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O cobalto deve ser incluído na legislação suíça sobre empresas responsáveis

Dorothée Baumann-Pauly e Serra Cremer Iyi

Especialistas em negócios e direitos humanos argumentam que a Suíça deveria aproveitar a oportunidade para exigir o fornecimento responsável de cobalto, um mineral muito procurado cujos riscos aos direitos humanos são frequentemente negligenciados.

Depois que a iniciativa Por Empresas Responsáveis perdeu nas urnas no ano passado, o governo está realizando consultas sobre uma nova lei para responsabilizar as companhias pelo impacto negativo que suas operações têm na vida das pessoas.

O alcance do dever de diligência devida, nos termos da nova lei, é muito menor do que na iniciativa original, na medida em que só exige que as empresas que comercializam ou processam metais e minerais implementem a diligência devida em matéria de direitos humanos se os produtos forem provenientes de “áreas de conflito e alto risco” ou onde “o trabalho infantil possa estar envolvido”. Esse dever aplica-se a 23 produtos derivados listados no anexo, incluindo os chamados “minerais de conflito” – estanho, tântalo, tungstênio e ouro (também conhecidos como 3TG).

No entanto, o cobalto, que possivelmente será a mercadoria mais popular por muitos anos, não está na lista. Deveria estar.

A iniciativa suíça Por Empresas Responsáveis foi rejeitada pelos cantões em novembro de 2020, apesar de ter ganhado 50,7% dos votos populares em um referendo público. No sistema legislativo suíço, é necessária a maioria tanto do voto popular quanto do voto cantonal para que uma iniciativa seja aprovada. A rejeição de uma iniciativa qualifica sua contraproposta a entrar automaticamente em vigor após um período de consulta.

O período de consulta pública para essa proposta legislativa terminará dia 14 de julho e, se aprovado, o texto final entrará em vigor em 1º de janeiro de 2022.

Além da obrigação de diligência devida em matéria de direitos humanos para empresas suíças envolvidas no comércio ou processamento de certos metais e minerais, a contraproposta estipula uma lei vinculante que exige que as “empresas suíças de interesse público” com mais de 500 funcionários e uma receita anual de mais de CHF 40 milhões emitam relatórios não financeiros. O não cumprimento dessa exigência pode resultar em multas de até CHF 100.000 (US$111.000).

Tanto no âmbito da União Europeia quanto em diferentes países europeus, estão em andamento discussões para estabelecer leis sobre a obrigatoriedade da devida diligência em matéria de direitos humanos.

Aumento da demanda

O cobalto é um componente essencial das baterias de íons de lítio que alimentam dispositivos eletrônicos e veículos elétricos. Impulsionadas por investimentos em mobilidade limpa e metas de combate às mudanças climáticas, as vendas de veículos elétricos estão subindo rapidamente, levando a um aumento dramático na demanda por cobalto.

Apesar do impacto negativo da pandemia no mercado, as vendas globais de veículos elétricos aumentaram 40% em 2020 e mais do que dobraram no primeiro trimestre de 2021, enquanto o preço do cobalto já registrou um pico de 60% este ano. A Agência Internacional de Energia espera que a demanda de cobalto aumente entre seis e 30 vezes os níveis atuais até 2040.

Enquanto várias montadoras estão investindo em tecnologias para produzir baterias sem cobalto, espera-se que essas alternativas sejam utilizadas em menos de 20% dos veículos elétricos vendidos durante a próxima década.

Acidentes fatais

O cobalto é um mineral estratégico na transição para a energia verde. Mas também está ligado a graves violações dos direitos humanos.

Mais de dois terços do cobalto mundial é proveniente da República Democrática do Congo (RDC), um país expressamente classificado como uma “área afetada por conflitos e de alto risco” pelo Regulamento de Minerais de Conflito da UE e pela lei Dodd-Frank de proteção ao consumidor dos Estados Unidos.

Diferentemente do ouro, o cobalto não foi classificado como um “mineral de conflito” pelos reguladores americanos e europeus porque não é proveniente de uma “área de conflito” como as partes orientais da RDC, que são controladas por grupos rebeldes.

