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Velejadores suíços constatam que a maré do Rio não está para peixe

Velejadores suíços treinam na Baia de Guanabara, com o Pão de Açúcar e o Corcovado ao fundo. Andrea Mannini

A Equipe nacional suíça de iatistas treina entre os bons ventos e as águas poluídas da baía de Guanabara.  Enfrentam também os incontornáveis problemas de segurança. Os suíços participam da Copa do Brasil, juntamente com outras equipes nacionais, mas de olho nas Olimpíadas de 2016.

A Equipe nacional suíça de iatistasLink externo treina entre os bons ventos e as águas poluídas da baía de Guanabara.  Enfrentam também os incontornáveis problemas de segurança. Os suíços participam da Copa do Brasil, juntamente com outras equipes nacionais, mas de olho nas Olimpíadas de 2016.

O símbolo da Suíça decalcado na vela transforma o barco na bandeira do país. Ela tremula no mastro do classe 470 e do catamarã categoria Nacra, na praia de São Francisco, na baía de Guanabara, em Niterói. Do outro lado da margem, no Rio de Janeiro, a estátua do Cristo Redentor, distante, parece uma miniatura, de braços bem abertos, no alto do Corcovado.  

Debaixo do sol forte e com os pés na areia, os suíços Yannick Braulic e Romuald Hausser, ambos de 26 anos,  fazem os últimos ajustes nos cabos do barco, antes da entrada na água, para mais uma regata da Copa do Brasil. Os nós na escota são feitos com grande atenção. O velame é preparado com muito cuidado.  O trapézio, usado pelo proeiro para equilibrar o barco, é testado em terra firme.

A dupla, afinada desde a Olimpíada de Londres, quando foi décima-sexta colocada, quer almejar a elite e ficar entre oito primeiros, na pior das hipóteses. “Velejamos juntos desde 2009. A escolha pelo 470 foi natural. Uma evolução lógica para uma campanha olímpica porque eu comecei com o Optimist e depois passei para o 420”, diz Yannick Braulic para swissinfo. ch. “Para mim foi diferente. Eu comecei com o 420, fui para a classe Oceano, com barcos maiores e, depois, no final de 2009, embarquei na 470”, completa Romuald Hausser.

Romuald Hausse e Yannick Braulic ao final de um treino com o Classee 470. Guilherme Aquino

Eles estão treinando para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, assim como as suíças Linda Fahrni e Maja Siegenthaler, da 470 feminina e Mateo Sanz Lanz, da prancha a vela.

Todos vieram estudar a raia onde vão ser disputadas as regatas, um ano e oito meses antes da competição. Tempo necessário para ganhar alguma intimidade e confiança com a rosa dos ventos, a fluidez das correntes e as forças das ondas, além da intensidade das marés cariocas.

Estes são elementos que influenciam as decisões estratégicas dos concorrentes numa das mais técnicas e exigentes classes de barco a vela. Torcendo para ninguém adoecer e nem bater numa carcaça industrial qualquer boiando na superfície da água suja da baía.

Poluição

A dupla masculina está entre as 15 primeiras no ranking mundial. O objetivo é ficar entre as 10 melhores, no ano que vem. Mas no caso,  o principal adversário pode ser a própria raia olímpica, mais do que os concorrentes de outros países. 

Os campos de regatas vão ser armados na poluída baia, entre a praia do Flamengo, a ilha da Escola Naval, a boca da barra e em Copacabana, na altura da ponte e as enseadas de Niterói.

“Mal tratada”, a baia recebe 80% do esgoto da cidade. “ A qualidade da água é muito ruim. Ela tem muitos detritos e peixes mortos. Eu tenho um pouco de medo de velejar nesta água suja e sofrer com sérios problemas  de saúde”, diz Yannick Braulic, também atento  com os riscos em terra firme: “ usamos o táxi e evitamos locais perigosos e nos vestimos normalmente, sem nada vistoso”, diz o velejador.

E ele tem razão de sobra para se preocupar. Duas velejadoras inglesas foram roubadas na rua. E, recentemente, numa análise de rotina da água da baía, técnicos da Fiocruz, identificaram uma “ superbactéria”, a KPC, resistente aos antibióticos. Normalmente, ela se apresenta em lixo hospitalar.

Uma vez ingerida, a vítima pode sofrer infecção das vias urinárias, problemas gastrointestinais e pulmonares.  Porém, as autoridades locais tentaram tranquilizar os atletas. Elas divulgaram um comunicado afirmando que a KPC não resiste à luz e nem à água salgada e somente ataca pessoas debilitadas.

Ela foi encontrada e “pescada” em amostras, na praia do Flamengo.

