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Suíços do estrangeiro querem fronteiras abertas

Ministro Moritz Leuenberger (esq.) e Jacques-Simon Eggly, presidente da OSE. Keystone

Maioria dos suíços do estrangeiro defende em congresso a livre circulação de trabalhadores. Presente, ministro defende fronteiras abertas, mas sem esquecer uma especificidade helvética: a democracia direta.

Dois suíços-brasileiros dão seu testemunho durante o evento realizado em Friburgo de uma vida entre os dois países.

O Congresso dos Suíços do Estrangeiro ocorre todos os anos e está longe de ser uma reunião de imigrantes octagenários. Na sua 86° edição, cerca de 400 participantes encontraram-se no centro de convenções de Friburgo para transmitir a ministros, parlamentares e altos funcionários públicos seus anseios e, sobretudo, uma mensagem política.

Logo na abertura pela manhã, Jacques-Simon Eggly, presidente da Organização dos Suíços do Estrangeiro (OSE), lembrou da história de muitos concidadãos que, no passado, tentaram a sua sorte fora do país dos Alpes. “Lembro dos suíços que imigraram por questões econômicas para tentar uma nova vida em Nova Friburgo”. A referência serviu como pretexto para o ex-deputado ressaltar o tema central do encontro: a questão da livre circulação de mão-de-obra na Suíça.

O acordo firmado com a União Européia, cuja extensão aos dez novos países-membros entrou em vigor em 2006, está agora na fase de negociação para a inclusão da Bulgária e Romênia. Apesar desta – e a continuação dos acordos bilaterais – terem sido aprovadas pelo Parlamento helvético em 2008, grupos de direita defendem a realização de um plebiscito popular. No momento as assinaturas estão sendo coletadas.

Eggly lembrou dos riscos de um tal plebiscito como um possível voto negativo à abertura do mercado de trabalho helvético para búlgaros e romenos. “A União Européia não pode imaginar que o acordo funcione para uns países e não para outros”.

Queda de fronteiras

Convidada para fazer o discurso de abertura, Joëlle Kuntz entrou no tema ao citar o livro que lançou em 2004 – “Adieu à Terminus”. “Terminus é o deus romano que protegia as fronteiras, mesmo aquelas que haviam acabado de ser conquistadas”, lembrou.

A editorialista do jornal “Le Temps” lembrou o seu próprio percurso de estrangeira em outros países e seu contato com estrangeiros que vivem na Suíça. “Conheço uma americana que, ao casar com um suíço, veio a Genebra e se tornou apaixonada pela cultural local. Porém com o tempo, ele começou a sentir falta dos Estados Unidos. Anos depois, ao viajar para lá, ela descobriu que a pizza não era tão boa como em Genebra, que você precisa de carros para ir a qualquer lugar e que a publicidade na televisão é terrível. Assim ela ficou para sempre dividida entre duas pátrias”.

Kuntz, que tem a dupla-cidadania francesa e suíça, explicou sua estratégia como suíça do estrangeiro. “É preciso se adaptar o melhor possível no lugar em que vivemos. A primeira estratégia para viver no exterior é reunir-se em associações ou clubes. A outra é participar da vida política”.

Ao escutar as palavras da jornalista, os suíços do estrangeiro, em grande parte detentores de mais de uma nacionalidade, aplaudiram. “Vários passaportes contribuem à queda de fronteiras”, continuou Kuntz. Isso, porém, não impede na sua visão de ser um cidadão ativo para duas ou mais pátrias. “Eu vivo a situação paradoxal de exercer o ato cívico do voto para a França ou a Suíça no mesmo pequeno lugar em Carouge, a comuna onde vivo no cantão de Genebra”.

Problemas no exterior

Logo após o discurso de Joëlle Kuntz, os participantes do congresso de suíços do estrangeiro dividiram-se em grupos de trabalho para debater sobre temas práticos ligados à economia, segurança e a vida no exterior.

