Perspectivas suíças em 10 idiomas

Urina humana pode ser utilizada para fertilizar solos

Os cientistas ainda têm que estudar como implementar o sistema nos países em desenvolvimento. Eawag, Stefan Kubli

Já sem utilidade para o corpo que a excreta, a urina está recebendo uma segunda vida na forma de adubo, graças em parte a engenheiros suíços.

O Instituto Federal Suíço de Ciência e Tecnologia Aquática (Eawag) junto com especialistas da África do Sul transformaram urina humana em adubo.

“Nós tratamos a urina, extraindo nitrogênio, fósforo e potássio em pó. Nossa idéia no momento é granular esse pó para obter um adubo granulado normal, que pode ser espalhado nos campos”, explicou o engenheiro Kai Udert, do Eawag.

O fósforo encontrado na urina é particularmente precioso. As plantas precisam dele para o crescimento, mas ele está se tornando cada vez mais raro. Normalmente o fósforo é extraído em minas, mas especialistas prevêem que a oferta mundial vai acabar dentro dos próximos 50-100 anos, dificultando a fertilização dos campos.

No mês passado, o projeto Eawag recebeu uma doação de 3 milhões de dólares da Fundação Bill & Melinda Gates. O dinheiro vai servir de apoio ao instituto e ao seu parceiro, o “eThekwini Water and Sanitation utility (EWS)”, na África do Sul, para continuar desenvolvendo sistemas de recuperação de nutrientes de dimensão comunitária.

Udert informou que a doação vai ajudá-los na pesquisa dos aspectos técnicos, econômicos e sociais do projeto, para que eles possam entender melhor como tratar a urina e como implementar o sistema nos países em desenvolvimento. “A idéia é que alguém possa coletar a urina, produzir fertilizantes com ela e fazer algum dinheiro com isso”, disse Udert.

Vasos especiais

O principal para o projeto são os banheiros. Chamado “vaso divisor de urina seca”, os sanitários não podem estar ligados a qualquer tipo de sistema de saneamento central. Os vasos têm dois compartimentos, o que posssibilita a coleta da urina separada das fezes.

A parte delicada é encontrar alguém que lide com o tanque. De acordo com Udert, há um estigma associado aos resíduos humanos em algumas partes do mundo. No entanto, o verdadeiro problema é o mau cheiro.

“Armazenar urina é realmente muito fedorento e por isso ninguém faz isso com boa vontade. Também não é bom para o meio-ambiente, porque o que causa o mau cheiro é a amônia. Em nosso processo fixamos a amônia e o nitrogênio em uma solução que remove toda a água, restando no final só os sólidos”, disse Udert.

Além de processar a urina e convertê-la em adubo, Udert e sua equipe esperam melhorar as condições de higiene nos países em desenvolvimento.

“Saneamento é um problema mundial e os os sistemas centralizados que temos aqui na Suíça e em outros países desenvolvidos não são aplicáveis em muitos lugares do mundo”, disse.

Ângulo humanitário

O instituto Eawag realizou diversas pesquisas no Nepal, onde muitas pessoas não têm acesso a banheiros. O projeto desenvolvido em Siddhipur,perto de Katmandu, demonstrou que a urina pode ajudar a fechar o ciclo regional de nutrientes, já que os agricultores que participam no projeto também se beneficiam, não precisando importar mais fertilizantes químicos. “Nessa região, um vaso sanitário para ser instalado deve funcionar bem e ser confortável de usar”, acrescentou Udert.

Carolien van der Voorden é diretora da Rede de Gestão de Conhecimento do Conselho de Abastecimento de Água e Saneamento Colaborativo (WSSCC), com sede em Genebra. Ela concorda que tais projetos de recuperação de nutrientes podem funcionar bem, mas enfatiza que a saúde deve ser o objetivo principal.

“A principal razão para tentar promover o saneamento básico é limitar o risco de infecção, possibilitando às pessoas uma vida mais saudável e mais digna”, disse, lembrando que 800 milhões de pessoas fazem as necessidades ao ar livre.

Algumas estão tão acostumadas a agir dessa forma, que os projetos de latrina e banheiro falham por falta de interesse local. “Não é difícil construir banheiros, mas o problema é mudar o comportamento das pessoas. Saneamento deve estar ligado a programas de educação sanitária”, disse van der Voorden.

Ela observou que nas zonas rurais, os programas de reciclagem de resíduos tendem a ter sucesso porque os moradores apreciam o resultado. O projeto Eawag da África do Sul, previsto para durar quatro anos, ainda se encontra no estágio inicial. Udert está otimista de que também será um sucesso.

“A urina contém a maior parte dos nutrientes necessários na sua composição, nós estamos muito confiantes de que será um bom fertilizante”.

40% da população mundial não tem acesso a instalações sanitárias.

Todos os anos 1,8 milhões de pessoas morrem como resultado da falta de saneamento.

Doenças são transmitidas por vazamentos de material fecal em águas subterrâneas ou fluxos em córregos de água potável.

Cólera, febre tifóide e disenteria são três doenças causadas por água contaminada.

No século XIX centenas de milhares de pessoas morreram na Europa em três grandes ondas de cólera.

Até o final do século XIX acreditava-se que a cólera era transmitida pelo ar.

O bacilo da cólera foi descoberto em 1854 pelo italiano Filippo Pacini, mas foi ignorado. Foi redescoberto em 1883 pelo médico alemão Robert Koch.

Campanhas de Saúde Pública e instalações de esgoto e saneamento conseguiram acabar com as doenças transmitidas pela água.

(Adaptação: Fernando Hirschy)

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR