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Uma câmera na mão, e a Suíça na cabeça

Página de abertura do canal Vivendonasuíça, no youtube
Clau Stucki

swissinfo.ch entrou no universo dos youtubers expatriados para entender o porquê de tantos canais de brasileiros que falam da vida na Suíça.

Não é à toa que nas mãos de um brasileiro tem sempre um celular. Brasileiros compõem o segundo maior mercado de internet do mundo, perdendo apenas para os norte-americanos. São usuários assíduos e vorazes, se comparados aos europeus, que mantêm uma certa distância, preservam a intimidade e evitam a exposição em redes sociais e vídeos. 

Segundo dados do próprio YouTube, publicados em 2017 pelo Google no documento YouTube Insights, 95% da população brasileira online acessa a plataforma pelo menos uma vez por mês, e 96% dos jovens brasileiros entre 18 e 35 anos assistem a vídeos no YouTube. Destes, 86% dizem escolher o YouTube por ser o lugar onde encontra mais conteúdo – de graça – sobre temas de seu interesse. A audiência é muito maior que as das TVs abertas e a cabo. E só deve crescer. 

Brasileiros não apenas assistem a muitos vídeos no YouTube como produzem muito conteúdo. Tem de tudo, de tutoriais de beleza a debates sobre futebol, canais sobre games, de humor e uma infinidade de canais de viagem. Dentro do tema viagens, um subtema domina: como é morar fora. São centenas de canais de brasileiros que funcionam como fonte de informação para quem quer morar fora e entretêm ao mostrarem a rotina de suas vidas no estrangeiro, principalmente nos EUA, Japão, Alemanha e Itália. E é claro que a Suíça não ficaria de fora. Brasileiros que moram aqui produzem conteúdo audiovisual sobre o país como nenhum outro grupo estrangeiro. 

Monotemáticos variados

São mais de vinte canais diversos, com um tema principal: como é a vida na Suíça. O canal com maior número de inscritos (quase 190 mil) apresenta mais entretenimento do que informações práticas. Em Cacau SchwarzLink externo, a divertida dona de casa Carla Schwarz fala sobre maquiagem, cabelos, cuidados da pele e faz inúmeras reflexões sobre a vida. Carla ainda tem um outro canal, o Cacau Schwarz Ao VivoLink externo, onde simplesmente liga a câmera (do celular) e mostra o que está fazendo, enquanto conversa com os espectadores que enviam mensagens. 

Pode ser enquanto coloca roupas para lavar e secar, cozinha, faz limpeza na casa, cuida do jardim ou dirige até o supermercado. É um reality show de sua vida na Suíça. Algumas ‘lives’ têm uma hora e meia de duração e em alguns dias, Cacau chega a publicar quatro ou cinco lives. Outros canais de donas de casa que mostram seus cotidianos são o de Katiucia Coutinho (Minha vida na SuíçaLink externo) e o quase homônimo Uma vida na SuíçaLink externo, de Lisa More. 

Página do canal youtube de Kautiucia Coutinho
Katiucia Coutinho

Apesar do foco ser sempre o mesmo – a Suíça -, as motivações na hora de criar um canal e o modo de fazer os vídeos são bem diferentes. Katiucia Coutinho começou seu canal inspirada nas youtubers que fazem vídeos de maquiagem. Lisa More já tinha um blog onde escrevia sobre a vida na Suíça e, como a grande maioria das blogueiras, migrou para o conteúdo em vídeo.

Clau Stucki, do Vivendo na SuíçaLink externo, foi uma das primeiras a criar um canal com conteúdo referente à vida na Suíça, em 2013, mesma época em que Cacau Schwarz e Katiucia Coutinho entraram no YouTube. 

“Meu interesse inicial foi fazer um canal para informar mulheres que, assim como eu, tivessem alguma dificuldade em receber informação, que não soubessem como as coisas funcionam por aqui, ou que talvez já estivessem aqui mas, sem dominar o idioma, ainda não soubessem de muitas coisas como eu mesma não sabia e tampouco encontrava alguém disposto a me informar.” 

No canal, gravado com câmera de celular, Clau Stucki apresenta vídeos com muitas dicas de deveres e direitos na Suíça, como, por exemplo, direitos das mulheres, como funcionam os planos de saúde, vistos de estudantes e outras questões práticas.

