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Desarmamento mundial esmorece em Genebra

O Paquistão é contra as negociações sobre a produção de material físsil. Reuters

Observadores suíços dizem que o futuro da Conferência do Desarmamento está em jogo após o recente fracasso do organismo em encontrar saída ao impasse de 15 anos.

Outros argumentam que muitos países, principalmente as grandes potências nucleares, estão contentes com a estagnação na conferência de Genebra, único fórum multilateral para a negociação de tratados de desarmamento.

Palavras do tipo “profunda decepção” e “fracasso frustrante” podiam ser novamente escutadas pelos corredores da sede das Nações Unidas em Genebra, no encerramento da primeira reunião da conferência de 65 países, em 2012.

Em meio a apelos de todos as partes para que o trabalho finalmente começasse, o Paquistão decide, mais uma vez, bloquear o consenso sobre o programa de trabalho, no mês passado.

O embaixador do Paquistão, Zamir Akram, disse aos diplomatas que dada a situação especial da segurança em seu país, que havia piorado no último ano e onde os riscos elevados eram “de natureza existencial”, não havia “nenhum espaço para ambiguidade”.

“Nas negociações da conferência o Paquistão sempre tomará uma posição que proteja seus interesses de segurança. Ao fazê-lo não estará agindo de forma diferente de qualquer outro Estado”, acrescentou.

O Paquistão se recusa a entrar na discussão sobre a produção de material físsil desde 2009, o chamado Tratado de Redução de Material Físsil (FMCT, na sigla em inglês). O país exige que as negociações estejam ligadas ao desarmamento e aborde as disparidades dos estoques existentes. A este respeito, o vizinho do Paquistão, a Índia, goza de uma vantagem comparativa.

Os outros temas centrais abordados na conferência incluem garantias de que as armas nucleares não serão utilizadas em países não-nucleares e o impedimento de uma corrida armamentista no espaço. O impasse agravou com a exigência de ligações entre as questões.

“Inaceitável”

Em discurso pronunciado na Cúpula sobre Segurança Nuclear de Seul, na Coreia do Sul, dia 27 de março, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, disse que o atual impasse na Conferência do Desarmamento é “inaceitável”. Ele exortou os países membros a iniciar logo as negociações sobre um FMCT.

O principal fórum mundial do desarmamento nuclear não produz nada de substancial desde o tratado de 1996 sobre a proibição total dos testes nucleares.

“A relevância da Conferência do Desarmamento está em jogo. Se o impasse não for resolvido durante a sessão de 2012, a comunidade internacional deverá explorar caminhos alternativos”, disse Ban.

O sul-coreano fazia alusão à tentativa da Áustria, México e Noruega de criar, no ano passado, grupos de trabalho sobre as questões centrais que reportam diretamente à Assembleia Geral da ONU. Esta iniciativa pode ter outra chance quando o desarmamento for discutido em setembro, em Nova York.

“Mas o que é isso? A Conferência do Desarmamento está sediada em Genebra. Então irão pegar a substância da instituição para tratar dela em outro lugar? Se nada acontecer antes do outono, há forte risco que isso aconteça”, disse à swissinfo.ch o embaixador suíço Alexandre Fasel.

“Mas tirar a substância da conferência não significa necessariamente deixar Genebra.”

Linhas de batalha

As linhas de batalha estão agora traçadas entre os países que rejeitam a ideia da conferência estar no seu leito de morte e aqueles que perderam a paciência e dizem que é obsoleta.

Fasel diz compartilhar as frustrações dos diplomatas, mas acha que a conferência é uma instituição importante que simplesmente reflete os desenvolvimentos atuais.

“Ela corresponde à realidade intergovernamental determinada pelos países membros”, observou, acrescentando que agora era a hora de dar nova vida ao fórum.

Mas ativistas do desarmamento também dizem que o fórum multilateral já se tornou irrelevante.

