.

Um tribunal sobre a história

A Associação Suíça-Armênia, parte civil no processo, aguarda-o com impaciência. “Saberemos finalmente se o fato de ter denegrido nosso povo e ofuscado nossa memória é crime na Suíça”, afirma seu co-presidente Sarkis Shahinian.

O promotor do cantão de Vaud, Eric Cottier, declarou ao jornal 24 horas, de Lausanne, que “a menos que demonstrem o contrário, o genocídio armênio é suficientemente reconhecido para definí-lo como tal”. No entanto, mesmo com a preocupação de não transformar o tribunal em local de debate histórico sobre a existência ou não do genocídio, Cottier não poderá impedir uma análise histórica dos trágicos acontecimentos.

Perinçek, citado pelo semanal suíço Hebdo, afirmou que irá demonstrar com documentos, que “os imperialistas ocidentais e a Rússia czarista incitaram os armênios à violência enquantoos turcos apenas se defenderam”.

Veredicto até sexta-feira

Dada a complexidade do caso, fazer um prognóstico sobre a sentença do tribunal, aguardada para sexta-feira, é muito difícil.

“Uma absolvição será obviamente terrível para os armênios. Em caso de culpabilidade, é possível que consideremos suficiente o reconhecimento de um dano imediato, sem buscar os traços de todos os negacionismos em circulação”, estima Robert Roth.

De opinião contrária, Bertossa considera que os armênios estão cansados de constatar que a gravidade de seu drama não está inscrita na consciência das pessoas (como é o olocausto) e que eles prosseguirão na luta por um total reconhecimento.

swissinfo, Luigi Jorio

A questão armênia criou vários incidentes nas relações entre a Suíça e a Turqui: visitas oficiais já foram anuladas e venda de aviões suíços Pilatus a Ankara foi suspensa.

Ao contrário do Senado, a Câmara dos Deputados reconheceu em 2003 o genocídio de armênios, aceitando um postulado apresentado pelo deputado democrata-cristão Jean-Claude Vaudroz. De sua parte, o governo federal (Conselho Federal) limitou-se a um reconhecimento implícito.

No plano cantonal, pronunciaram-se claramente pelo termo “genocídio” os parlemntos de Genebra (2001) e Vaud (2003).

Durante um processo contra alguns negacionaistas turcos em 2001, a Corte de Justiça de Berna-Laupen pronunciou-se pela absolvição.

Segundo os juízes, a falta de reconhecimento oficial pela Suíça do genocídio armênio e “o obtuso nacionalismo” dos acusados (vítimas da propaganda estatal), não justificava uma condenação. A decisão foi confirmada em 2002 pelo Supremo Tribunal Federal, mais alta instância jurídica da Suíça.

Em abril de 2005, a Promotoria de Winterthur (Cantão de Zurique) abriu um inquérito contra o historiador turco Yusuf Halacoglu por ter negado publicamente o genocídio armênio, durante uma manifestação na Suíça.

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