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Facebook: a Suíça também é vulnerável a manipulações

A sombra de Mark Zuckerberg
Desde as revelações sobre a extensão dos abusos da Cambridge Analytica com dados de usuários do Facebook, a empresa de Mark Zuckerberg encontra-se sob fogo cerrado nos EUA, na Inglaterra e na Europa. 2018 The Associated Press

Em meio ao escândalo envolvendo dados de usuários do Facebook e manipulação pela firma Cambridge Analytica, o oficial encarregado da proteção de dados do cantão de Zurique disse que tal cenário também é possível na Suíça. Será mesmo?

Em entrevista ao jornal Tages-Anzeiger, publicado na quarta-feira, Bruno Baeriswyl alertou que a manipulação psicológica em massa do comportamento dos eleitores também pode acontecer na Suíça; ele mencionou especificamente as próximas eleições federais.

“Após as campanhas de Obama e Trump, vários consultores dos EUA vieram à Suíça para divulgar as novas possibilidades de campanha”, disse ele, sem dar nomes. “Eu não ficaria surpreso se virmos tais fenômenos nas próximas eleições nacionais de 2019.”

Baeriswyl, “espantado” com a extensão da interferência, criticou a falta de transparência em torno dos dados de usuários do Facebook, bem como os longos e opacos “termos e condições” que devem ser aceitos quando se cria um perfil.

Na verdade, disse ele, dado que os termos de consentimento não podem ser evitados, eles podem ser vistos como “inválidos”. Mas não há como contestá-los sob a lei suíça, mesmo com a Lei Federal de Proteção de Dados (atualmente em revisão); “Você teria que processar sob a lei californiana [onde fica a sede do Facebook]”.

Micro-segmentação na Suíça

Paul-Olivier Dehaye, chefe do grupo de proteção de dados PersonalData.IO, com sede em Genebra, disse à swissinfo.ch que concorda com Baeriswyl sobre a natureza da ameaça, mas não necessariamente sobre como combatê-la.

Tendo passado alguns anos monitorando as atividades da Cambridge Analytica (Dehaye colabora ativamente com a publicação de língua alemã Das Magazin – que circula nas edições de sábado do jornal Tages Anzeiger – para revelar a extensão dos vazamentos de dados), ele avalia que a Suíça é tão vulnerável quanto outros países.

O problema, como ele vê, é de ignorância geral. Os usuários não entendem mais o complexo ecossistema de informações que os cerca, nem sabem em quem confiar. O Facebook construiu uma infraestrutura que não pode gerenciar; e as autoridades não estão aplicando as leis existentes com rigor suficiente.

Utilizando-se dessa brecha, os consultores políticos e estrategistas oportunistas, segundo ele, podem não estar operando em larga escala na Suíça, como fez a Cambridge Analytica no Reino Unido e nos EUA – mas eles estão certamente criando campanhas on-line para direcionar micro-segmentos específicos da população votante.

Tais práticas foram o foco de uma investigação recente da revista RepublikLink externo de Zurique (em alemão) sobre uso de dados supostamente ilegais por parte de, entre outros, partidos políticos suíços e defensores de uma campanha para abolir a taxa de licenciamento para transmissão pública de rádio e TV (rejeitada pelos eleitores no início deste mês).

Os criadores dessas campanhas não só têm como alvo grupos específicos no Facebook, afirma o artigo, mas também “marcam” os usuários que visitam seus sites de campanha, antes de seguirem seus hábitos de navegação on-line – violando, portanto, a Lei Federal de Proteção de Dados.

E mesmo além do impacto concreto de tal prática de micro-marketing, sobre os quais os estudos acadêmicos ainda encontram-se inconclusivos – Dehaye calcula que meras “dúvidas” sobre a manipulação dos eleitores podem atrapalhar os procedimentos democráticos. Durante o referendo catalão, por exemplo, as acusações de intromissão russa minaram muitas campanhas on-line legítimas do lado pró-independência.

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Retomando o controle?

Para enfrentar a ameaça na Suíça, Dehaye diz que é importante dar aos usuários as chaves para entender em quem confiar e quem não dentro da web. Isso envolve programas de educação focados em alfabetização e direitos digitais, bem como uma aplicação mais forte da lei existente.

Adrienne Fichter, especialista em mídia digital e jornalista da Republik, avalia que a adoção dos termos do Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE seria um bom começo. No entanto, a Suíça está atualmente interessada em manter os termos de sua própria legislação de dados.

O problema da lei suíça, ao contrário da proposta européia, é que ela não prevê a chamada “portabilidade de dados”, ou seja, um termo que permitiria aos usuários assumir o controle e a propriedade de seus próprios dados produzidos online. No entanto, uma mudança dessa envergadura, empoderando dos usuários em detrimento das empresas de tecnologia, seria um passo simbólico importantíssimo para reverter os 25 anos de servilismo em que vivem os usuários da Internet (muitas vezes involuntariamente).

Dehaye, ao expressar uma visão mais global, é um tanto otimista quanto ao futuro papel da Suíça: em um mundo onde grandes conglomerados online e a competição geo-estratégica entre nações ditam os termos do debate, a Suíça – e seu polo multilateral de Genebra – poderia brilhar mais. “A Suíça tem uma grande chance de assumir um papel de liderança neste ponto”, diz ele.

Adaptação: Eduardo Simantob

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