O incansável trabalho de Stephan Büchi e o povo romeno

Após a queda da Cortina de Ferro, o suíço Stephan Büchi se candidatou para uma breve missão em um abrigo para crianças na Romênia. O que era para ser uma atividade temporária se transformou em um projeto de vida dedicado a pessoas em vulnerabilidade e à sociedade democrática.
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“Estou muito preocupado com minha segunda pátria”, revela Stephan Büchi. No dia seguinte ao primeiro turno das eleições presidenciais romenas, nós nos encontramos em um café para uma conversa.
“O crescimento do extremismo não é um bom sinal”, declara ele, com o rosto marcado pela preocupação. Logo em seguida, porém, ele esboça um sorriso: “Mas, conhecendo o povo romeno, eles também superarão essa crise”, acrescenta o homem de 65 anos, que divide seu tempo entre a Romênia e a Suíça.
A jornada de Stephan Büchi na Romênia começou há mais de trinta anos. Depois de iniciar sua carreira como assistente social no município de Köniz e no Juizado da Infância e da Juventude de Berna, Büchi, na época com 30 anos, procurava um novo desafio profissional. Foi quando ele se candidatou para trabalhar no exterior em diferentes organizações.
“Eu tinha em mente uma missão na África, já que cresci em um ambiente bilíngue, falando alemão e francês, pois minha mãe era do Jura Bernês [área francófona do cantão de Berna]”. Ele acabou sendo contratado pela Fundação Pestalozzi (Kinderdorf Pestalozzi, em alemão), na cidade de Trogen, no cantão de Appenzell. Juntamente com uma colega suíça, Büchi foi encarregado de aconselhar e acompanhar vários abrigos para crianças em Bucareste, capital da Romênia, e nos seus arredores.

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Nos vilarejos ciganos, entre a pobreza e a esperança de integração
Stephan Büchi chegou à Romênia na primavera de 1991, após percorrer milhares de quilômetros de carro. Ele descobriu uma realidade muito diferente da que ele conhecia na Suíça: “Nas instituições que eram administradas pelo Estado na época, havia mais de cem crianças vivendo juntas e sendo educadas coletivamente. Elas quase não tinham objetos pessoais e suas cabeças eram raspadas quando chegavam ao abrigo. Também havia muitos cães sem dono perambulando ao redor da instituição. Às vezes, as crianças precisavam se defender deles; em outros momentos, eles que defendiam o abrigo de estranhos”.
Os “gulags infantis”, revelados pela mídia no início da década de 1990, após a queda do ditador comunista Ceaușescu, provocaram indignação ao redor do mundo e desencadearam, segundo Stephan Büchi, “uma verdadeira corrida de organizações humanitárias para a Romênia”. Em vez de simplesmente retornar à Suíça após passar um breve período no país, dar alguns bons conselhos às autoridades sobrecarregadas e distribuir produtos de primeira necessidade, Stephan Büchi decidiu ficar: “A alegria das crianças, apesar das condições extremamente difíceis, era surpreendente e contagiante”.
O único homem em um abrigo para meninas
Além de ser estrangeiro, Stephan Büchi era o único homem em um abrigo para meninas. Ele melhorou a organização do estabelecimento, instalando, por exemplo, novas camas e armários individuais para cada criança e modernizando a lavanderia e as instalações sanitárias. Ele também aproveitou o conhecimento que havia adquirido na Suíça como assistente social: “Era uma questão de tratar cada criança como um indivíduo, apoiando-as e organizando atividades que dessem a elas um senso de responsabilidade”.
Entre outras iniciativas, ele fundou um jornal dirigido pelas próprias crianças e adolescentes, além de organizar excursões e acampamentos. “Na minha caixa de ferramentas suíça, eu tinha vários métodos lúdicos e de formação de equipes, herdados especialmente da minha experiência como chefe de escoteiros em Köniz”, disse Büchi.
“Stephan trouxe muitas ideias novas e frescas para a Romênia, onde os abrigos para crianças eram sujeitos a um regime estatal rigoroso na época”, conta Claudia Stefanescu, uma das primeiras colegas de trabalho romenas de Stephan Büchi. “O que mais me impressionou foi sua capacidade de reconhecer o potencial de cada menina e incentivá-la de forma concreta”, acrescenta. Além disso, Büchi aprendeu romeno rapidamente, o que ajudou bastante no seu trabalho.

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“Ciganos: a busca incansável pelo paraíso”
Na virada do milênio, quando o apoio direto da Fundação Pestalozzi chegou ao fim, Büchi fundou sua própria organização para ajudar jovens e crianças em vulnerabilidade no país. Para isso, ele contou com a ajuda de amigos e amigas na Suíça e na Romênia. “Criamos alojamentos onde os jovens podiam viver juntos após a maioridade, conversamos com escolas e empregadores, financiamos estudos e treinamentos”, explica Büchi, que continua próximo de muitos dos antigos moradores do abrigo. “Stephan é como um pai para mim, ele me apoiou durante todos esses anos”, conta Adriana Anghel.

