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Fax egípcio continua provocando polêmica

O prédio do Ministério Público em Berna. Keystone

Depois da publicação pelo jornal Blick do conteúdo de um documento considerado secreto, autoridades procuram febrilmente o "traidor" nas fileiras do Ministério da Defesa.

A justiça militar já abriu inquéritos contra três jornalistas e desconhecidos. Governos europeus desmentem informações.

Sandro Brotz e Beat Jost, jornalistas do SonntagsBlick, pesquisaram durante semanas o trama envolvendo a CIA. Seu principal objetivo era descobrir até que ponto a luta internacional contra o terrorismo conduzida pelos EUA poderia envolver a Suíça. A história da reportagem já parece um filme de James Bond e não cessa de causar polêmica.

Há poucos dias eles receberam de uma fonte desconhecida o documento considerado extremamente sensível. Ela seria mais um indício de que os EUA mantém prisões secretas na Europa, onde suspeitos de colaborar com o terrorismo são interrogados, possivelmente até mesmo sob tortura.

Em 15 de novembro de 2005, por volta de uma e meia da manhã numa sala do centro de escuta do Departamento Federal de Defesa, Proteção Civil e Esporte (VBS) próximo a Berna, um funcionário do serviço secreto identificado com a abreviação “wbm” traduziu o relatório “Report COMINT SAT” com o número de registro S160018TER00000115 para o francês. O conteúdo foi retirado de um fax enviado pelo ministro das Relações Exteriores do Egito, Ahmed Abu Gheit, ao seu embaixador em Londres e que havia sido interceptado pelo serviço secreto suíço (SND, na sigla em alemão) graças ao sistema de escuta por satélite Onyx. Nele estava escrito:

– “A embaixada foi informada, através das suas próprias fontes, que 23 cidadãos iraquianos e afegãos foram realmente interrogados na base militar de Mihail Kogalniceanu, nas proximidades de Constanza, no Mar Negro. Outros centros de interrogatório semelhantes existem ainda na Ucrânia, Kosovo, Macedônia e Bulgária”.

Os agentes suíços ainda acrescentaram por escrito uma outra frase: – “Os egípcios dispõem de fontes, que confirmariam a existência de prisões secretas dos EUA”.

Desmentidos

Até então apenas organizações de defesa dos direitos humanos haviam denunciado a existência de centros de interrogatório da CIA em países da Europa do leste. Segundo o canal norte-americano ABC, o serviço secreto americano tinha transferido prisioneiros da Europa do leste para países no norte da África poucos dias antes da visita da secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, no final do ano passado.

Em meio à celeuma, diversos governos já refutaram com veemência a existência das prisões secretas. O comandante da base militar romena, utilizada pelos americanos desde o início da guerra do Iraque e onde estaria presumidamente uma das prisões da CIA, desmentiu de imediato os boatos. Desde 1995 ele trabalharia no local e nunca percebeu nada. “A base está aberta para qualquer um que quiser investigá-la”, desafiou Dan Buciuman os jornalistas.

O ministério da Defesa do país também refuta a hipótese de que a base de Mihail Kogalniceanu tenha servido de abrigo para uma prisão da CIA. Iwajlo Kalfin, ministro das Relações Exteriores da Bulgária, se manifestou da mesma maneira.

Não se sabe ainda quais são as “próprias fontes” que o governo do Egito dispõe. Segundo a imprensa alemã, provavelmente ex-prisioneiros teriam informado às autoridades egípcias sobre o local e o tipo de detenção por quais passaram.

Conseqüências para os jornalistas

A justiça já anuncia que irá investigar o caso e não descarta um processo contra o redator-chefe Christoph Grenacher e os dois autores da reportagem. Eles são suspeitos de terem revelado segredos militares, como ressalta um porta-voz do exército suíço.

Ao mesmo tempo, um investigação foi aberta contra desconhecidos. Ela visa descobrir como o fax do ministério das Relações Exteriores do Egito foi parar na mão de jornalistas. Segundo as leis militares suíças, a pessoa considerada culpada pode ser condenada até a cinco anos de prisão.

Na Comissão Européia muitos consideram a revelação feita pelo jornal Blick como positiva. O fax egípcio poderá ajudar nas atuais investigações sobre o tema, explica à imprensa o comissário de Justiça, Franco Frattini. Vários países-membros do Conselho da Europa em Estrasburgo, que trabalha de forma independente da União Européia, estariam encarregado de juntar informações sobre os vôos dos aviões da CIA na Europa e sobre a existência de prisões da CIA no continente. Frattini prometeu apoio ao senador suíço Dick Marty, encarregado das investigações, na sua solicitação de informações entregue ao Eurocontrol, órgão europeu de controle do espaço aéreo.

Inquéritos

Politicamente a reportagem do Blick continua provocando terremotos. A pergunta: estariam informados membros do governo federal como Samuel Schmid (Defesa), Christoph Blocher (Justiça) e Micheline Calmy-Rey? De acordo com a reportagem do Blick, pelo menos Calmy-Rey não sabia nada sobre as novas descobertas do serviço secreto helvético. Ela já havia solicitado ao governo dos EUA esclarecimento sobre as pessoas que estavam nos quatro vôos da CIA que pousaram em Genebra.

No Parlamento Federal suíço três moções estão em andamento. Deputados e senadores solicitam informações ao governo sobre seus conhecimentos acerca das prisões da CIA. Até agora está claro que aviões da CIA sobrevoaram pelos menos 70 vezes o espaço aéreo suíço. Segundo o Blick, existem indicações de que alguns desses vôos transportavam prisioneiros.

Oficialmente os vôos não foram realizados em acordo com o governo. O Ministério Público helvético abriu inquérito para averiguar se quatro aterrissagens no aeroporto de Genebra e 30 vôos no espaço aéreo suíço teriam ferido a soberania nacional. Um dos casos investigados seria o seqüestro do imame egípcio Abu Omar, ocorrido em 2003 em Milão, Itália. O avião que o transportava teria atravessado o espaço aéreo suíço e ido para a Alemanha, antes de rumar para Cairo. Desde então Omar está desaparecido.

swissinfo com agências

O Ministério Público Federal decidiu abrir um inquérito sobre o suposto sobrevôo e pouso de aviões da CIA transportando prisioneiros na Suíça.
A Suíça já solicitou explicações ao governo em Washington relativo à quatro aterrissagens no aeroporto de Genebra e 30 vôos no espaço aéreo suíço.
O “Washington Post” publicou em 2 de novembro um artigo acusando os Estados Unidos de manter campos de prisioneiros clandestinos onde pessoas suspeitas de apoiar o terrorismo são interrogadas. Os campões estariam em países da Europa do leste.

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