“Acho que temos que reconhecer suas realizações. Ela serviu para negociar muitos tratados importantes, mas, 15 anos depois, não acho que isso seja suficiente para mantê-la ativa”, disse Beatrice Fihn, da organização não-governamental Reaching Critical Will.

Segundo ela, “muita coisa está acontecendo atualmente”, como as negociações da Assembleia Geral sobre o tratado de comércio de armas convencionais, as iniciativas contra bombas de fragmentação lançadas fora do sistema das Nações Unidas, as negociações bilaterais entre EUA e Rússia e as conversações entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (o P5), “mas nada de multilateral na Conferência do Desarmamento”.

“Funcionou bem durante a Guerra Fria, quando havia dois blocos, mas hoje temos um mundo completamente diferente e a Conferência não está adaptada às dinâmicas de poder atuais”, disse Fihn.

Kafkiano

Os analistas dizem que os países com armas nucleares e outros membros do G21 se encontram agora em uma espécie de “zona de conforto” do desarmamento, preferindo o status quo atual ao abandono da regra do consenso.

Segundo eles, não há nem vontade política para forçar uma mudança, nem qualquer intenção de aceitar o desarmamento nuclear proposto por outros.

“O Paquistão pode estar bloqueando as negociações atuais, mas não é o culpado pelo impasse de 15 anos”, disse Fihn.

“Ninguém propõe uma solução alternativa, já que todos sabem que os países P5 iriam bloqueá-la. O problema é que durante 15 anos todos tiveram prioridades diferentes. E se você tentar mudar a regra do consenso vai precisar de consenso, por isso não vai acontecer… é kafkiano”, acrescenta.

Ponto de vista

Os ativistas dizem que as coisas poderiam começar a se mover, se houvesse alguma mudança na cabeça das principais potências nucleares.

Mas as chances são pequenas, disse Fihn: “Eu acho que vai continuar tudo paralisado. Muitos países estão cortando as delegações e concentrando os recursos em outros lugares. Eles não podem se dar ao luxo de manter tantos diplomatas e embaixadores aqui”.

Em última análise, as mudanças só viriam a partir de novas atitudes em relação a doutrina nuclear, disse o embaixador da Suíça.

“Quando as potências que possuem armas nucleares começarem a discutir abertamente o que está sendo falado em segredo nos círculos militares, ou seja, que as armas nucleares não fazem sentido do ponto de vista estratégico-militar, aí sim o impasse será solucionado. Mas isso não é possível agora”, disse Fasel.

Fundada em 1979 como único fórum multilateral de negociação sobre desarmamento da comunidade internacional, a Conferência foi o resultado da primeira Sessão Especial sobre Desarmamento da Assembleia Geral das Nações Unidas realizada em 1978.

Os termos de referência da Conferência incluem o controle multilateral de todas armas e problemas de desarmamento. Atualmente, ela se concentra, entre outros, na renúncia da corrida armamentista nuclear e o desarmamento nuclear, prevenção da guerra nuclear, incluindo todos os aspectos relacionados, prevenção de uma corrida armamentista no espaço, programa abrangente de desarmamento e transparência em matéria de armamentos.

Quando foi criada, a conferência era composta por 40 membros, agora 65 países fazem parte dela. A conferência se reúne uma vez por ano em Genebra e é dividida em três partes. As primeiras sessões começam tradicionalmente na penúltima semana de janeiro. A Conferência  do Desarmamento é presidida por seus membros de forma rotativa.

Ela apresenta um relatório anual à Assembleia Geral da ONU. O seu orçamento é financiado pelas Nações Unidas. A Conferência toma suas decisões por consenso.

– Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (assinado em 1968/em vigor 1970)

– Tratados do fundo do mar (assinado 1971/em vigor 1972)

– Convenção de Modificação Ambiental (assinado 1977/em vigor 1978)

– Convenção sobre Armas Biológicas (assinado 1972/em vigor 1975)

– Convenção sobre Armas Químicas (assinado 1993/em vigor 1997)

– Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares (assinado 1996)

Adaptação: Fernando Hirschy

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