Quando era uma jovem órfã, Adriana foi colocada em um abrigo ao sul de Bucareste, administrado pela Fundação Pestalozzi e por Stephan Büchi. Graças ao apoio de Stephan, ela concluiu seus estudos e se tornou enfermeira. “Ele nos ajudava com a lição de casa”, lembra ela. Hoje, aos 42 anos, Adriana Anghel é economicamente independente, trabalha há vários anos em um hospital de Londres, é casada e tem um filho de três anos. “Stephan pagou o voo para a entrevista de emprego”, conta Anghel.
De país pobre a potência econômica
Desde a primeira visita de Stephan Büchi à Romênia, o país teve um crescimento impressionante: de acordo com o Banco Mundial, o produto interno bruto per capita do país quase quadruplicou desde 1995. Hoje, essa nação de 238.000 km² e quase 20 milhões de habitantes é uma das “economias mais estáveis da União Europeia”, de acordo com um estudo da Câmara Econômica Federal da Áustria. Desde o início de 2025, a Romênia é membro pleno do Espaço Schengen: “Um momento de grande transformação”, declarou o ministro das Finanças da Romênia, Marcel Boloș, quando os controles de fronteira com os vizinhos membros da União Europeia foram suspensos.
“A situação social e econômica é muito melhor hoje do que há trinta anos”, diz Stefan Stancu, proprietário de uma empresa especializada na importação e exportação de frutas secas em Bucareste, em entrevista à swissinfo.ch. Ele conheceu Stephan Büchi na virada do milênio e se envolveu em vários projetos de apoio lançados pelo suíço-romeno: “Esse trabalho me ensinou, e a muitos outros aqui, a importância do trabalho voluntário em uma sociedade moderna”. Assim como Claudia Stefanescu e Adriana Anghel, o empresário Stefan Stancu é mais um romeno cuja autoconfiança e as habilidades foram fortalecidas pelo trabalho incansável de Stephan Büchi, de modo que hoje eles podem contribuir, como cidadãos e cidadãs responsáveis, para uma sociedade democrática em transformação.

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Projetos da União Europeia e da Suíça
Graças aos seus muitos anos de experiência e à sua extensa rede de contatos na Romênia, desde que o país aderiu à União Europeia, Stephan Büchi também esteve envolvido, como consultor e avaliador, em projetos de cooperação da União Europeia e da Suíça. “Eu o conheci como um especialista muito profissional, competente e comprometido”, diz o diplomata suíço Thomas Stauffer, que chefiou o Escritório de Contribuição Suíça em Bucareste entre 2010 e 2016 e agora ocupa o mesmo cargo na capital búlgara, Sofia.
Na virada do milênio, Stephan Büchi avaliou, em nome da Suíça, diferentes projetos socioeducativos voltados para jovens. Depois, em nome da União Europeia, ele aconselhou o Ministério da Educação da Romênia sobre questões de proteção à família e direitos das crianças. “O objetivo era conscientizar as autoridades locais, os médicos e os professores sobre a necessidade de as crianças de regiões isoladas terem acesso a serviços terapêuticos. De acordo com Büchi, a política de apoio suíça é diferente da política da União Europeia: “A Suíça é mais seletiva em suas escolhas e tem melhor controle sobre onde e como os fundos podem ser usados de forma mais eficaz”.

As companheiras e companheiros romenos de Stephan Büchi destacam o quanto foram marcados pelas “visitas de estudo” à Suíça organizadas por Büchi e sua associação. “Durante essas viagens, pude observar e sentir como uma democracia que funciona também pode lidar com questões complexas”, ressalta Stefan Stancu, que considera a missão de “promover a democracia”, consagrada na Constituição suíça, como “a tarefa mais importante da Suíça atualmente”. Essa é uma questão fundamental também na Romênia, onde uma nova eleição presidencial deve ser realizada em maio, já que a primeira foi invalidada no final de 2024.
Stephan Büchi se mantém a par das últimas notícias do país: embora esteja atualmente na Suíça, todas as noites ele assiste o jornal do canal público de televisão Televiziunea Română, antes de ver as notícias na televisão suíça SRF. Em vez de convidar seus colegas romenos para viagens de estudo à Suíça, Büchi fundou há alguns anos uma agência de viagens que acompanha pessoas e pequenos grupos pela Romênia. Dessa forma, ele continua sua antiga atuação como construtor de pontes e seu incansável trabalho por uma Romênia democrática.
Edição: Mark Livingston/fh
Adaptação: Clarice Dominguez

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