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“Os governos devem enfrentar a crise climática, não os tribunais”

Um plenário
A decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos contra a Suíça teve um grande impacto no país. KEYSTONE/© KEYSTONE / CHRISTIAN BEUTLER

Os parlamentos europeus devem prestar muita atenção ao veredito histórico da Corte Europeia de Direitos Humanos contra a Suíça, avalia uma especialista em assuntos climáticos internacionais. Outras decisões podem causar sensação.

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A Suíça não despende suficientes esforços para proteger sua população dos efeitos negativos da mudança climática. É o que diz a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) de Estrasburgo, que em uma decisão histórica condenou o governo suíço por violar os direitos fundamentais de um grupo de mulheres idosas particularmente vulneráveis a ondas de calor.

Esta é a primeira vez que a CEDH se pronuncia sobre um litígio climático. Tal decisão tem influência direta sobre os 46 países do Conselho da Europa e pode ter repercussões em todo o mundo.

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“A importância desse veredicto não pode ser exagerada”, explica Tiffanie ChanLink externo, analista política do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment. Esse instituto sediado em Londres publica um relatório anualLink externo sobre o estado das mudanças climáticas no mundo.

swissinfo.ch: Quais repercussões concretas o veredicto da CEDH contra a Suíça terá sobre os casos climáticos em curso e futuros na Europa?

Tiffanie Chan: A decisão da CEDH é importante por uma série de razões. Um dos aspectos cruciais são as possíveis implicações para aqueles que fazem as leis. Existe agora uma confirmação clara de que os estados membros da CEDH têm o dever de estabelecer uma estrutura regulatória obrigatória em nível nacional para proteger os cidadãos contra a mudança climática. Os órgãos legislativos nacionais de toda a Europa devem prestar atenção particular a esta decisão.

Em seu veredicto, a CEDH afirma que, para cumprir sua obrigação nos termos da Convenção Europeia de Direitos Humanos, um estado deve estabelecer uma estrutura regulatória suficiente, em conformidade com o Acordo de Paris sobre o clima e a ciência climática. Essa estrutura deve conter metas intermediárias de redução de emissões e mostrar como o país pretende alcançá-las, por exemplo, definindo um balanço de CO2.

Na Europa, quase 30 países têm leis sobre o assunto ou estão em processo de elaboração. Essas nações devem garantir que sua legislação atenda aos padrões mínimos estabelecidos pela CEDH. Caso contrário, elas poderão sofrer ações judiciais.

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swissinfo.ch: Sete outros casosLink externo relacionados ao clima estão atualmente pendentes na CEDH. Quais deles podem causar sensação?

T.C.: Há, por exemplo, o caso entre o Greenpeace e a Noruega. Ele diz respeito à exploração de petróleo e gás no Ártico. De acordo com a organização ambientalista, a concessão de novas licenças para a prospecção de hidrocarbonetos pelo governo norueguês viola os artigos 2.º e 8.º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Dependendo do seu resultado, este litígio dará indicações sobre a capacidade dos países desenvolvidos de continuar explorando novos campos de petróleo e gás, no contexto de seus compromissos no âmbito do Acordo de Paris.

swissinfo.ch: A decisão contra a Suíça poderia levar ao reexame de casos relacionados ao clima que foram rejeitados ou terminaram em um veredicto negativo?

T.C.: Isso depende das regras processuais do tribunal para o caso em questão. Nos casos em que o veredicto é definitivo, ou seja, foi proferido pela instância jurídica mais alta, não é possível recorrer.

Mulher chinesa
Tiffanie Chan é analista política do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente. DR

Contudo, a decisão da CEDH contra a Suíça oferece oportunidades para litígios atuais e futuros. A Corte de Estrasburgo foi muito clara ao declarar que os tribunais suíços não levaram em consideração os argumentos apresentados pelas “Anciãs pelo Clima”. Eles não forneceram razões convincentes para sua decisão e não levaram em conta adequadamente as evidências científicas das mudanças climáticas.