No workshop intitulado “Ser suíço na Europa – experiências feitas no exterior”, cerca de cinqüenta presentes, a grande maioria vivendo fora das fronteiras helvéticas, falou das experiências pessoais ligadas a questão da liberdade de circulação da mão-de-obra.

“O único ponto negativo que posso citar é o fato dos suíços não terem mais a mesma experiência que tive”, começou a contar Robert Engeler, que vive desde 1961 na Itália. “Nessa época você vivia uma burocracia incrível até conseguir a carta de residência. Ou você não tinha o carimbo quando chegava ao guichê ou precisava buscar um papel em outra repartição. Sempre faltava alguma coisa. O pior é que os diplomas também não eram reconhecidos, o que obrigava muitas pessoas a trabalhar fora da sua profissão”, lembrou-se o suíço, hoje presidente da Escola Suíça de Milão. “Hoje em dia é tudo mais fácil”.

A mesma experiência foi vivida por outro palestrante, Ulrich Schwendimann, diretor da Câmara de Comércio Suíça Polônia. “Antes das bilaterais, executivos chegavam na Polônia e viviam muitos problemas para conseguir trabalhar legalmente. Às vezes eles até precisavam se transformar em co-proprietários das empresas. Hoje esse problema acabou, pois a Polônia adotou a livre-circulação de forma unilateral”, ressaltou o executivo.

Dos problemas levantados pelos suíços do estrangeiro, os mais comuns estão relacionados à interpretação dos acordos nos diferentes países. “A questão das bolsas de estudo é grave, pois com os acordos, os suíços do estrangeiro não recebem mais qualquer forma de apoio financeiro quando vêm estudar na Suíça”, lembrou um representante da OSE.

Outras questões levantadas não tinham relacionamento direto com os acordos com a UE. “Para mim um problema grave é o fato do suíço ser excluído do seguro de saúde da Suíça quando ele se muda para o exterior”, citou um expatriado da Tailândia. “Eu me pergunto por que o governo fecha vários consulados em cidades com uma forte comunidade suíça para abrir em lugares como o Kosovo. Quantos suíços no Kosovo se alegraram com essa decisão?”, lançou um participante radicado na África do Sul. Para outro suiço da Tailândia, o maior problema é a dificuldade de assistir a televisão suíça. “Infelizmente os canais suíços são transmitidos pelo satélite Astra, que está direcionado para a Europa”, lamentou-se.

Outro suíço do estrangeiro já criticou o fato dos cidadãos helvéticos que vivem fora do território da União Européia e dos países do EFTA estarem excluídos do AHV, o seguro que cobre as necessidades básicas do aposentado e representa a “primeira pilastra” da Previdência Social Suíça.

Nesse momento, um representante do serviço social do governo helvético lembrou que a Suíça é um dos poucos países do mundo que ajuda financeiramente seus cidadãos no exterior que se encontram em situação emergencial. “É como ocorre aqui: se essa pessoa passa por dificuldades graves, ela tem o direito de pedir ajuda social à Suíça. Ela só precisa fazer o pedido nas representações diplomáticas da Suíça, que este será analisado e aprovado pelos órgãos competentes”.

Suíços-brasileiros

Presentes ao congresso estavam também representantes da comunidade helvética no Brasil como Richard Lengsfeld. Nascido no Rio de Janeiro e crescido em Zug, Suíça, ele foi o único da família a retornar. “Eu me identifico mais com a vida no Brasil”, contou.

A identificação é tão forte que até sua participação política é influenciada. Questionado se vota também em plebiscitos populares na sua pátria distante, Lengsfeld não titubeia. “As democracias européias são tão boas, que acho periférico escolher A ou B. Eu admiro a Suíça, que tem até plebiscito para saber se a estação de trem vai ter banheiro novo. Mas a realidade é que no Brasil, onde eu também tenho a obrigação de votar, as eleições são dramáticas e podem mudar o rumo do país”.