Antídoto contra a solidão

Já para Elisa Barradas, também uma das pioneiras no YouTube e que vive na Suíça há dezessete anos, a motivação para criar um canal foi outra. “A ideia começou quando tive a minha segunda filha e me sentia muito sozinha. Eu já tinha um blog em 2013 onde escrevia sobre peso, auto-aceitação e auto-estima, já que sou gorda, e fiquei mais ainda depois das minhas duas gravidezes. Mas as pessoas no blog sempre me pediam para falar sobre como era ser imigrante na Suíça. Assim, em 2014, acabei criando meu canal no YouTube, o Elisa do Abafa e DesencanaLink externo.” 

No canal, Elisa Barradas fala sobre assuntos variados: dicas de moda ‘plus size’, beleza, resenha de produtos, viagens e, claro, sobre cidadania na Suíça. 

O que faz alguém decidir a que vídeo assistir?
– 46% respondem que tem que ser relevante
– 39% dizem que o vídeo tem que ser envolvente
– 30% escolhem um vídeo por ele ser autêntico

Além disso,

– o YouTube tem mais de 94% de penetração nas classes A, B e C
– 96% dos jovens de 18 a 35 anos acessam o YouTube
– 60% das pessoas acima de 36 anos que consomem conteúdo de música, gastronomia, moda & beleza, gaming e futebol no YouTube, acessam a plataforma uma vez ou mais por dia
– 4 em cada 10 consumidores de YouTube se conectam à plataforma entre 17h e meia-noite.

Fonte: Pesquisa Google e REDS com consumidores brasileiros online – maio de 2017)

A engenheira de software, Liana Soares, é dona do canal Ela é AmericanaLink externo, onde faz uma mistura de vídeos pessoais com vídeos mais informativos sobre questões pertinentes à vida na Suíça. Liana, ao contrário da maioria, veio à Suíça a trabalho.

Formada em Ciência da Computação, já chegou aqui com emprego, em 2009, e um conhecimento básico do alemão que estudara ainda no Brasil. Anos mais tarde teve um filho e hoje é uma mãe solo que trabalha 90%. Em vários vídeos ela mostra a rotina de mãe (de filho pequeno) que trabalha e dá valiosas informações, como por exemplo, como funcionam as creches na Suíça. 

“A ideia de criar um canal foi para otimizar o conteúdo que eu posto no meu blog homônimo, e criar vídeos de recordações (viagens, etc.) para mim mesma. Uso uma câmera Sony RX 100 M5, um tripé, uma luz e o meu telefone celular para filmar. Gravo nas horas vagas, nos fins de semana. Como trabalho, não tenho muito tempo sobrando para gravar, mas não determino uma quantidade de horas específica, pois é um hobby. Se tem dia que estou muito disposta, gravo uns três vídeos de uma vez. Se não estou, passo dias sem gravar nenhum.”

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Entre tantas mulheres, alguns homens também

Hadriel Peters, do canal Estrangeiro Bem Aventurado, faz parte da minoritária ala masculina de youtubers brasileiros que falam sobre a Suíça e mais minoria ainda, é cristão praticante. 

Sobre os motivos que o levaram a montar um canal, Hadriel, que trabalha na área de tecnologia da informação em um grande banco suíço, cita e agradece a igreja evangélica (ele frequenta a igreja em Língua alemã): “através da igreja que frequento estive desde o início rodeado de amigos que me apoiaram nessa caminhada, mas existem aqueles (a grande maioria) que caminham sozinhos e para esses eu criei, em maio de 2017, meu canal, Estrangeiro Bem AventuradoLink externo.”

“Sempre falava de estrangeiros que me inspiravam, como José no Egito ou Daniel na Babilônia. Eles mantiveram suas raízes mas aprenderam a língua, os costumes e por causa disso foram colocados acima dos reis. Eu fiz a mesma coisa e deu bastante certo, e sempre que ouvia brasileiros falando mal do país, ou dizendo que não queriam aprender a língua, dava a minha opinião. Muitos concordavam, outros não. Hoje faço a mesma coisa no canal.”

São poucos os canais feitos por homens se comparados à quantidade de canais produzidos por mulheres. Além do canal de Hadriel, Alex LubaLink externo e Rafael NaunkLink externo publicam vídeos sobre suas vidas na Suíça. 

