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Programa da ONU não passa de boas intenções

O Haiti foi um dos principais países a receber ajuda do programa da ONU. Thomas Kern

Em 2015, a ONU pretende lançar um ambicioso programa de "desenvolvimento sustentável" que irá ampliar e melhorar os oito Objetivos do Milênio. Mas o que resta desse programa mundial contra a pobreza? Três especialistas em economia do desenvolvimento respondem.


A mobilização começou em 2000 quando 189 Estados membros da ONU aprovaram uma Declaração do Milênio proclamando a vontade dos signatários de combater a pobreza no mundo. Um compromisso não vinculativo emoldurado por oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

A consultora Nina Schneider, antiga responsável em políticas de desenvolvimento da Alliance Sud (uma coligação de ONGs suíças), saúda o princípio da abordagem: “Os ODM conseguiram mobilizar governos e a sociedade civil em todo o mundo em favor de uma lista de prioridades sociais importantes. Metas mensuráveis e com prazos (2015) foram utilizadas para melhorar os serviços na luta contra a pobreza”.

Professor em economia do desenvolvimento do Instituto de Estudos Internacionais e Desenvolvimento (Instituto de Pós-Graduação IHEID, de Genebra), Jean-Michel Servet lembra o contexto desta iniciativa da ONU: “Nos anos 90, o desenvolvimento estava baseado em grande parte na política neoliberal (com base no Consenso de Washington). Verificou-se que a atribuição da ajuda ao desenvolvimento com base nestes princípios teve efeitos catastróficos, aumentando a pobreza. Os ODM ajudaram a tomar consciência de que os mercados não poderiam resolver todos os problemas relacionados com a pobreza”.

Com seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a ONU e seus membros conseguiram reverter a tendência? Nada é menos certo.

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A pobreza e seus múltiplos fatores

O primeiro objetivo decidido em 2000 era reduzir pela metade o índice de pobreza extrema. “Graças ao crescimento econômico da China, os países em desenvolvimento conseguiram reduzir pela metade, já em 2010, o índice de pobreza em relação a 1990”, diz Nina Schneider.

Professor do IHEID, Jean-Louis Arcand é ainda mais cético: “Como economista do desenvolvimento com bastante experiência prática, eu e muitos colegas questionamos a utilidade deste tipo de declaração de boas intenções, pois sabemos que isso não passa de uma ilusão”, diz.

“Tomemos por exemplo a definição de extrema pobreza do Banco Mundial (BM), ou seja 1,25 dólar por dia, vamos nos concentrar naqueles que ganham menos do que esse valor. Mas o que vamos fazer com aqueles que recebem 1,80 e um pouco mais? Temos tendência a se concentrar em categorias com base em uma característica, quando na verdade a situação que ela abrange é muito mais complexa”, explica Arcand.

“Para que um programa de luta contra a pobreza funcione, é necessário incluir a classe média. Isso para que ela não paralise o programa, como vimos na Argentina. Além disso, os ODM não falam nada da desigualdade e da redistribuição”, conclui o professor.

Mais crítico ainda em relação ao sistema econômico atual, seu colega Jean-Michel Servet acrescenta: “O que não quiseram ver é que a pobreza é fundamentalmente determinada pelas desigualdades e discriminações. Se não lutarmos contra as discriminações, temos uma reprodução da pobreza”.

Nina Schneider diz ainda: “Os ODM também foram impedidos pela política dominante dos países industrializados desde a década de 1990. Esta política consiste em impor regras comerciais que lhes são favoráveis e globalizar os mercados financeiros desregulamentados. Isso tem dificultado o desenvolvimento de muitos países pobres, mergulhou o mundo na pior crise econômica desde a década de 1930 e ultrapassou os limites ecológicos do nosso planeta”.

Sem seguir essa crítica radical da economia, Jean-Louis Arcand aponta para o funcionamento da ONU: “Quando se decide metas em salas de comissões de Nova York ou Genebra, isso cria incentivos que são às vezes completamente pervertidos. Eles se concentram em alguns objetivos que, por razões políticas ou outras, negligenciam os outros. Isso pode perverter a implementação de vários programas por causa da estreiteza dos objetivos decididos”.

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Os limites da ajuda ao desenvolvimento

Contudo, a ONU fala de uma série de avanços. “Um progresso considerável foi feito para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e vários alvos específicos foram alcançados em uma escala global, e em alguns países”, disse o secretário-geral da organização, Ban Ki-moon, em seu relatório sobre os ODM em 2013.

“Os esforços concertados de governos nacionais, da comunidade internacional, da sociedade civil e do setor privado permitiram dar esperança e oportunidade para as pessoas ao redor do mundo”, sublinhou o Secretário-Geral no relatório de 2014.

Uma afirmação que não convence Jean Louis Arcand: “Nenhum país do mundo saiu da pobreza através de programas de ajuda financiados pelo Banco Mundial de Desenvolvimento ou a União Europeia. Os países que estão conseguindo são aqueles onde o setor privado e o ambiente institucional foram consolidados. Não é um orçamento de ajuda ao desenvolvimento que vai colocar um país em crescimento”.

Grande financiador de programas de desenvolvimento, o Banco Mundial (BM) e suas extensões regionais têm investido muito na implementação dos ODM, como lembra Nina Schneider: “Como acontece com muitos grandes doadores de capital, essas instituições financeiras desempenham um papel importante na seleção, no financiamento e na avaliação dos programas. Elas são capazes de punir os países que se recusam a implementar os seus princípios e medidas. Mas elas pouco contribuem para uma partilha equitativa a nível internacional ou para a justiça fiscal, comercial e financeira”.

Falta de recursos financeiros

Jean Michel Servet enfatiza o peso exorbitante dos agentes financeiros: “Todos agem de modo que haja um imposto mínimo. Se não houver um retorno a um certo nível de imposição, não vejo como resolver os problemas identificados pela ONU. Não é o mercado que produz a democracia, mas o imposto, desde que as assembleias parlamentares decidam. Como desenvolver a democracia enfraquecendo o Estado, reduzindo a mordida fiscal?”

Na verdade, os países que normalmente financiam programas de desenvolvimento estão relutantes em aumentar o seu contributo. O que lança uma sombra sobre as próximas metas a serem adotadas pelos membros da ONU no próximo ano, um novo catálogo cuja pedra angular será o desenvolvimento sustentável.

Nina Schneider quer acreditar na utilidade dessas novas metas: “Uma agenda de desenvolvimento global pós-2015, que leva em conta as disparidades sociais e os limites do planeta, oferece a oportunidade única de ir além das deficiências óbvias dos ODM. Esta agenda deve se basear tanto nos direitos humanos internacionais, como nos princípios da Rio 92. Sem essa agenda, o mundo irá no sentido de uma desestabilização social e ecológica cujas implicações sociais serão difíceis de gerir politicamente”.

Em negociação, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) parecem apontar nessa direção. Incapaz de garantir a paz no mundo, a ONU põe em jogo sua credibilidade em matéria de desenvolvimento.

Novos Objetivos do Milênio

Durante a 69ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que abre em Nova York, em 16 de setembro, um grupo de trabalho deverá se reunir para fazer um balanço das negociações sobre os “objetivos de desenvolvimento sustentável”.

Este novo catálogo de medidas deverá ser adotado em uma cúpula mundial para marcar a próxima reunião geral da organização, em setembro de 2015.

Criado em 2012, o grupo de trabalho é composto por representantes de 30 países. A Suíça divide um assento com a Alemanha e a França.

Fonte: ONU

Adaptação: Fernando Hirschy

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