Porém, o cobalto está sendo extraído em outra “área de alto risco”, com problemas bastante conhecidos de trabalho infantil e de segurança nas minas, o que justifica um monitoramento equiparável. Em 2016, a Anistia Internacional publicou um relatório destacando o uso de trabalho infantil em minas de cobalto artesanais e de pequena escala, além de outros exemplos de condições inseguras de trabalho nesses locais.

Desde então, já ocorreu uma série de acidentes fatais em minas de cobalto congolesas. Em 2019, houve um acidente no local onde mineiros artesanais estavam trabalhando em uma concessão alocada a uma operação de mineração industrial da empresa anglo-suíça Glencore. Morreram 42 mineiros.

Esses não são casos isolados. Os acidentes ocorrem frequentemente em minas de cobalto artesanais e de pequena escala na República Democrática do Congo.

A responsabilidade da Suíça como hub de commodities

A inclusão do cobalto na nova lei é particularmente importante no contexto suíço, uma vez que a Suíça abriga dois dos maiores atores da cadeia global de abastecimento de cobalto, a Glencore e a Trafigura.

Como comerciantes de cobalto congolês, ambas as empresas estão bem conscientes dos desafios relativos aos direitos humanos nas minas de cobalto do país e estão tentando resolver os problemas.

A Glencore apoia a Fair Cobalt Alliance, uma iniciativa multipartite que tem como objetivo melhorar as condições de mineração e erradicar o trabalho infantil. A Trafigura é o único parceiro comercial da Entreprise Générale du Cobalt (EGC), empresa mineradora estatal, junto à qual desenvolveu recentemente padrões de fornecimento responsável para garantir uma mineração artesanal de cobalto segura e rigorosamente controlada.

A inclusão do cobalto na lei não estigmatizaria o cobalto congolês, uma suposta consequência da legislação americana Dodd-Frank sobre minerais de conflito que levou algumas empresas a evitarem o recebimento de 3TG da RDC. Tampouco incentivaria as empresas a retirarem o cobalto de seus produtos. Pelo contrário, ela deveria promover práticas de fornecimento responsável e fortalecer os esforços já existentes das empresas e do governo congolês, incluindo a EGC, para enfrentar as violações dos direitos humanos na cadeia de fornecimento de baterias. Também deveria proporcionar uma vantagem competitiva às empresas que já adotam o abastecimento responsável na República Democrática do Congo.

Ao exigir a devida diligência em direitos humanos para o cobalto, a contraproposta suíça pode reforçar os esforços do governo congolês para formalizar a produção artesanal de cobalto. Ela também pode assegurar aos compradores que o cobalto congolês é de origem responsável e elevar sua aceitação no mercado. Em termos concretos, essa obrigação de diligência devida exigiria que as empresas envolvidas na cadeia de fornecimento de cobalto – desde empresas mineradoras até comerciantes, refinarias e empresas de transporte e distribuição – colaborassem entre si e com organizações da sociedade civil, governos e pesquisadores para desenvolverem um conjunto único de padrões e métricas mensuráveis que ajudem a enfrentar os riscos aos direitos humanos.

Já existe uma plataforma colaborativa multipartite no âmbito da Global Battery Alliance, uma iniciativa que foi lançada através do Fórum Econômico Mundial. Uma lei suíça que inclua o cobalto pode oferecer incentivos essenciais para a implementação local de tais padrões.

Se a Suíça não incluir o cobalto na nova lei, ela também ficará atrasada em relação a seus vizinhos. A UE já propôs uma regulamentação sobre baterias (UE 2019/2020), que até o final do ano deve se tornar parte de um sistema regulatório juridicamente vinculativo de responsabilidade corporativa em toda a UE.

A regulamentação exige a devida diligência na cadeia de abastecimento para metais e minerais utilizados na fabricação de baterias, inclusive para o cobalto.

Com as consultas sobre a lei suíça terminando em meados de julho, agora é o momento para o governo garantir que a mobilidade futura não seja apenas limpa, mas que também respeite os direitos humanos.

Correção: Este artigo foi atualizado para esclarecer que o acidente que matou 42 mineiros foi onde os mineiros artesanais estavam trabalhando, em uma concessão de mineração industrial da Glencore.

As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente a posição da SWI swissinfo.ch.

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Adaptação: Clarice Dominguez

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