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Uma visita surpreendente e contestada

Ziegler é o primeiro relator especial da ONU a ser recebido em Cuba. Keystone

Pela primeira vez, Cuba abre suas portas a um relator especial da Organização das Nações Unidas. O regime de Fidel Castro assegurou sua plena colaboração ao trabalho do suíço Jean Ziegler.

O relator especial da ONU sobre o direito à alimentação começou no início da semana um périplo de duas semanas na ilha caribenha. Jean Ziegler vê a visita como um sinal de abertura do regime comunista.

Em 25 de junho, a embaixada de Cuba em Genebra enviou uma carta ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos com o objetivo de convidar o relator especial da ONU sobre o direito à alimentação a uma viagem à ilha caribenha.

O convite foi uma surpresa geral, pois apenas alguns dias antes, em 19 de junho, Cuba obtinha do Conselho de Direitos Humanos a supressão do posto de relator especial da ONU para os direitos humanos em Cuba, ocupado até então pela advogada francesa Christine Chanet. As autoridades em Havana nunca aceitaram recebê-la.

Evolução do regime

Para Jean Ziegler, o convite é “uma indicação que Cuba está se abrindo a uma colaboração mais estreita com a ONU” e deseja cooperar ativamente com o novo Conselho de Direitos Humanos. Ele estima que o gesto não ficará limitado apenas a sua pessoa, mas também a outros emissários da ONU em seguida.

Segundo o professor e cientista político suíço, o convite pode ser visto como uma evolução do regime. “O período glacial terminou e agora começa um de colaboração”, reforça Ziegler, que apresentará as conclusões da sua viagem no ano que vem ao Conselho dos Direitos Humanos.

Assim que foi anunciada, a visita de Jean Ziegler à Cuba provocou uma avalanche de reações: ONGs e grupos de pressão pediram que ele colocasse condições, criticando-o também pelo fato de ter aceitado servir de “fiador do regime”.

Amnesty International (AI) saudou o comunicado de Havana como “um primeiro passo” à vontade de Cuba de retomar o diálogo com a ONU. “Esperamos que Cuba faça outros gestos e convide, por exemplo, o relator da ONU sobre a liberdade de expressão e de opinião”, declara Peter Splinter, o representante da AI na ONU.

Reações dos governos também, sobretudo europeus, desejosos de ter uma entrevista com o suíço antes da largada da sua delicada missão. Mesmo os Estados Unidos desejaram um contato discreto com Jean Ziegler antes da sua partida.

Sem aproximação com Washington

Bertrand Louis, desde 2004 chefe da representação diplomática suíça em Cuba, e representante dos interesses americanos na ilha, tenta diminuir as expectativas.

Ao contrário do acordo ocorrido há poucos meses entre os Estados Unidos e a Coréia do Norte, nenhuma reaproximação deve ocorrer entre os governos em Washington e Havana.

Segundo o embaixador suíço, o diálogo está em ponto morto entre a administração do presidente Bush, muito próxima dos grupos anti-castristas da Flórida, e o regime cubano.

Enquanto aumentam as especulações em relação à saúde de Fidel Castro, o governo em Havana parece tentar melhorar sua imagem na cena internacional. Alguns especialistas levantam a hipótese do convite ser apenas uma operação de propaganda. Outros imaginam que as forças pragmáticas estariam tomando as rédeas do poder frente aos ideólogos, no comitê político do Partido Comunista cubano.

Esperança

O governo cubano espera que Jean Ziegler, como relator sobre o direito à alimentação da ONU, irá denunciar o papel do bloqueio econômico de Cuba pelos EUA. O país, que vive em crise permanente apesar da entrada de muitas divisas através do número crescente de turistas, ainda vive cortes de eletricidade, penúria e racionamentos diversos.

Questionado, Jean Ziegler ressalta que Cuba não terá mais direito de vistoriar o conteúdo do seu relatório do que outros governos, ou seja, uma releitura sobre as questões de forma.

Ele permanece prudente sobre o impacto da sua missão. Os poderes de um relator especial da ONU são limitados, observa o suíço. Uma evolução profunda do regime cubano está parece música do futuro, sobretudo pelo fato de que, para os EUA, o diálogo ainda não chegou de fato.

swissinfo com agências

Ziegler nasceu em Thun, cidade do cantão de Berna, em 19 de abril de 1934.

Ele estudou direito, economia, ciências políticas e sociologia nas Universidades de Genebra, Berna, Paris-Sorbonne e Columbia (Nova Iorque), assim como no Instituto de Estudos Políticos (de Paris). Posteriormente, lecionou nas Universidades de Grenoble, Berna, Genebra e Paris-Sorbonne.

Ele também foi eleito duas vezes deputado federal, cujos mandatos foram de 1967 a 1983 e 1987 a 1999.

Desde 1963, Ziegler publica livros acerca de questões como a evolução da África pós-colonial em particular e do Terceiro Mundo em geral, o ouro nazista, o crime organizado, a “neutralidade” suíça ou o segredo bancário.

Desde 2000, Ziegler é relator especial da ONU sobre o direito à alimentação.

Jean Ziegler provocou polêmica ao reclamar uma moratória de cinco anos sobre a produção de biocarburantes, mesmo se estes servem ao combate do aquecimento global.

O relator especial sobre o direito à alimentação explicou na assembléia da ONU em Nova Iorque que os biocarburantes podem tornar mais caros os alimentos de base e contribuir ao agravamento do problema da fome no mundo.

Na ocasião, Jean Ziegler deu um exemplo: – “São necessários 232 quilos de milho para produzir 50 litros de etanol. Ora, essa quantidade é suficiente para alimentar uma criança mexicana ou da Zâmbia por um ano inteiro”.

Ele qualifica a produção de biocarburantes como “um crime contra a humanidade”.

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