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A luta para salvar a língua franco-provençal

Evolène é o único vilarejo na Suíça onde ainda se fala um dialeto do francês. Keystone

Francês é o segundo idioma mais falado na Suíça. Porem a maior parte população francófona falava de uma forma bem diferente há duzentos anos.

O que era falado na época? A resposta: eles usavam dialetos de um grupo linguístico conhecido como língua franco-provençal, hoje praticamente desaparecidos. Acadêmicos trabalham agora contra o relógio para recolher informações sobre esses dialetos, enquanto entusiastas fazem de tudo para mantê-los vivos.

Tradicionalmente muitos consideram que o “patois”, como são denominados os diferentes dialetos, seria o “francês ruim” – uma noção descrita por Andres Kristol, diretor do Centro de Estudos de Dialetos na Universidade de Neuchâtel como “evidentemente absurda”.

“Nossa antiga língua é tão interessante e bem estruturada como o reto-romano no cantão dos Grisões”, afirma, acrescentando também que o dialeto é tão diferente do francês como o reto-romano o é das outras línguas.

Embora, como o francês moderno, a língua franco-provençal deriva em ultima análise do latim, ela pertence a uma diferente subfamília. O único dialeto relacionado ao francês e falado na Suíça é do cantão do Jura (veja coluna à direita).

Proibição

As primeiras tentativas de banir o dialeto foram feitas no Jura – cantão que nessa época fazia parte do bispado da Basileia – na segunda metade do século 18. Outros cantões proibiram seu uso nas escolas ao longo do século 19. Mas a velocidade com que seu declínio ocorreu varia consideravelmente.

“As pessoas começaram a se envergonhar de falar o dialeto, que era como se fosse uma espécie de língua inferior”, lembra Jean-François Gottraux, um suíço que ajuda a editar a página na Internet relativa ao “Patois” (dialeto) do cantão de Vaud. Nele o dialeto deixou completamente de existir.

Placide Meyer, que vive na região do Gruyère, no cantão de Friburgo, um importante reduto do dialeto francófono no país dos Alpes, minimiza essa proibição. “Sessenta anos atrás, quando estava na escola, todo mundo, sem exceção, falava o patois. Ninguém tinha complexos por isso”, conta.

Não é coincidência que os cantões católicos da parte francófona – Friburgo e Valais – tivessem mantido o patois por mais duas gerações, acrescenta. Eles continuaram por muito mais tempo mantendo seu caráter agrícola, com os habitantes isolados nas montanhas das influencias externas.

A industrialização nos cantões protestantes – Vaud, Neuchâtel e Genebra – é que trouxe gente de fora. Kristol explica como o afluxo em massa de suíços de língua germânica a partir de 1815 incentivou o predomínio do francês culto. “A ideia é que para melhor assimilá-los seria desejável mudar para o bom francês. A impressão é que esses suíços alemães queriam aprender o francês que, na época, era uma língua internacional.”

Outro fator econômico é que muitos jovens começaram a ir ao exterior para trabalhar como tutores de francês. “Bons conhecimentos de francês se tornaram um item de exportação”, avalia.

Dialeto hoje

Mas foi somente no momento em que os dialetos pareciam estar correndo risco de extinção no final do século 19, que entusiastas começaram a escrever gramáticas e registrar palavras do dialeto, sem esquecer-se de arquivar canções e históricas.

Hoje a grande maioria dos falantes nativos de dialeto – os que o aprenderam ainda como crianças com os seus pais – estão na faixa etária dos sessenta anos.

A única exceção é o vilarejo de Evolène no cantão do Valais, onde o dialeto é a língua materna de grande parte da população, apesar dessas pessoas passarem sem problema para o francês culto nos momentos em que um não falante quer participar da conversação.

Em outras partes, os poucos que ainda falam dialetos e alguns jovens entusiastas se esforçam para mantê-los vivos. Meyer apresentar semanalmente um programa em dialeto em uma rádio local de Friburgo. Normalmente, os locutores dele têm mais de sessenta anos e costumam falar das suas lembranças. O suíço também dá cursos noturnos de dialeto.

