Neutralidade da Suíça atraiu o esporte mundial e também sua corrupção

Sede de mais de 50 federações internacionais, incluindo FIFA e COI, a Suíça há décadas vende ao mundo uma imagem de neutralidade e ordem. Mas escândalos bilionários, julgamentos por corrupção e pressão internacional obrigaram o país a rever leis e reavaliar o preço de ser o coração administrativo do esporte global.
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Cerca de 60 federações esportivas, incluindo o Comitê Olímpico Internacional (COI) e a entidade máxima do futebol mundial, a FIFA, mantêm suas sedes na Suíça. Elas são atraídas pelo tratamento jurídico favorável e pelas isenções fiscais, bem como pela reputação de neutralidade do país.
Essas federações estão, de diversas formas, relacionadas a várias outras organizações não governamentais, como as Nações Unidas e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que demonstram neutralidade por estarem sediadas no país.
Mas o caminho tem sido às vezes acidentado na imaculada Suíça. Tanto o COI quanto a FIFA foram forçados a assumir suas responsabilidades em meio aos escândalos de corrupção envolvendo propinas na concessão de grandes eventos a diferentes países.
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“Não apenas a integridade do esporte está em jogo, mas também a imagem da Suíça como um país que abriga um grande número de federações esportivas internacionais”, consta de um relatório de 2012 do Ministério suíço dos Esportes.
Esses escândalos forçaram a Suíça a acirrar as leis e a classificar as autoridades esportivas de alto escalão como “pessoas politicamente expostas” (PEPs, na sigla em inglês).
Os ex-dirigentes da Fifa e da União das Associações Europeias de Futebol (UEFA) ainda estão enfrentando longos processos judiciais sob acusação de corrupção*.
Os processos judiciais suíços mostram que ser o centro do esporte global pode acabar trazendo consequências negativas.
Quais são as organizações esportivas mais importantes sediadas na Suíça?
O COI, que se estabeleceu na Suíça em 1915, continua sendo a estrela após todos esses anos, segundo Jean-Loup Chappelet, especialista em gestão de organizações esportivas da Escola de Pós-Graduação em Administração Pública da Suíça, na Universidade de Lausanne.
O guardião do espírito olímpico, sediada em Lausanne, atraiu uma série de outras entidades esportivas, desde a Federação Internacional de Esgrima até o Triatlo Mundial e a Associação Aquática Europeia.

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“A principal razão para essas entidades terem se mudado para Lausanne foi a proximidade do COI, o que aumenta suas chances de nomeação como um esporte olímpico oficial”, afirma Chappelet à SWI swissinfo.ch.
Além disso, há instituições de apoio, como a Corte Arbitral do Esporte e a Agência Internacional de Testes, que implementa programas antidoping para as federações.
Outros grandes nomes incluem a FIFA, que se mudou de Paris para Zurique em 1932, e a UEFA, que levou sua sede para Berna em 1959, antes de se transferir para a cidade suíça de Nyon.
As autoridades suíças adicionaram outros incentivos em forma de generosas isenções fiscais e de uma aplicação mais flexível do código jurídico, designando essas entidades como “associações privadas” com a liberdade de operar de forma independente.
Nem tudo é simples
Para as federações desportivas internacionais, a Suíça apresenta algumas desvantagens em termos de localização, como por exemplo os custos com recursos humanos e acomodação, que são mais altos do que na maior parte dos outros países.
A contabilização de despesas em francos suíços e a geração de receitas em dólares representam também desafios financeiros, especialmente porque o franco tem se valorizado em relação ao dólar nos últimos tempos.
“As federações sediadas na Suíça estão tentando segurar os custos no nível mais baixo possível, para que possam repassar o dinheiro aos membros de base, mas o custo de vida na Suíça está aumentando constantemente”, informa Chappelet.
Os escândalos de corrupção no COI e na FIFA também forçaram a Suíça a ceder à pressão do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa e a endurecer seu código legal em 2015.
As organizações esportivas na Suíça estão agora sujeitas a sanções criminais por suborno e os funcionários do alto escalão são designados como pessoas politicamente expostas, o que obriga os bancos a ficarem atentos a transações suspeitas.
No entanto, segundo Chappelet, as condições na Suíça ainda são favoráveis quando comparadas às de outros países europeus.

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“O sistema jurídico suíço evoluiu na última década, mas continua muito flexível. Há apenas 20 artigos legais que abrangem diretamente as sedes das organizações esportivas, e muitos deles não são compulsórios”, explica o especialista.
As federações vão permanecer na Suíça?
Nos últimos anos, algumas federações demonstraram o desejo de se estabelecer fora da Suíça.
A FIFA transferiu algumas unidades administrativas para Paris, Miami e Cingapura, gerando suspeitas de que ela se afastaria completamente de Zurique. A Federação, contudo, afirma que pretende manter sua sede na Suíça, argumentando que a abertura de escritórios em diferentes países simplesmente ajuda a manter um melhor contato com as diferentes regiões do mundo.
A World Aquatics está em processo de mudança de Lausanne para Budapeste. A seguir, ela deve manter apenas um pequeno escritório na Suíça. Seu presidente, Husain Al-Musallam, argumentou que a Suíça seria muito cara para uma federação com caixas deficitários.
“Quando um presidente decide se mudar para outro lugar, é muito difícil se opor à sua vontade”, observa Chappelet. “Mas sair da Europa é complexo, porque a região continua sendo o principal centro global da administração esportiva”, completa.
“Pode ser que isso não fique assim para sempre, dadas as mudanças geopolíticas [especialmente a influência crescente da China], mas é difícil prever um movimento em massa de federações esportivas nos próximos dez anos”, conclui o especialista.
O que a Suíça tem a perder?
O benefício intangível mais importante para a Suíça é atrair federações internacionais com influência global e grandes orçamentos. Suas decisões de se estabelecer na Suíça também reforçam a imagem de neutralidade do país.
Apesar da baixa tributação sobre as federações esportivas internacionais, a Suíça se beneficia materialmente, por outro lado, ao sediar tais entidades.
Um relatório de 2021 da Academia Internacional de Ciência e Tecnologia do Esporte (AISTS) revelou uma recompensa econômica anual de 1,68 bilhão de francos suíços para a nação anfitriã a cada ano entre 2014 e 2019.
O rendimento incluiu as despesas das federações e de seus visitantes na Suíça, alguns impostos e também um aumento no turismo gerado por atrações como os museus da FIFA e dos Jogos Olímpicos. Os principais beneficiários foram Lausanne e o cantão de Vaud, onde fica a cidade.
ATUALIZAÇÃO: no dia 25 de março, um tribunal suíço confirmou a inocência de Sepp Blatter e Michel Platini, que haviam negado as acusações de corrupção.
Edited by Virginie Mangin/dos
Adaptação: Soraia Vilela

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