A presença de outro suíço-brasileiro também chamava atenção. Kelvin Aebi era o único representante da “ala-jovem” que estava trajando uniforme. Ele também não escondia que havia sido voluntário a servir no país de origem da sua mãe. “Eu sempre tive vontade de entrar nas forças armadas para aprender coisas como estar com pessoas de origens e culturas diferentes. Depois que terminei a universidade, fiz contato com o exército suíço e vim para cá no último minuto”.

Formado em informática no Brasil, Aebi está gostando da experiência, mas não nega que sofreu dificuldades iniciais. Uma delas foi entender o dialeto suíço-alemão. Quando terminar o serviço militar obrigatório, ele pretende acumular experiência profissional na Suíça, mas só temporariamente. “Quero trabalhar um pouco na minha área mas, se possível, encontrar uma empresa suíça no Brasil para que eu possa estar próximo da minha família”.

Suíça precisa de fronteiras

O congresso terminou com um debate acirrado sobre o tema da livre-circulação. Dela participaram não apenas suíços do estrangeiro, mas também políticos de peso como a deputada liberal Christa Markwalder ou Pirmim Schwander, deputado do partido da União Democrática do Centro, da direita nacionalista.

A opinião contrária dos representantes da direita à abertura das fronteiras para búlgaros ou romenos foi contraposta pela deputada, que recebeu apoio massivo de grande parte do público através de aplausos e intervenções.

A tarde terminou com o convidado de honra. O bem humorado Moritz Leuenberger subiu na tribuna e se insurgiu contra o título do congresso, considerado por ele como “provocador”. “Como a Suíça pode se definir sem suas fronteiras?”, perguntou o ministro dos Transportes e Comunicação ao público consternado.

Como para os indivíduos, as famílias, os Estados e os grupos de Estado, as fronteiras são também interiores, no sentido de que cada um deve fixar limites para sí próprio. “Cada liberdade se define em função de um limite. Nós precisamos delas para poder ultrapassá-las e experimentar coisas novas”, ressaltou. Para o ministro, fronteiras são também uma questão de identidade. “É como as crianças, que também vão se desenvolvendo falando ‘não’ ou recebendo também ‘não’, ou ‘fronteiras’, dos seus pais”.

Porém o ministro lembrou que também os acordos firmados com a EU possuem salva-guardas para proteger os interesses helvéticos. “O acordo de Schengen é um exemplo: se não existem mais controles na fronteira, isso não significa que não se controle mais. Agora nossos agentes da alfândega trabalham em conjunto com seus colegas dos países vizinhos”.

À platéia, Leuenberger assegurou que a abertura do país só pode ocorrer com o respeito às suas especificidade. A mais importante delas: a democracia direta. “Muitos falam que ela é uma espécie de ditadura da maioria sobre a minoria. Mas o que muitos estrangeiros não entendem, é que aqui o povo e as minorias também participam do processo decisório da política”, e completa, “nós podemos ser lentos, mas nossas decisões são mais harmoniosas e consistentes”.

Sem perder o humor, o ministro ainda deu uma cutucada na EU. “Somos o único país que sempre votou favoravelmente para a União Européia em plebiscitos”.

swissinfo, Alexander Thoele

Em dezembro de 2007, 668.107 suíços viviam no estrangeiro (+23.097).

60,3% residem na UE. Na França está o maior contingente (176.723), seguida pela Alemanha (75.008), da Itália (47.953), do Reino Unido(22.288), da Espanha (23.324) e da Áustria (13.984).

Seguem-se EUA (73.978), Canadá (37.684), Austrália (22.004), Argentina (15.372), Brasil (14.374), Israël (13.151) e África do Sul (9.078).

Fundada em 1916, a Organização dos Suíços do Estrangeiro (OSE) representa de várias maneiras os interesses da chamada Quinta Suíça.

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