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Brasileiros falsificam passaporte para residir na Suíça

Imigrante brasileiro na Suíça durante a Copa do Mundo em 2006. swissinfo.ch

Imigrantes clandestinos, alguns deles de nacionalidade brasileira, aproveitam do aumento da imigração na Suíça e das dificuldades técnicas de controle para conseguir vistos de residência através de passaportes portugueses falsificados.

Por até dois mil francos é possível comprar um documento no mercado negro. As autoridades estão cientes do problema e reforçam os controles nos órgãos públicos e nas batidas policiais na rua.

O brasileiro chegou à Suíça em outubro de 2004 e logo caiu na clandestinidade. Como milhares de outros imigrantes, também vivia de empregos instáveis ou de curta duração. Quando um empregador recusou-se a pagar sete mil francos de salários atrasados, ele descobriu que um “sem papel” não tem direitos, a não ser o de expulsão rápida pelas autoridades.

Um conhecido ofereceu-lhe uma saída dessa situação: comprar um passaporte português. Como cidadão de um país da União Européia, fica mais fácil encontrar emprego e depois obter o visto de permanência no país, garantido pelos acordos bilaterais. Isso significa também direitos inerentes a qualquer cidadão normal como ser protegido de arbitrariedades e poder andar na rua sem temer um controle policial.

O negócio custaria apenas dois mil francos. A tez negra da pele do brasileiro também não seria um problema. Afinal, o que ele tinha em comum com portugueses era o fato de falar o idioma de Camões, mesmo com a leve diferença de sotaque. Mas que funcionário perceberia a diferença?

Em abril de 2008, o brasileiro apresentou-se às autoridades de imigração na prefeitura de Embrach, pequeno vilarejo ao norte de Zurique. Lá ele mostrou seu novo passaporte português e um contrato de trabalho. Depois de uma curta análise, o funcionário entregou-lhe o precioso papel: um visto tipo “B”, garantindo permanência legal na Suíça até o final de 2012.

Como noticiou o jornal “Der Landbote” no início de abril de 2009, a história do brasileiro não terminou bem. No início do ano, a polícia descobriu o passaporte falso durante um controle na rua. Ele foi imediatamente preso e levado para julgamento três meses depois.

No tribunal em Zurique o brasileiro admitiu estar vivendo ilegalmente na Suíça. Mas se declarou inocente de qualquer crime apesar de ter confessado a compra e assinatura do passaporte português entre as barracas de um camping. Seu argumento: ele não sabia que o documento era falso. O juiz não se convenceu e ordenou 10 meses de prisão condicional e sua transferência para as autoridades migratórias. Ele aguarda agora a expulsão da Suíça.

Problema conhecido

O brasileiro “português” não está só. Apenas no cantão de Zurique, a polícia teve 26 casos semelhantes em 2008. Destes, 23 fraudadores já foram colocados no avião de volta ao Brasil depois de cumprir suas penas. As autoridades já reconhecem o problema.

“Sim, estamos conscientes do problema da falsificação de identidades”, afirma Bettina Dangel, porta-voz do Departamento de Migração no cantão de Zurique. A solução foi tornar o controle mais severo. “No início do ano instruímos os serviços de controle de habitantes a pedir documentos originais. Cidadãos de 17 países da União Europeia e do EFTA devem apresentar passaporte ou a carteira de identidade. Pedimos às comunas que nos enviem cópias desses papéis, o que é feito pela maioria delas.”

Os limites do controle são admitidos pelo governo. “Trata-se de um negócio de massa. Com aproximadamente 155 mil pedidos anuais de visto de residência para estrangeiros, em uma população de 315 mil não-suíços do cantão, o controle completo é praticamente impossível e também não está previsto nos acordos bilaterais com a UE”, justifica Dangel.

