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Uma garrafeira sem grogue na prateleira

José Steiner e sua companheira na sua loja de bebidas em Cabo Verde.
José Steiner e sua companheira na sua loja de bebidas em Cabo Verde. swissinfo.ch

Nascido na Suíça, criado em Portugal, José Steiner se mudou há três anos para Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, onde abriu uma loja de bebidas com sua companheira. swissinfo.ch visitou sua loja para saber mais sobre suas impressões da vida nômade.

No ano de 1995 José Steiner nasceu na pequena vila de Schwellbrunn, onde viveu com a família até aos 10 anos até se mudarem para Romanshorn. Aos 14 anos, os pais decidiram partir para o Algarve.

José Steiner recorda com um sorriso a sua infância em Schwellbrunn: “era um sítio espetacular para uma criança crescer, andar na rua, jogar à bola, correr por aí. No inverno, com a neve, fazíamos esqui. Tudo muito tranquilo”. Em Romanshorn teve contato com uma realidade multicultural, aproximando-se da pequena comunidade portuguesa, “o que facilitou a minha integração, através do futebol e dos portugueses, porque eles foram as primeiras pessoas que eu conheci”.

A sua chegada ao Algarve foi um momento difícil na adaptação a uma nova realidade que ele pensava conhecer, “Falava português apenas com a minha mãe em casa. Ou seja, era o básico. Cheguei à escola e fiquei desesperado, olhava para os professores e não entendia nada. A minha mãe fazia-me decorar as páginas dos livros e assim conseguia passar nos testes”, recorda José.

Contudo, passados esses anos, foi-se adaptando e nos meses de verão começou a pegar seus primeiros trabalhos em restaurantes, bares e discotecas, o que lhe permitiu familiarizar-se mais ainda com o português, assim como aprender inglês e espanhol. Chegou a trabalhar um verão na Suíça, no ramo da hotelaria, mas as suas deslocações ao país converteram-se em visitas.

Num desses verões conheceu a sua namorada cabo-verdiana, que também estava a trabalhar num hotel algarvio. Lívia queria regressar a Cabo Verde quando acabasse os estudos em Portugal. Nessa altura, a hipótese de José ir com ela foi colocada em cima da mesa. “Por que não?”

Cidade da Praia: aos poucos a vida muda

Em Portugal, o nosso entrevistado já tinha contato com diversos cabo-verdianos. “Já tinha algumas referências sobre a cultura porque frequentava a casa deles, as festas, sabia o tipo de conversas que têm, não varia muito daqui para Portugal. Nesse aspeto já estava habituado”, tendo sido mais simples do que pensou.

Rumou a Cabo Verde e esteve um mês na Cidade da Praia para se ambientar e conhecer a família da sua namorada Lívia. Quando voltou a Portugal, percebeu que não tinha nada que o prendesse ao país, por isso fez as malas e partiu definitivamente ao encontro da sua nova vida.

Os seus amigos em Portugal e na Suíça pensaram que a sua mudança era uma ideia louca e que não iria dar certo. Os seus pais apoiaram-no na sua decisão, mas intimamente não acreditaram que pudesse se adaptar ao país. “Acho que as pessoas têm uma ideia errada de Cabo Verde, pensam que é rural e pobre. Claro, há zonas menos desenvolvidas, mas podes encontrar praticamente tudo aqui”.

No início, José Steiner pensou que o facto de ter experiência e formação em turismo, para além de falar alemão, inglês, espanhol e português, fosse facilitar encontrar trabalho nos hotéis locais, mas “90% dos currículos que enviei nem passaram da recepção. Agora, devido à loja, conheci os gerentes da maioria dos hotéis e eles me disseram que nunca viram o meu CV”.

Sem receber retornos teve de encontrar outra solução. Lembrou-se do Algarve e das suas garrafeiras e começou a pesquisar preços na internet, “o álcool é caríssimo, mas mesmo com o transporte e a taxa de importação, permite-me ter alguma margem de lucro”. A ideia ganhou forma e há cerca de 2 anos abriu na Cidade da Praia a Garrafeira Drink.

A Garrafeira

A burocracia foi o primeiro desafio que José Steiner teve de enfrentar. Informações sobre a legislação nem sempre eram claras e há um forte controle à importação e venda de bebidas alcoólicas. Por uma questão de diversidade de oferta e preço, ele costuma importar da Holanda. No entanto, Portugal passou recentemente a também fazer parte da sua rede de países fornecedores porque “não tem de ser em contentor, posso encomendar paletes e torna-se mais fácil gerir o estoque em menores quantidades”.

