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União Europeia democrática vira desafio para a Suíça

Primeiro-ministro belga Herman Van Rompuy, primeiro presidente permanente da UE, fala durante cerimônia na capital portuguesa pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Keystone

O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor nesta terça-feira (1/12), objetiva melhorar o funcionamento da União Europeia e torná-la mais democrática. Isso também muda as relações da Suíça com a UE.

Uma novidade é a possibilidade de participação direta dos cidadãos europeus no processo legislativo. Um milhão de europeus podem exigir de Bruxelas a aprovação de uma nova lei.

Uma outra inovação importante para os países-membros é que as decisões do Conselho da UE, principal órgão decisório, a partir de 2014 passam a ser aprovadas por dupla maioria – 55% dos países membros que representem pelo menos 65% da população do bloco.

Isso significa que a maior parte das decisões não dependerá mais de consenso e sim do apoio da “dupla maioria”. Acaba a atual divisão de votos por país, introduzida no Tratado de Nice (2001) e pela qual, por exemplo, a Alemanha tinha direito a 29 votos e Portugal a apenas 12.

Até 2017, porém, as decisões têm de ser tomadas pelo antigo sistema, se isso for requerido por um país-membro. As decisões sobre a política externa e de segurança, bem como sobre questões fiscais continuarão sendo tomadas por consenso.

A Suíça ganha também novos interlocutores na Comissão Europeia: o lituano Algirdas Semeta foi nomeado novo comissário de Impostos, e Siim Kallas, da Estônia, é a nova comissária de Transportes – ambos ainda precisam ser confirmados pelo Parlamento Europeu.

Dois novos cargos criados pelo Tratado de Lisboa também já foram ocupados: o primeiro-ministro belga Herman Van Rompuy é o primeiro presidente permanente da União Europeia, e a britânica Catherine Ashton ocupa a função de “alto representante da UE para a Política Externa e de Segurança”.

Van Rompuy tem mandato de dois anos, e Ashton, uma espécie de ministra das Relações Exteriores da UE, mas sem esse título, coordena a diplomacia da UE, com seus 8 mil diplomatas, e ao mesmo tempo é vice-presidente do bloco.

O novo “Serviço de Relações Exteriores da UE”, como é também chamado o “ministério” de Ashton, é o principal responsável pelas relações com a Suíça, que não integra o bloco. Novos tratados da UE com a Suíça também precisam receber luz verde do Parlamento Europeu.

Mais democracia e iniciativa popular

O Parlamento Europeu terá reduzido de 785 para 751 seu número de cadeiras, mas ganha mais poder em mais de 40 áreas. Por exemplo, junto com o Conselho de Ministros, ele futuramente decidirá sobre o orçamento e os tratados internacionais.

A UE pisa também num terreno novo em que a Suíça tem muita experiência. O Tratado de Lisboa prevê a possibilidade de uma espécie de iniciativa popular. Um milhão de cidadãos europeus podem exigir que a Comissão Europeia apresente um determinado projeto de lei.

A Comissão da UE ainda avalia como esse direito poderá ser aplicado para os cerca de 500 milhões de cidadãos do bloco, o que não é fácil diante da enorme diferença de população dos países-membros (420 mil de Malta e 82 milhões da Alemanha).

Nova é também a Carta de Direitos Fundamentais da UE (vinculativa em termos jurídicos). Os parlamentos nacionais passam a ter mais influência sobre o processo decisório da UE e podem apresentar queixa diante da Corte Europeia de Justiça. Pela primeira vez desde os Tratados de Roma, também é possível um país-membro abandonar a UE.

UE-Suíça: relações cada vez mais complexas

“De certa forma, os progressos planejados no Tratado de Lisboa devem ser bem recebidos na Suíça. O décifit de democracia da UE de fato vai diminuir”, explica Jean Russotto, advogado e observador das relações Suíça-UE à swissinfo.ch.

Além disso, acrescenta, o Parlamento Europeu sempre defendeu uma integração mais rápida do que os Estados. “Haverá mais pressão para usar a regulamentação europeia, sobretudo nas áreas de asilo, migração e cooperação jurídica. A Suíça não poderá ignorar isso, uma vez que pertence ao Espaço Schengen e aprovou a Convenção de Dublin. Isso significa muita Europa para a Suíça, talvez demais.”

Ele explica que a nova arquitetura institucional da UE obriga a Suíça a adaptar seus métodos de trabalho e a lidar com novos atores, como o Parlamento Europeu. “Não estamos muito preparados para um trabalho profundo com os eurodeputados”, observa o advogado.

Segundo Russotto, o processo decisório da UE pode se tornar “mais lento e complexo”. Ele teme que muitas questões de interesse de Berna fiquem pendentes por muito tempo e que a aproximação da Suíça com a UE se torne mais complicada.

Ele observa que a cooperação europeia se torna mais estreita na política externa, uma área em que Berna, até agora, “pode dividir e reinar”. Essa estratégia, que permitiu à Suíça garantir efetivamente seus interesses, dificilmente poderá ser mantida no futuro, prevê.

A avaliação que as relações da Suíça com a UE se tornam mais complicadas com o Tratado de Lisboa é partilhada também por lideranças políticas, como a ministra suíça das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey.

“O caminho dos tratados bilaterais não está pavimentado com pétalas de rosa. Ele torna-se cada vez mais complexo. Corremos o risco de nos perdermos em detalhes e não vermos mais o todo. Ainda temos a possibilidade de defender nossos interesses, mas as coisas mudam rapidamente”, disse a ministra, recentemente em Genebra.

O embaixador suíço na UE, Michael Reiterer, prevê muito trabalho para a diplomacia suíça em Bruxelas. Segundo ele, a Suíça encontra-se diante de um dilema. “Ela não quer ingressar na UE, mas também não quer automatismo no âmbito do bilateralismo – e, ao mesmo tempo, exige o máximo de participação nas decisões”, disse ao jornal NZZ am Sonntag.

Geraldo Hoffmann, swissinfo.ch (com colaboração de Tanguy Verhoosel)

O acordo de livre comércio de 1972, aprovado pelos eleitores, criou um espaço comercial e alfandegário comum. Desde então, a Suíça assinou 120 acordos bilaterais com a Comunidade Europeia – mais tarde União Europeia.

Em 1999, o eleitorado suíço aprovou o pacote de acordo Bilateral I, que regulamenta o tráfego de caminhões pesados pelos Alpes, a supressão de barreiras comerciais e a livre circulação de pessoas.

Os Acordos Bilaterais II de 2004, também aprovados nas urnas, regulamentam, entre outras coisas, a cooperação nas áreas de segurança e asilo político de Schengen/Dublin.

Em 2006, o Conselho Federal (Executivo suíço) concluiu que os atuais acordos são o melhor caminho para atingir as metas europeias da Suíça. O ingresso do país na UE permanece apenas “uma opção de longo prazo”.

Um pedido de 1992 para iniciar negociações de ingresso da Suíça na UE continua “congelado” em Bruxelas. Na última terça-feira, a Câmara dos Deputados rejeitou por 126 a 60 votos uma proposta para retirar de vez esse pedido.

Ao mesmo tempo, a Câmara aprovou por 97 a 79 votos uma proposta da deputada liberal Christa Markwalder Bär, presidente do Novo Movimento Europeu Suíça, para reavaliar os instrumentos da política suíça em relação à UE e definir prioridades e etapas dessa política para a legislatura de 2011 a 2015.

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