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Democracia no Iraque pode levar 30 anos

Arnold Hottinger vê com ceticismo os planos dos EUA para o Iraque. SF DRS

Os Estados Unidos não querem e não podem instaurar a democracia no Iraque. A opinião é do jornalista suíço Arnold Hottinger, especialista do Oriente Médio.

Ele prevê que, se a guerra durar, governos de países vizinhos poderão ser destabilizados.

Arnold Hottinger goza de excelente reputação por suas análises sobre o Oriente Médio. Ele trabalhou anos na região como correspondente do jornal Neue Zuercher Zeitung (NZZ), de Zurique, e da Rádio suíça de língua alemã (DRS).

O jornalista considera que se a guerra for curta, pode durar uma semana. Se Saddam Hussein conseguir manter o controle de suas tropas, então a guerra pode durar um mês ou mais, segundo Hottinger.

Nesse caso, a questão é saber se o presidente iraquiano vai conseguir concentrar seus soldados em Bagdá e ganhar tempo para uma batalha sangrenta, de acordo com Hottinger.

swissinfo: Qual seria o impacto de uma guerra prolongada sobre os países vizinhos do Iraque?

AH: Seria potencialmente perigoso para numerosos governos do Oriente Médio, onde a atitude dos dirigentes destoa dos sentimentos da população.

A opinião pública já é claramente contra a guerra no Iraque mas se começarem a ver cenas de mortos e feridos em Bagdá, a pessoas poderão sair às ruas protestar violentamente.

No Egito e na Jordânia, por exemplo, poderiam haver até tentativas de derrubar o governo, no pior dos casos.

O sr. acha plausível a idéia de que uma democracia no Iraque serviria de modelo para o resto do Oriente Médio?

AH: Seria possível se os Estados Unidos estivessem dispostos a ficar muito tempo (20 a 30 anos) na região e agissem com cautela.

Não acho que será o caso. Os EUA não têm muito tato e não querem investir mais de dois anos.

O Afeganistão foi um teste?

AH: Não, a idéia é mais antiga. Sabemos que o Secretário adjunto da Defesa, Paul Wolfowitz, havia sugerido atacar o Iraque antes do Afeganistão. A idéia da democracia no Iraque está há muito tempo na cabeça dos neo-conservadores que estão no poder.

Depois dos atentados, os membros mais realistas do governo, a começar por Collin Powell, conseguiram impor a batalha contra os talebans e Ben Laden. Estava claro, no entanto, que o próximo alvo seria o Iraque e o exército dos EUA se preparou para isso.

Assim, os ataques ao Iraque são muito mais ideológicos e neo-imperialistas do que no Afeganistão.

swissinfo: Como ficam as relações dos EUA com a Arábia Saudita?

AH: Aí também vai depender da duração da guerra, do número de vítimas e do sucesso do governo imposto no Iraque pelos EUA. Tudo isso vai determinar a atitude do povo saudita. O regime tenta conter mas está atualmente numa situação muito delicada.

A mudança de dinastia é iminente e o país está com problemas financeiros. A posição do regime é muito mais precária do que no passado.

swissinfo: Em que medida o petróleo e a vontade de forçar os árabes a mudarem de atitude em relação a Israel influenciaram a guerra?

AH: Basta considerar que fixa os objetivos da guerra. Se são Pul Wolfowitz e Donald Rumsfeld, os motivos ideológicos são os mais importantes. Mas existe também gente mais realista que pensa primeiro no petróleo.

swissinfo: o sr. diz que existem motivos ideológicos e pragmáticos no Iraque. O próximo país da lista não pode ser o Irã?

AH: Essa é a visão dos ideólogos, que pensam que há países “criminosos” e que é preciso agir contra eles agora que os EUA são a única superpotência.

Para os ideólgos de Washington, um Oriente Médio pró-estadunidense seria também pró-israelita. Essas pessoas pensam que a região deve mudar e que é possível mudá-la jogando bombas.

swuissinfo: Tudo isso vai continuar sendo feito sem a comunidade internacional?

AH: A guerra ao Iraque foi declarada sem esse mandato. Os neo-conservadores se lixam das Nações Unidas. Eu acho que é a realidade do terreno que vai forçá-los a admitir que as coisas não são tão simples como eles imaginam.

Não se pode mudar o Oriente Médio pela força e o Iraque vai demonstrar isso nos próximos dois anos. Depois, eles vão pedir ajuda da comunidade internacional mas, por enquanto, os EUA acham que não precisam da ONU.

swissinfo: Que impacto essa situação vai ter sobre o terrorismo?

AH: De um lado, vai haver uma recrudescência da motivação terrorista no mundo islâmico. Isso é muito claro e já dá pra medir. De outro, os EUA estão menos preocupados pelo terrorismo porque o governo concentra sua atenção nessa guerra.

Além disso, não se fala muito do Afeganistão neste momento. Ainda há terroristas lá eles não pegaram Ben Laden.

swissinfo: É possível uma paz duradoura no Oriente Médio sem resolver o problema palestino?

AH: Um armistício é possível mas não uma paz real. Na língua árabe, existe a distinção entre “solh” e “salam”. Solh é armistício e salam é paz real, duradoura, e isso não pode ser obtido sem solução para os palestinos.

Eu acho que é possível. Atualmente, os palestinos podem aceitar um Estado restrito apenas aos territórios ocupados. O problema é que nem isso os israelenses querem dar.

swissinfo, Jonathan Summerton

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