Durante as duas semanas de treinos no Brasil, Yannick Braulic sofreu com a febre e a diarreia por alguns dias.  “E não aconteceu somente comigo, outros velejadores de outros países também ficaram mal. Não sei se foi culpa da água. Tentamos não bebê-la, desinfetamos sempre as mãos depois de velejar e tomamos muitas vitaminas”, conta ele. “A situação piorou. Sinto falta dos lagos limpos de casa”, diz Romuald Hasser

“A água está imunda. Não é a ideal, sem dúvida. Este é um problema sério. Mas é um problema para todos aqui. E já é muito difícil navegar aqui com as correntes e os ventos, muito complicado” diz o suíço Matias Bühler, da classe Nacra, enquanto toma goles de água mineral durante a montagem do seu catamarã, junto com a parceira Nathalie Brugger.

Matias Bühler e Nathalie Brugger, da classe Nacra, treinam na Baía de Guanabara. Guilherme Aquino

Ensaio geral

O técnico da dupla masculina de 470, o italiano Andrea Mannini, diz que é muito difícil interpretar os cinco campos de regata. “Estamos armazenando o maior número possível de dados. Aqui tudo se transforma muito rapidamente, em função dos movimentos das marés e das mudanças repentinas da força dos ventos, entre a barra e o interior da baía, seis nós na altura do Pão de Açúcar e 11 na Ponte”, diz ele para swissinfo.ch.

A participação em competições internacionais faz parte do programa de treinamento dos iatistas. Em novembro eles singravam nas águas cristalinas do mar Vermelho, de Abu Dhabi, na última etapa do Campeonato Mundial.

Em dezembro, foi a vez das águas escuras e poluídas da baia de Guanabara. E já estão de passagens marcadas para Miami, onde irão competir em janeiro de  2015 e depois  voltarão  ao Brasil, em agosto, para o pré-olímpico.

A parte física e psicológica é realizada na Suíça mas o resto da preparação é feita no exterior. “A gente nunca navega nos nossos lagos suíços por falta de tempo. As competições acontecem ao redor do mundo, então temos que treinar onde elas são realizadas. Acho que é fundamental estar no meio dos melhores para incrementar o nosso desempenho“, afirma o velejador Yannick Braulic.

Bons ventos

Quem veleja sabe o quanto  é difícil evitar os borrifos de água na boca e nos olhos, durante a navegação. Ainda mais nas condições ideais de ventos, quase sempre presentes na baia da Guanabara.

Matias Bühler e Nathalie Brugger em plena manobra do catamarã da classe Nacra. Guilherme Aquino

Ele continua: “tudo é muito interessante. Dentro da baia, temos um mar liso mas do lado de fora podem ter ondas grandes. As correntes aumentam os desafios da competição. Durante o tempo da nossa permanência aqui tivemos, quase sempre, bons dias, com ventos suficientes para treinar.”

O timoneiro Yannick Braulic é quem quase sempre toma as decisões a bordo. Ele diz que “cada equipe trabalha de modo diferente. No nosso caso, sou eu, mas é o Romuald quem controla os dados sobre o vento, a corrente etc., nos comunicamos o tempo todo, de maneira fluida, um verdadeiro time de trabalho”. Romuald Hausser completa: “isso mesmo, eu cuido das velas dianteiras, das informações técnicas e dos adversários. Conversamos sempre para que a decisão final seja a melhor.”

A classe 470 exige do iatista uma excelente condição física, uma ótima técnica de navegação e profundos conhecimentos de estratégia e tática de regata. “Os melhores iatistas são aqueles mais consistentes porque possuem maior experiência. Eles têm uma ação para cada condição de vento e, claro, sabem dar grande velocidade ao barco”, conta Yannick Braulic.

Regata

A Copa do Brasil reúne a nata internacional dos iatistas, com campeões mundiais e olímpicos. A oportunidade é especial para medir as forças com os adversários hoje no campo de batalha de amanhã. “Temos que melhorar as nossas táticas e estratégias em alguns tipos de vento. Assim poderemos ter as ideias bem claras para qualquer situação”, diz ele.

O importante é decifrar o campo de regata e dar a resposta mais adequada num mar de variáveis. A tarefa não é simples. O barco 470 é considerado o mais dinâmico, desafiador e emocionante das categorias olímpicas.

A competitividade é grande porque ele pode ser ajustado para todos os velejadores, independente do peso e da estatura. As regulagens garantem um equipamento à altura das características individuais dos iatistas a bordo.

O barco é veloz por natureza. Pode chegar a 10-11 nós de velocidade, contra o vento. E o leme mal toca no mar quando ele “voa” a 20 nós.  A concentração deve ser total. Mas a paisagem carioca representa um sério risco para a distração.  As montanhas sobre o mar são uma maravilha”, diz Romuald Hausser.

Curiosidades

Em fevereiro de 2015, Yannick e Romuald vão passar  monitorar o barco com 60 sensores eletrônicos instalados a bordo para medir o trabalho do casco, do mastro, das velas e do proeiro.

Ao contrário de outras categorias, a classe 470 pode ser muito personalizada, do mastro às velas.

A vela se tornou um esporte de muita resistência física com os últimos regulamentos que dão maior liberdade de movimento a bordo com o corpo.

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