Este ponto é importante, pois há outros casos em andamento na Europa. Por exemplo, em março, o Tribunal Civil de Roma declarou inadmissível um processo climático movido contra o Estado italiano, que foi acusado de não tomar as medidas necessárias para alcançar as metas do Acordo de Paris e de violar direitos fundamentais. O tribunal declarou que não era competente para julgar o caso.

Não sei o que acontecerá com este caso. No entanto, a CEDH deixou claro que os tribunais nacionais devem tratar corretamente questões fundamentais e interpretar a Convenção Europeia de Direitos Humanos à luz do veredicto no caso suíço.

swissinfo.ch: A decisão da CEDH suscitou inúmeras críticas. A União Democrática do Centro, o maior partido da Suíça, afirmou que os tribunais deveriam tratar de justiça e não de política. A decisão pode realmente ser vista como uma intervenção na política?

T.C.: Ao ler a sentença, fica claro que a CEDH respeita a ideia da separação de poderes entre o executivo, o legislativo e o judiciário. Foi o Estado que assinou o Acordo de Paris. A Corte apenas define os padrões mínimos que deveriam figurar na estrutura jurídica para garantir que os direitos humanos dos cidadãos não sejam violados. Cabe à Suíça, e mais geralmente aos governos, desenvolver medidas e enfrentar a crise climática, não aos tribunais.

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swissinfo.ch: Digamos que eu esteja insatisfeito com as ações do meu país em relação ao clima. Quais são as lições do veredicto da CEDH que eu preciso levar em conta se quiser mover uma ação judicial?

T.C.: A primeira coisa é que é necessário ter esgotado todos os recursos internos. Isso é algo que fica muito claro no apelo climático de seis jovens portugueses [Duarte Agostinho e outros contra Portugal e 32 outros Estados, nota do editor]. Primeiro, deve-se passar pelos tribunais nacionais, porque o Estado deve ter a oportunidade de resolver o litígio antes de levar o caso à Corte de Estrasburgo.

A segunda lição é que as ONGs e as pessoas reunidas em associações, em vez de indivíduos, têm maior probabilidade de serem bem-sucedidas e de atenderem aos requisitos para mover esse tipo de ação. Na decisão da CEDH contra a Suíça, foi concedida legitimidade às “Anciãs pelo Clima”, enquanto os recorrentes individuais não a obtiveram. É muito difícil para os indivíduos provar que foram pessoal e diretamente afetados.

swissinfo.ch: Este ano, três jurisdições internacionais – a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Internacional para o Direito do Mar e a Corte Interamericana de Direitos Humanos – emitirão pareceres consultivos sobre as obrigações dos Estados no contexto da crise climática. O que podemos esperar?

T.C.: As três cortes internacionais e a CEDH não seguem necessariamente as mesmas regras em termos de procedimentos ou interpretações. Porém, um ponto que acho que deve ser lembrado é a questão do que os estados devem fazer para proteger as pessoas fora de suas fronteiras.

No caso Agostinho, a Corte de Estrasburgo reconheceu que as emissões de gases de efeito estufa no território de um estado podem afetar o bem-estar das pessoas que residem fora de suas fronteiras. Contudo, a Corte declarou que não era possível estabelecer que a Convenção Europeia de Direitos Humanos impusesse “obrigações extraterritoriais” aos estados a fim de proteger pessoas que vivem em outras partes do mundo contra as mudanças climáticas.

Essa decisão não está em conformidade com um parecer anterior do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Este ano, espera-se que as três cortes internacionais lancem mais luz sobre a questão da extraterritorialidade. Será interessante ver se cada uma delas terá interpretações diferentes. Penso que é improvável que a recente decisão da CEDH seja a última palavra sobre o que os estados devem fazer para proteger as pessoas além de suas fronteiras.

Edição: Sabrina Weiss

Adaptação: Karleno Bocarro

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