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Voluntários da guerra contra Franco são reabilitados

Milicianos das Brigadas Internacionais desfilam em Madrid durante o assédio das tropas nacionais na Guerra Civil Espanhola. (Foto sem data.) Keystone

A Câmara de Deputados aprovou nesta terça-feira (2/12), por 123 votos a 23, a reabilitação dos 800 suíços que foram condenados pelo combate ao fascismo na Espanha. O projeto de lei ainda precisa passar pelo Senado.

Historiadores e grupos que defendem a reabilitação saúdam a decisão, com a qual o governo suíço começa a saldar uma dívida com os que defenderam uma república democraticamente legitimada.

“A anulação coletiva das condenações é um procedimento muito sensível porque só atinge as pessoas que, na ocasião, foram afetadas por essas sanções. A reabilitação geral e abstrata é uma medida suficiente para os descendentes porque sabem agora que estão suprimidas as condenações”, declarou à swissinfo Ralph Hug, da associação dos voluntários suíços que combateram o regime de Franco na Guerra Civil Espanhola (IG Spanienfreiwillige).

Fundada há dois anos em Zurique, a entidade ficou satisfeita com o processo de reabilitação, embora tivesse esperado que o Estado fosse mais longe e contribuísse mais com a conscientização histórica, um aspecto não contemplado pelo projeto de lei, que deve ser aprovado também pelo Senado, em março de 2009.

Segundo Hug, biógrafo de Walter Wagner (um dos falecidos “combatentes suíços na Espanha”), a aprovação da lei de reabilitação seria um “grande alívio” para os descendentes. Significaria tirar de seus ombros “o peso das discriminações e desvantagens sofridas pelos combatentes depois da condenação e durante a Guerra Fria”.

Uma reabilitação tardia



A reabilitação dos brigadistas suíços chega tarde, diz Hug. “A Suíça tem uma posição singular no contexto internacional, já que a reabilitação ou anistia chegou muito antes em outros países, em alguns casos inclusive pouco depois do regresso dos brigadistas. Neste sentido, a Suíça teve durante décadas uma grande dívida.”

Esta opinião é compartilhada pelo historiador e especialista Mauro Cerutti, da Universidade de Genebra. “Muitos dos milicianos das Brigadas Internacionais foram exilados de ditaduras, em particular, antifascistas alemães e italianos. Sua situação era muito distinta porque foi gente que se exilou de sistemas ditatoriais”, explica.

“Na Suíça, porém, reinava a democracia. E, apesar disso, os voluntários suíços foram perseguidos severamente pelo Estado democrático. É bom, portanto, que a democracia suíça salde por fim suas dívidas e reabilite seus voluntários.”

Cerutti diz que a demora desse reconhecimento sempre o chocou muito. “A Suíça, apesar de ser um estado democrático, perseguiu e condenou esses voluntários da maneira mais sistemática e severa.”

Gesto valioso



O apoio do governo à iniciativa parlamentar se deveu, em grande parte, à insistência do deputado social-democrata e sindicalista Paul Rechsteiner.

Para Mauro Cerutti, “a reabilitação é puramente simbólica. Houve mais de 400 voluntários que foram condenados pela Justiça militar. E a metade também foi privada de seus direitos cívicos. Já não é mais possível desfazer isso. Não houve indenizações”, explica.

“Com esta reabilitação se reconhece que o combate dos voluntários suíços teve seu valor, porque lutaram contra a ameaça do fascismo, que, de certo modo, também afetava a Suíça. Tratava-se de ajudar um regime legitimamente instituído, eleito pelo povo espanhol.”

As investigações históricas demonstraram que, apesar de as brigadas terem sido organizadas principalmente pelo Partido Comunista e pelo Comintern (Internacional Comunista), os voluntários foram à Espanha por decisão própria e por motivos pessoais, adverte Cerutti. “É verdade que houve desempregados entre os voluntários. Não obstante, uma decisão tão dura requeria um ato de valentia”, acrescenta.

Os limites da reabilitação



A reabilitação prevista no projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados refere-se apenas aos combatentes que lutaram na frente republicana; não inclui os suíços que lutaram na Resistência Francesa.

“Houve atos de grande valentia por parte dos combatentes das forças francesas livres de De Gaulle”, observa Cerutti. “Em minha opinião, há certo paralelismo. Portanto, se poderia muito bem estender a reabilitação aos suíços implicados com a Resistência Francesa. Não vejo razão alguma para fazer uma distinção.”

Proporcionalmente, a suíça teve uma das participações mais importantes na Guerra Civil Espanhola. “É o momento de reconhecer o valor deste gesto, que décadas atrás foi negado e castigado. Estou muito contente, apesar de se tratar apenas de um reconhecimento moral e simbólico”, afirma o historiador.

“Espanha e o passado ditatorial”



A rememoração da história recente é uma tarefa que cabe tanto à sociedade civil quanto ao Estado. Nos últimos tempos, multiplicaram-se os esforços para a recuperação da memória por parte de associações civis. Os descentes e parentes dos brigadistas suíços acompanham com muita atenção o atual debate na Espanha sobre a exumação das vítimas do franquismo enterradas em valas comuns.

Segundo Ralph Hug, é um processo com o qual Espanha precisa se confrontar “também no sentido da rememoração histórica do passado ditatorial”. Ele classifica de corajosas as iniciativas tomadas pelas associações civis em prol da memória histórica, às vezes, inclusive contra a vontade das autoridades judiciais.

Hug diz que o Estado espanhol já não se pode ao luxo de silenciar o passado e sim que tem de dar passos concretos para recuperação da memória. E conclui: “Cremos que se trata de um processo irrevogável, apesar do atual debate sobre a competência dos tribunais. É uma questão que a Espanha em todo caso terá que solucionar.”

swissinfo, Antonio Suárez Varela

A Guerra Civil Espanhola começou em 18 de julho de 1936. A mobilização na Suíça em favor dos republicanos espanhóis foi maciça. As autoridades helvéticas, referindo-se à neutralidade do país, baixaram decretos proibindo as organizações de arrecadar dinheiro.

Mesmo assim, cerca de 800 suíços uniram-se aos milhares de voluntários de todo o mundo para lutar contra o regime de Franco. A maioria era formada por comunistas, socialistas, anarquistas e antifascistas sem vinculação política. Entre 1936 e 1939, cerca de 170 morreram na luta contra o fascismo na Espanha.

De volta à Suíça, foram levados aos tribunais militares. Mais da metade foi condenada pelo artigo 94 do Código Penal Militar, que proibia os suíços de se alistar um exército estrangeiro.

A maioria foi condenada a vários meses de prisão. Segundo informações da IG Spanienfreiwillige, só vivem mais cinco brigadistas suíços, dos quais apenas um ainda está em condições de falar.

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