As bebidas disponíveis na sua loja são principalmente gin, whisky, rum, e vinhos portugueses e cabo-verdianos. Na terra do grogue, as suas prateleiras enchem-se exclusivamente com bebidas importadas. “Há muitas marcas de grogue e não vale a pena pois a margem de lucro é muito baixa”.

Em geral, José vende mais para hotéis, bares, discotecas e restaurantes porque compensa vender em grandes quantidades mesmo que a margem de lucro baixe ligeiramente: “isso me permite manter a rotatividade do estoque e reinvestir o dinheiro”. Os clientes particulares que tem situam-se na faixa etária dos 40, 50 anos e são pessoas com algum poder econômico.

Adaptação à vida cabo-verdiana

José Steiner não teve dificuldade em se integrar à dinâmica social da cidade: “sempre tive bastante liberdade”. Apesar dos produtos em geral serem caros, anda-se de táxi a um preço razoável, o que facilitou a mobilidade de José, permitindo-lhe conhecer todos os cantos da cidade.

Quando pensa em algo que inicialmente lhe causava estranheza e que agora se tornou comum, ele dá risada ao comentar que “num restaurante, usa-se bastante ‘psiu, fofa’; ‘psiu, tio’. Não apanhei o hábito, mas já não estranho”. De uma forma geral, as pessoas estranhavam um jovem estrangeiro querer fixar-se em Cabo Verde porque no meio empresarial os estrangeiros que são sempre mais velhos do que ele. A sua idade não foi um fator que o beneficiasse porque associavam-na a uma irresponsabilidade que teve de ir contornando

O acolhimento na sua nova família também contribuiu para a sua integração ter corrido da melhor forma: “aceitaram-me bem. Ficaram felizes por ter vindo com a filha e deram-nos todo o apoio sem nunca haver qualquer desconfiança”.

Caracterizar a Cidade da Praia é uma tarefa complicada para José por nela conviverem realidades distintas: “Quando morava na Achada de Santo António [um bairro da cidade], as pessoas estavam sentadas na rua e nós chegávamos e ficávamos a falar com eles. Agora que moramos num prédio na Cidadela [outro bairro da cidade], nem conheço os meus vizinhos”.

Os suíços vão até ele

José não vai à Suíça há cerca de 4 anos. Contudo, os seus amigos que vivem no país costumam visitá-lo frequentemente. Recebeu um grupo de amigos no verão e no final do ano tem nova visita. “Se quiserem me ver, podem vir até Cabo Verde. Eles têm de aproveitar o fato de eu estar aqui”, diz.

Reconhece que essa experiência já o fez distanciar-se um pouco dos formatos suíços. Conta-nos que os seus amigos tinham uma ideia pré-concebida sobre o país, “até o valor de gorjeta que deveriam dar. Eu disse-lhes para virem e explorarem. Os suíços tentam ser muito corretos. Eu também devia ser assim, mas já não me identifico muito”.

O nosso entrevistado lança o apelo aos suíços para visitarem Cabo-Verde e não ficarem apenas pelos resorts da Ilha do Sal e Boavista, mas aventurarem-se noutras ilhas. Incentivado a dar a sua opinião sobre o aumento do turismo, afirmou que “na Cidade da Praia está a aumentar também, mas é necessário investir na segurança. Nas restantes ilhas, e mesmo nas outras zonas da ilha de Santiago, é tudo pacífico”. 

Os passos seguintes

Para José Steiner, o próximo projeto é produzir o seu próprio gin, com características próprias de Cabo Verde, para que seja considerado produto nacional. Através desse negócio, ele gostaria de apoiar os atletas paraolímpicos cabo-verdianos através da doação de um euro por cada garrafa vendida.


Um país de ilhas

Cabo VerdeLink externo é um arquipélago localizado ao largo da costa da África Ocidental. As ilhas vulcânicas que o compõem são pequenas e montanhosas. Existe um vulcão ativo, na ilha do Fogo, que é igualmente o ponto mais elevado do arquipélago, com 2829 metros acima do nível do mar. O país é constituído por 10 ilhas, das quais 9 habitadas, e vários ilhéus desabitados.

Relações bilaterais entre Suíça e Cabo Verde

A Suíça reconheceuLink externo a República de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, no dia da sua independência. Em 1980 os dois países passaram a ter relações diplomáticas.

Entre 1987 e 1991, Suíça e Cabo Verde assinaram um tratado de cooperação técnica, proteção de investimentos e tráfego aéreo. As relações econômicas mantiveram-se em baixo nível.

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