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Por que alguns gestores de fortunas odeiam a riqueza?

UBS CEO
Ralph Hamers assumiu o cargo de CEO do banco suíço UBS em 2020. Keystone / Walter Bieri

“Como podemos [...] combater o aumento da desigualdade?”, questionou Ralph Hamers recentemente numa entrevista. Hamers não é o chefe da Unicef, nem da Oxfam, tampouco da Social Mobility Foundation. Ele é o CEO do banco suíço UBS, um dos maiores beneficiários do crescimento das grandes fortunas.

Os últimos resultados do UBS registraram esse benefício de forma mais específica. O lucro líquido do segundo trimestre subiu 63%, chegando a US$ 2 bilhões (CHF 1,8 bilhão). Os ativos investidos pelos clientes cresceram 25% do início do ano até junho, chegando a US$ 4,5 trilhões. Houve algumas novas captações [net new money] – US$ 34 bilhões no trimestre –, mas a maior parte do aumento foi devido ao aquecimento dos mercados.

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E não foi apenas o UBS. O amplo setor de gestão de riqueza, e seus clientes, foram todos beneficiados por esse aquecimento do mercado. O relatório de riqueza global deste ano do Credit Suisse aponta que a riqueza global agregada acumulada pelas famílias aumentou cerca de 28,7 trilhões de dólares em 2020, quando os bancos centrais inundaram os mercados financeiros com dinheiro fácil. Essa política, pouco coordenada entre as principais economias, foi concebida para evitar o desastre econômico na pandemia. Mas também serviu para turbinar anos de preços de ativos inflacionados, desde propriedades até as ações, que estão desproporcionalmente nas mãos dos mais ricos.

Ao mesmo tempo, está mais barato do que nunca para os ricos alavancarem e maximizarem seus ganhos. No segundo trimestre do ano, os quatro grandes bancos de Wall Street aumentaram em 17,5% os seus empréstimos para clientes ricos, emprestando um total de US$ 600 bilhões, de acordo com estimativas do Financial Times. Durante os últimos quatro anos, aumentaram em 50% os empréstimos para gestão de fortunas feitos por esses bancos, enquanto o aumento de empréstimos em geral foi de 9%.

Os bilionários da tecnologia, cujas empresas também foram particularmente favorecidas no último ano, são os que mais se destacaram. Uma análise dos dados da Forbes feita pelo Inequality.org – um braço do laboratório de ideias [think-tank] norte-americano Institute for Policy Studies – mostrou que o patrimônio líquido de Elon Musk, da Tesla, havia atingido a marca de 163 bilhões de dólares, com um aumento de 562% nos 16 meses anteriores a julho. Mark Zuckerberg, do Facebook, possuía 131% a mais, com 126 bilhões de dólares. Para Jeff Bezos, o bilionário da Amazon, esse valor era de 212 bilhões de dólares, o que representa um crescimento de 88%.

Tal aumento de riqueza, por sua vez, rendeu ótimos negócios para gestores de fortunas. A classificação do setor feita recentemente pela ADV Ratings, que não leva em conta o crescimento em 2021, atribui ao UBS CHF 2,6 trilhões de ativos em gestão de riqueza (um número que exclui a “gestão de ativos” mais comum). Isso é mais do que o dobro dos valores de seus concorrentes mais próximos: o Credit Suisse, o Morgan Stanley e o Bank of America, todos basicamente empatados, com o JPMorgan na quinta posição.

Uma crítica incomum

O UBS, no entanto, não se destaca apenas como o maior beneficiário da extrema riqueza. Ele está também entre os seus maiores críticos. Há anos, o banco vem pressionando para que se lide com a questão da desigualdade. Em 2017, publicou um ‘relatório branco’ [white paper], destinado aos formuladores de políticas, que destacava a desigualdade de riqueza como um dos sintomas do padrão mundial de “crescimento insustentável”. Mais recentemente, na série de entrevistas em vídeo Nobel Perspectives, a instituição pergunta a Angus Deaton, Paul Krugman e Josef Stiglitz: “Como podemos diminuir a discrepância entre ricos e pobres?”

O banco chegou até mesmo a publicar suas próprias pesquisas sobre o assunto. No mês passado, afirmou que o patrimônio líquido do 1% com maior renda era quase 26 vezes o tamanho de seus passivos, comparado com pouco mais de cinco vezes para os 20% de menor renda. A diferença entre o topo e a base é a maior já registrada, disse o UBS.

Juntamente aos frequentes comentários do próprio Hamers sobre o assunto, há aqui uma mensagem que implica vergonha ou hipocrisia – ou talvez até mesmo uma sensibilidade genuína acerca das distorções causadas pelas formulações de políticas econômicas, embora lamentá-las sugira uma clara tensão entre o valor acionista e a responsabilidade das partes interessadas.

De qualquer forma, é um desconforto que seus crescentes concorrentes americanos não parecem sentir tão profundamente – e talvez seja por isso que as avaliações relativas estejam onde estão.

Dos cinco maiores bancos, o Credit Suisse – prejudicado pelo escândalo duplo de Archegos e Greensill – segue com um mau desempenho em termos de capitalização de mercado, valendo aproximadamente metade do valor contábil de seus ativos líquidos. Mas até mesmo o UBS parece pequeno perto do Morgan Stanley e JPMorgan, ambos avaliados em quase o dobro do valor contábil de seus ativos líquidos. Não se sabe se ajudaria a situação do UBS se Hamers desse um tempo na autoflagelação – mas certamente seria um pouco menos estranho.

Copyright The Financial Times Limited 2021

Adaptação: Clarice Dominguez

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