“Embora poucas pessoas continuem a falar o dialeto, muitos ainda compreendem”, explica Meyer. Por isso ele acredita que seu programa de rádio tem um grande potencial de ouvintes.

Já Anne-Marie Yerly ajuda atualmente a compilar um dicionário do dialeto falado na região do Gruyère e escreve uma coluna semanal no jornal local.

Ela enfrentou uma dificuldade inesperada de coletar palavras e termos. “Todas as pessoas que começaram a escrever em patois nos anos 1920 eram antigos padres, homens e camponeses idosos. Eles descreviam os instrumentos utilizados na vida rural, da agricultura e artesanato. Há uma abundância de coisas nessas áreas. Mas quando se trata da família e da mulher, não há praticamente nada.”

Na sua coluna semanal, ela teve de encontrar um meio de falar de coisas que não existem no cotidiano dos seus pais. Ela tenta transformar frases de modo a evitar adaptar palavras do francês. Ao invés de falar de e-mail, ela prefere falar em “mèchôdzo” – uma mensagem. O equivalente no dialeto para a expressão “Eu chamei você” e a forma de evitar utilizar neologismos como “telefonou”.

Gottraux, no cantão de Vaud, vê a mesma tendência. Ele conta à swissinfo.ch que, ao invés de adaptar do francês a palavra “voiture” (carro), algumas pessoas preferem falar em “carrinho à gasolina”, ou “tsè à petrole”.

Mas embora ele tenha percebido um certo surto de curiosidade, lembrando que algumas pessoas têm até orgulho de dizer que conhecem algumas palavras, para a maior parte delas é nesse momento em que param. “As pessoas têm muitas outras coisas para fazer e aprender o patois custa muito tempo.”

Herança

Gottraux é um exemplo incomum de alguém que aprendeu o dialeto como adulto e por puro interesse. Em todo caso, pelo menos ainda havia um dialeto a aprender.

Joël Rilliot é um exemplo ainda mais especial: o último falante de dialeto no seu cantão, Neuchâtel, morreu em 1920. Mas, em busca de suas raízes, ele decidiu tentar ressuscitá-lo. Sua família sempre soube que ele é “um pouco louco”, admitiu. “Eu só falo patois aos meus filhos. Nunca o francês.“

Aprender o patois abriu seus olhos à historia da população simples no cantão e ajudou-o a compreender sua bagagem cultural. Como linguistas acadêmicos trabalhando na pesquisa dos dialetos, Kristol e sua equipe podem utilizar as informações obtidas de pessoas que aprenderam naturalmente os dialetos ainda como crianças. “Amadores que estão tentando fazer reviver os dialetos têm pouco a nos ensinar, infelizmente.”

“É muito louvável que as pessoas tentem preservar seu patrimônio – por meio de jogos e músicas, por exemplo – mas quando eu falo com eles, descubro que todas elas pararam de falar a língua com seus próprios filhos”, afirma e conclui: “Ela não é mais transmitida. Isso é o fim de uma língua.”

O franco-provençal (arpitan) é uma língua galo-românica sem uma norma ortográfica unificada e marcada por uma razoável quantidade de dialetos.

Os dialetos franco-provençais que se falaram na França na região de Lyon, Grenoble e Jura desapareceram, mas na Suíça e na Itália sobreviveram.

Atualmente são falados nas regiões de Saboia e no oeste da Suíça (Vaud, Neuchatel, Valais), assim como no Vale de Aosta.

Os limites do franco-provençal são bastante incertos, sobretudo no norte; na parte ocidental do Franco Condado, de Poligny a Vesoul, os dialetos são predominantemente borgonheses (franceses, portanto); mais ao sul, a região de Saint-Claude fala dialetos franco-provençais. (Texto: Wikipédia em português)

Alguns falantes de dialeto se esforçam para não deixar morrer seu idioma.

O trabalho compreende, dentre outros, a compilação de dicionários e gramáticas.

Uma rádio privada no cantão de Friburgo produz semanalmente um programa em dialeto.

Em 2007, um dos livros do personagem Tim Tim foi publicado em dialeto do francês da região do Gruyère.

Diferentes associações de dialeto do francês têm páginas na internet.

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