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Suíça vai ganhar uma passagem para o mar Adriático

Darsena, porto comercial de Milão swissinfo.ch

O caminho das águas já existe e está sendo recuperado, trecho por trecho. De Locarno até Veneza, passando por Milão, são quase 550 quilômetros de uma hidrovia que escorre ao sabor das correntes, dos ventos.

O desafio é conectar as diferentes estradas fluviais entre si e vencer as barreiras naturais e aquelas surgidas ao longo do tempo por intervenção das mãos do homem.

O itinerário nasce no porto da cidade de Locarno, no Cantão do Ticino, sul da Suíça. Depois ele desce o lago Maggiore, entra no rio Ticino, chega a Milão através do canal industrial e do Navigli Grande – o mais antigo “naviglio” da Europa – até a Darsena, velha área portuária. Dali se reparte pelo Naviglio Pavese, rumo a Pavia, ponto de partida já nas águas do Pó. O principal rio italiano se encarrega de levar as embarcações a Veneza com escalas em Mantova, Ferrara e tantas outras cidades e vilarejos. Cenários urbanos e paisagísticos vão se alternando ao longo da viagem.

A hidrovia é uma viagem no tempo ao longo do trajeto. Das escotilhas e do convés escorrem patrimônios históricos e ambientais presentes num passado distante da era do automóvel. Mas recuperar a “passagem helvética” para o Mediterrâneo exige um mar de recursos e algumas complexas e caras intervenções de engenharia hidráulica.

Obras de recuperação



Muitas obras já começaram e outras estão em fase de concorrência. Mas o projeto está pronto e em operação. Os financiamentos, praticamente todos, já estão fechados. A primeira realização foi reformar a Conca (comporta) da Miorinna.

Esta barreira regula a saída de água do Lago Maggiore em direção ao rio Ticino. Ela foi feita entre 2005 e 2007, ano de sua inauguração. “Esta é uma obra que permite hoje atravessar o Ticino entre as margens do Piemonte e da Lombardia e chegar a Porto della Torre onde existe uma outra represa que barra as embarcações”, explica à swissinfo o arquiteto e presidente do Insituto para os Navigli/Associação Amigos dos Navigli, Empio Malara, um dos idealizadores da retomada da histórica hidrovia, onze anos atrás.

A Região da Lombardia já predispôs sete milhões e meio de euros para reabrir o caminho entre Porto della Torre e o canal industrial. Para chegar até ele, deixando de lado o rio Ticino, é necessário ainda construir as comportas de Panperduto e Vignazze. O canal industrial leva o barco até o Naviglio Grande, às portas de Milao.

Projeto de Da Vinci

Durante o percurso as suas águas “tocam” o aeroporto intercontinental de Malpensa. Os passageiros em trânsito poderão trocar o avião pelo barco, num piscar de olhos. Da escala seguinte, em Turbigo, o viajante já navega pelos “braços” do gênio de Leonardo Da Vinci.

Ele foi um dos projetistas na fase final do Naviglio Grande (construção entre os séculos XII e XVI), na época uma estrada para transportes e principal eixo de uma rede de pequenos canais de irrigação das terras agrícolas. Parte deste trecho corta os arrozais que ainda hoje embelezam o cenário. Lentamente, se refaz o trajeto do mármore de Candoglia, usado na obra da igreja do Duomo, e das areias e das pedras para o “boom” da construção civil em tempos mais modernos.

Basta fechar os olhos e imaginar as chatas puxadas por correntes presas aos cavalos que galopavam pelas margens dos canais. Na época de Leonardo Da Vinci os motores ainda não existiam, a revolução industrial era um sonho presente apenas nos projetos visionários do gênio italiano.

A Darsena de Milao, o velho porto comercial, está em fase de reestruturação. No próximo ano devera surgir sob o espelho d’água um estacionamento para carros. A área deverá ser reurbanizada. Ela fica distante um quilômetro e meio do castelo Sforzesco e do centro histórico de Milão. “Aqui era lindo, podíamos pescar enquanto assistíamos ao vai e vem dos barcos com os materiais de construção. Milão era cheia de canais, infelizmente eles foram cobertos pelo asfalto, culpa do progresso. Espero que a hidrovia faça reviver os velhos tempos”, diz o engenheiro civil milanês Franco Guinzatti.

Do tempo de Napoleão


O antigo porto é a “esquina” para alcançar e navegar pelo Naviglio Pavese. No passado, ele era a estrada entre Milão e Pavia. Os 33 quilometros que separam as duas cidades possuem 14 comportas, das quais duas com dois metros de desnível e as outras entre 3 e 5. Logo no começo está a “conca Fallatta”, construída por Napoleão Bonaparte, em 1805. A obra era fundamental para o controle do tráfego de mercadorias em boa parte do norte da Itália e fazer a ligação entre o rio Pó e o lago Maggiore. 14.000 comboios chegaram a navegar anualmente a partir do século 19.

O primeiro trecho do Naviglio Pavese até Assago pode ser percorrido sem problemas. Eles começam, para valer, logo em seguida. “Temos que arrumar as seis “conche” para chegar na Darsena de Pavia, que é belíssima, ao lado do castelo Visconteo, antigamente cercado por um fosso alimentado com a água do Naviglio. Dali existe ainda a obra mais difícil de realizar pelo tamanho que é a escada de água de Pavia, superar aqueles 29 metros de desnível entre a Darsena de Pavia e o rio Ticino e que representa o maior monumento hidráulico construído na Europa, no final do século 18″, diz o arquiteto Empio Malara.