A baixa masculina em 2018 ficou por conta de Jair José Pereira, caminhoneiro brasileiro que viveu dois anos na Suíça e publicou vários vídeos de sua rotina nas estradas em seu canal, Diário de bordo de um caminhoneiroLink externo, o maior de todos os canais que já mostraram a vida cotidiana na Suíça, com mais de 200 mil inscritos. Jair voltou ao Brasil em 2017 e agora mostra a rotina nas estradas brasileiras, mas todos os vídeos referentes à Suíça estão disponíveis no canal. 

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Público além das fronteiras

Engana-se quem acredita que só brasileiros que vivem na Suíça, e se identificam com o conteúdo, assistem aos vídeos dos compatriotas que têm canais por aqui. Em tempos de crise, grande parte do público desses canais é de brasileiros ou portugueses que pensam em emigrar para a Suíça. 

“Noventa por cento dos inscritos no meu canal são provenientes do Brasil e eles têm muito interesse em saber como é a vida aqui na Suíça. Recebo dezenas de mensagens e e-mails pedindo ajuda e informações sobre como vir para cá, como trabalhar aqui e como casar com um suíço”, revela Elisa Barradas. 

“Recebo muitos e-mails e mensagens diretas de pessoas pedindo dicas para vir morar na Suíça, e sinto sim que alguns me têm como espelho e porto seguro porque são mensagens de desabafo, enquanto outros me dizem que queriam ter a minha coragem para se mudar para outro país”, conta Lisa More. 

Clau Stucki confirma: “Acho que em todos os canais de youtube onde o tema seja a Suíça, a maioria dos seguidores que nos fazem perguntas e mandam mensagens são pessoas que desejam viver aqui.” Segundo Hadriel Peters, “a grande maioria do meu público ainda vive no Brasil, são homens entre os 25 e 34 anos que buscam informações sobre a vida na Suíça e querem colocar na balança as vantagens e as desvantagens de se morar aqui. Por isso busco ser o mais realista possível.”

Cada youtuber brasileiro residente na Suíça têm particularidades e personalidades, assim como histórias de vida, muito diferentes, mas todos têm algo em comum: nenhum deles têm a ilusão de viver apenas do YouTube. 

“Retorno financeiro já tenho um pouquinho por mês (mais ou menos 150 francos), mas nem tiro da conta já que ainda é pouco. Não espero viver do canal, mas se acontecer ficarei feliz”, revela Katiucia Coutinho. 

Liana Soares também é da turma sem grandes expectativas: “Nunca fiz blog nem vídeos esperando retorno financeiro. Faço pelo prazer de fazer, pelo retorno das pessoas e pela produção de conteúdo em si. Não tenho planos de viver de canal, mas se o canal está crescendo, que bom. Também não teria graça fazer o conteúdo para ninguém assistir.” Clau Stucki é bem direta: “viver de canal do YouTube é igual ser jogador de futebol e modelo fotográfico: existem milhares, mas os que realmente têm êxito e podem viver disso são bem poucos.”

Se você pensa em montar um canal no YouTube, preste atenção: câmera de celular, GoPro, drone, lentes diversas – não importam os instrumentos, o mais importante é o conteúdo e como os equipamentos de filmagem são usados.


Para ganhar dinheiro com o YouTube:
 – Monetize seus vídeos e configure o Google AdSense. Google AdSense é uma plataforma do Google que distribui – para o Youtube, gmail e sites – os anúncios patrocinados por empresas que investem em marketing digital. Quanto mais visualizações nos vídeos e, de quebra, nos anúncios, mais dinheiro ganho (parte da renda com anúncios fica com o YouTube, claro). Os algoritmos de monetização funcionam também pela frequência de vídeos postados. Mais vídeos por semana, mais atenção, mais renda gerada pelos anúncios.

– Assim que seu canal crescer um pouquinho, busque patrocínios e parcerias: empresas pagam para youtubers que têm seguidores fiéis falarem de seus produtos. Fala sobre maquiagem? Talvez interesse a alguma empresa de maquiagem parceria paga para promover seus produtos em seus vídeos. Mande e-mails para os departamentos de marketing, não custa tentar. Não se esqueça que empresas patrocinadoras irão cobrar resultados.

– Produza produtos referentes ao seu canal: de camisetas a produtos de beleza podem ter “a cara” do canal, para isso é preciso ter um público cativo e espírito empreendedor.


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