A porta-voz ressalta, porém, que o problema não se limita aos brasileiros. “Existem também outras nacionalidades”. Nos casos fundamentados de suspeita de falsificação de identidade, o Departamento de Migração no cantão (estado) de Zurique e as próprias comunas contatam a polícia cantonal. Os documentos são analisados em um laboratório com aparelhos especiais. Nos casos mais difíceis os pedidos vão para o KILA, um setor especial da Polícia Federal Suíça (Fedpol, na sigla em alemão).

Países “top 10” na falsificação

Números específicos sobre a manipulação de passaportes europeus não existem. Porém a Fedpol mantém uma estatística das falsificações gerais de documentos como vistos, identidades, carteiras de motorista ou passaportes. Em 2008, foram 4.966 casos (4.863 em 2007). Dois terços (68%) foram revelados através de controles nas fronteiras e o restante dentro do país.

Neste ano o quadro deve mudar, sobretudo após a adesão da Suíça ao espaço Schengen em dezembro de 2008. Graças ao acordo, que regula a fronteira comum da União Europeia, os controles de identidade são mais rigorosos para cidadãos não europeus e cada vez mais frequentes no território nacional. Tanto em estações de trem como em outros locais públicos, estrangeiros podem ser abordados pela polícia e autoridades alfandegárias.

Quanto ao ranking dos países cujos documentos são mais falsificados, o banco de dados “Fraude” da Fedpol traz esclarece. A liderança absoluta, em 2008, ficou para a Itália, com 420 casos descobertos pela polícia helvética. Seguem a França, Suíça e Bulgária. Portugal teve 138 casos (ver estatísticas na coluna direita).

Questionado sobre os passaportes mais fáceis de manipular ou os menos seguros, as autoridades são esquivas. “Não podemos dar essa informação por questões de segurança”, responde Stefan Kunfermann, porta-voz da Fedpol. Ele confirma, porém, que os brasileiros com passaportes portugueses não são um problema específico. “A nacionalidade das pessoas presas com falsos documentos muda constantemente dependendo das regiões de crise no mundo.”

A Embaixada de Portugal se absteve de responder às questões enviadas por swissinfo.ch. Em condição anônima, uma funcionária admitiu que muitos dos passaportes portugueses em circulação na Suíça ainda são os antigos, sem um chip com os dados biométricos do seu portador. O novo passaporte foi introduzido apenas em agosto de 2006.

Falta de meios

Para algumas autoridades, o golpe do passaporte manipulado para obter vistos de residência e trabalho na Suíça é muito fácil. “Não me admiro que funcionários dos setores de imigração caiam nele. Mesmo meus próprios funcionários quase não teriam condições de reconhecer essas falsificações”, admite Bruno Zanga, diretor do Departamento de Estrangeiros do cantão de St. Gallen em entrevista ao jornal “SonntagsZeitung”.

A brecha deve-se à falta de aparelhamento. Poucos agentes dispõem dos meios necessários para detectar falsificações. “Apenas especialistas dos corpos policiais nos cantões podem fazê-lo. Até onde sei, nem os departamentos de registro de habitantes ou as autoridades de controle de estrangeiros dispõem dos meios técnicos ou das práticas necessárias para uma avaliação acurada dos passaportes apresentados”, confessa Zanga.

Porém o problema não surgiu apenas com a abertura das fronteiras suíças. “A imigração aumentou bastante nos últimos anos. Por isso não podemos controlar tudo sistematicamente”, explica Jonas Montani, do Departamento Federal de Imigração. Ele ressalta que uma das formas encontradas pelo governo de combater a imigração ilegal é o controle reforçado no próprio país, sobretudo através de batidas em canteiros de obras, na agricultura, hotelaria e gastronomia. “Foram mais de 10 mil controles no ano passado”.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Itália: 420 casos
França: 381
Suíça: 294
Bulgária: 283
Iraque: 254
Romênia: 187
Nigéria: 160
Grécia: 143
Portugal: 138
República Tcheca: 111
Grã-Bretanha: 111

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