Uma vez, novamente no rio Ticino, apenas por um curto trecho, a viagem finalmente alcança o rio Pó. De Pavia a Cremona, passa-se por Piacenza…a riqueza da cultura e a beleza das paisagens italianas seguem descortinadas pelo ritmo lento do grande rio. Ao longo do percurso estao numerosas associações náuticas, clubes e rudimentares marinas que facilitam o desembarque para o turismo terrestre. E, sempre a favor da corrente, mais à frente está a cidade de Cremona, cenário da principal e mais difícil obra para a realização da hidrovia Locarno-Veneza: a “conca” da Isola Serafini.


Por causa da redução do nível do Pó a antiga “conca” praticamente existe apenas como decoração. Hoje, existe um serviço de guindaste para o transporte das embarcações. A construção da nova “conca” vai custar 47 milhoes de euros. A concorrência para a empreitada já saiu e os trabalhos deverão estar concluídos no fim de 2010.

Turismo



De Cremona ao delta do Pó, atravessa-se uma das regiões mais ricas da Itália em termos de fauna e flora. Os diversos afluentes ao longo do caminho permitem o desvio rumo a Parma, Mantova e Ferrara somente para citar as cidades históricas mais importantes. Antes de entrar em Veneza pelo mar Adriático, o viajante mergulha no Parque do Delta do Pó, com uma das mais ricas biodiversidades da Europa, local ideal para o “birdwatching”, por exemplo. Além do turismo na natureza, o viajante pode desfrutar do turismo religioso, histórico, da arqueologia industrial e, por último mas não menos importante, o gastronômico.



Países como Inglaterra, Escócia e França recuperaram os canais destinados ao transporte de mercadorias e os transformaram em trajetos turísticos. A Itália, a partir da Suíça, corre para cobrir esta lacuna. E por experiência sabe-se que este não é um programa para o turismo de massa. A começar pelas reduzidas dimensões dos barcos. Mas a sua presença é capaz de revitalizar regiões importantes e que estavam esquecidas e abandonadas.

Gastronomia

“Este é um turismo de nicho que usa as hidrovias, mas traz riqueza, e as indústrias dos barcos, uma reação em cadeia, as vilas viram hotéis, restaurantes, temos uma cozinha extraordinária neste itinerário, piemontesa, suíça, lombarda, “emiliaromagnola”, veneziana….enfim, não existe nenhum lugar no mundo que possa oferecer uma navegação gastronômica variada como esta, é preciso descer do barco e provar a cozinha local, em “trattorie” e pequenos restaurantes típicos de cada área”, conta o arquiteto Empio Malara.

Silenciosamente, a embarcação singra territórios protegidos pelo homem e, ao mesmo tempo, enriquecidos pela sua presença. Burgos medievais, abadias centenárias, ruínas romanas, castelos e torres enfeitam e adornam a viagem. E pensar que tudo isto começa, em boa parte, nas geleiras dos Alpes suíços. Do derretimento da neve dos glaciares e das geleiras nasce o lago Maggiore que, por sua vez, abastece o rio Ticino com parte das suas águas desviadas para os canais artificiais que cortam caminho ao rio Pó. Estima-se que o trajeto possa atrair o interesse de cerca de 20 a 30 milhões de turistas por ano.

Saída para o mar

Não por acaso, a Confederação Helvética não assiste a retomada da hidrovia com os braços cruzados. “Os suíços são nossos grandes incentivadores, a cidade de Locarno, o canto Ticino contribuem para este projeto. Acho que para a Suíça é um acontecimento histórico, me contaram que no passado a Suíça tinha um acordo com o estado italiano para uma passagem ao mar. A recuperação da hidrovia significa dar ao país uma ligação com o mar”, revela o arquiteto Empio Malara.



Desta forma, a Suíça pode se tornar, para a Europa continental, um porto de partida para o Mediterrâneo. E Milão volta a ser um importante eixo para a navegação entre o mar Mediterrâneo e o Velho Continente. Tudo corre em mão dupla. O rio corre sempre para o mar, mas com o motor, a vela e os remos, pode-se fazer o caminho inverso.

swissinfo, Guilherme Aquino, Milão

A cada dois anos organiza-se uma “expedição” náutica para verificar o estado dos trabalhos. Entre os dias 13 e 26 de abril cada trecho do percurso vai ser percorrido por barcos e com visitas do público. Informações: www.amicideinavigli.it e www.venetamarina.com.

A hidrovia tem 550 km de extensão.

Previsões estimam os potenciais turistas entre 20 a 30 milhões.

O trajeto: Locarno, Verbania, Milao, Pavia, Piacenza, Cremona, Boretto, Mantova, Ferrara, Chioggia e Veneza. Lago Maggiore, rio Ticino, canal industrial, Naviglio Grande, Naviglio Pavese, rio Ticino e rio Pó. A travessia do mar Adriático permite viajar de Veneza para Trieste.

“Nós estamos prontos. Trata-se de uma obra muito relevante para o turismo sustentável”, afirmou Marco Borradori, conselheiro de Estado e diretor do departamento do Cantão Ticino.

Um acordo de colaboração já foi assinado entre as cidades de Locarno e Milao.

A hidrovia Locarno-Milão-Veneza terá 550 km e será uma das mais importantes e atrativas da Europa.
Atravessará 2 países, 4 regiões, 12 províncias e 171 comunas.
Custo estimado em 250 milhões de euros.
Prazo de conclusão: 2015

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