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Água é um direito, não uma mercadoria

Em certas regiões do mundo, uma mulher pode passar até um terço da vida a carregar água. Na foto, uma marroquina em Ourika (Keystone) Keystone

O acesso à água, um dos problemas fundamentais do século XXI, está muito presente no Fórum Social Mundial de Porto Alegre.

Com organizações similares, ONGs suíças defendem a idéia de uma convenção internacional para garantir acesso a esse bem vital que não deve tornar-se uma simples mercadoria.

Na tenda E-203, a Comunidade de Trabalho das Obras de Ajuda Suíças e uma dezena de ONGs do resto do mundo defendem a proposta de uma convenção internacional sobre a água, que deve ser uma questão ecológica, econômica e social de particular importância neste século.

A água está, aliás, muito presente neste Fórum-2005, o que é uma novidade. O seminário dos suíços e seus parceiros não passa de uma peça do imenso tabuleiro.

A constatação é simples e as cifras aterradoras. Apenas um basta para avaliar a tragédia: diariamente, 6 mil crianças morrem com o consumo de água insalubre. Isso é simplesmente inadmissível num mundo que se diz civilizado.

Enormes interessem em jogo

“Na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1991, reconheceu-se a água como um bem comum essencial à humanidade, lembra Peter Niggli, diretor da Comunidade de Trabalho. No entanto, contrariamente à questão do clima, ainda não existe convenção internacional nesse domínio”.

Doravante, a fonte de toda a vida não é mais da alçada das Nações Unidas, e sim, do Fórum Mundial da Água, cuja última grande reunião em Kyoto (Japão), em fins de 2003, marcou o encerramento do Ano Internacional da Água.

Junto com governos, esse Fórum reúne também grandes empresas do setor, e seu vice-presidente é um delegado do grupo Suez-Lyonnaise des Eaux, n° 1 mundial da distribuição de água potável.

Por que esse deslizamento do setor público à “parceria público-privado”? A resposta de Peter Niggli é clara: “Todo o mundo acha que o preço da água potável vai aumentar, e os interesses privados em jogo são enormes.

Evidentemente, as ONGs não querem saber de privatização. Para elas, o direito à água potável deve ser garantido como um direito do homem. É isto que deveria estabelecer a convenção que reclamam.

Toda essa problemática é resumida numa pergunta por Rosemarie Bär, especialista em água na Comunidade de Trabalho: “Quem vai fixar o preço da água potável nas favelas de Manilla? A direção financeira de Suez-Lyonnaise des Eaux, em Paris, ou o comitê local, apontado pela população do bairro em questão”?

“A Suíça vai seguir o movimento”

O combate contra a privatização resulta, às vezes, em vitórias. No Uruguai e na Bolivia, por exemplo, os governos aceitaram interditar o gerenciamento privado da água. Num país por pressão da rua e, no outro, submetendo-se ao veredicto das urnas.

Para Peter Niggli, essas notícias são auspiciosas. Quando número suficiente de governos admitir a idéia de conservar a água sob estrito controle público, deverão levar a questão à agenda da ONU.

Quando? Em três, cinco ou dez anos, espera o diretor da Comunidade de Trabalho. Ele conta continuar com as ONGs do mundo inteiro envolvidas nessa luta, a fazer pressão contra os governos.

Inclusive o governo suíço. Há alguns anos, graças a uma intervenção parlamentar, o governo helvético se viu, de fato, na obrigação de lançar a idéia de uma convenção sobre a água. Mas o dossiê está no momento arquivado, o que não perturba Peter Niggli. Segundo o especialista, basta que em outros países reapareça o debate para que a Suíça siga o movimento.

Encontro marcado em Genebra

Na parte da tarde, a tenda E-203 acolheu os promotores do Contrato Mundial da Água, iniciativa paralela à que reivindica uma convenção internacional.

Trata-se de um documento a ser assinado por organizações, províncias, cantões ou regiões de um Estado, ou ainda por particulares.

Essa iniciativa surgiu no Fórum Mundial da Água (FAME, na sigla francesa) que se reuniu em Florença, em 2003, na perspectiva de se tornar o anti-Kyoto, como o FSM é o anti-Davos. Sua próxima sessão deve realizar-se de 17 a 20 de março, em Genebra.

Swissinfo, Marc-André Miserez, em Porto Alegre
(Tradução de J.Gabriel Barbosa)

A desigualdade diante da água marca igualmente uma profunda desigualdade entre os sexos. Em todas partes onde existe a necessidade de transportar água, a tarefa é reservada a mulheres e a crianças. Andando durante horas, as carregadoras de água podem transportar até 60 litros por dia. Calculou-se que uma senhora de 65 anos, residente na região árida do Nordeste brasileiro terá passado um terço da vida a carregar jarras, baldes ou cantis…

– 1.4 bilhão de seres humanos não tem acesso a água limpa.

– Até 20025, estima-se que serão 3 bilhões a sofrerem de falta de água.

– Mais de 3 bilhões de habitantes da Terra não dispõem de nenhuma espécie de instalação sanitária.

– 80% de todas doenças dos países em desenvolvimento são provocadas pela utilização de água poluída.

– Diariamente, 6 mil crianças de menos de 5 anos morrem em conseqüência de consumo de água insalubre.

– Todos anos, os europeus e norte-americanos gastam para alimentar gatos e cachorros mais dinheiro que o necessário para todos os seres humanos terem acesso à água potável.

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