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Como a Suíça se tornou Suíça? Os capítulos mais importantes da história da Suíça até 1848

A Suíça com 26 cantões está obsoleta?

Abdicar do brasão cantonal? A maioria dos suíços e suíças não está disposta a modificar a geografia institucional do país. Keystone

Com bastante regularidade Suíça discute o redesenho das fronteiras internas, criando cantões (estados) maiores. No entanto, é comum esses projetos serem esquecidos ou, no melhor dos casos, naufragarem em sufrágios. Os suíços são muito apegados às velhas fronteiras. Para o melhor e para o pior.

Mesmo Napoleão teve de desistir hastear a bandeira branca. Depois da proclamação da República Helvética, em 1798, a França – cujas tropas acabavam de invadir a Suíça – decidiu, através de seu comissário governativo, redesenhar a fronteira de alguns cantões hostis, em particular aqueles que eram hostis à revolução. “Não estão contentes? Bem, vocês é que quiseram. Então, quatro cantões serão unificados para formar só um, assim reduzimos um pouco a influência deles”, pensava provavelmente Jean-Jacques Rapinat ao decretar a criação do cantão de Waldstätten, que reagrupava Uri Schwytz, Untervald e Zug.

O mesmo seria feito na Suíça Oriental: Glarus, Sargans e Toggenburgo superior foram reunidos no cantão Säntis. Mas o debate geopolítico durou pouco. A experiência de aplicar à Suíça o modelo centralizador e unitário francês foi um fiasco. “Nós de Glarus como os de Appenzell? E sobretudo governados por Berna? Jamais, queremos nossa soberania!”, e dá-lhe mosquetão aos que eram favoráveis à nova ordem. Frente a uma situação insustentável, em 1803 Napoleão resolveu dar à Suíça uma nova Constituição de cunho essencialmente federalista (Ato de Mediação), voltando às divisas cantonais que existiam antes.

“A Suíça não tinha semelhança com nenhum outro Estado, seja pelos acontecimentos que se sucederam ao longo dos séculos, seja pela situação topográfica e geográfica, seja pelas diferentes línguas e diversas religiões e a estrema diferença de costumes que existem em suas diversas regiões. A natureza fez do país de vocês um Estado federal. “Querer vencê-lo, não é para um homem sábio” lê-se na carta que Napoleão escreveu aos delegados suíços convocados em Paris naquele ano.

Uma estabilidade excepcional

Depois do Ato de Mediação, as fronteiras nacionais e cantonais ainda sofreram algumas modificações em 1815, no Congresso de Viena. Desde então, com exceção da criação do cantão do Jura em 1979, substancialmente não mudou mais.

Isso não quer dizer que não se tenha tentado. Ou que, com cadência regular não sejam apresentados projetos mais ou menos utópicos para redesenhar o mapa da Suíça, em geral reduzindo drasticamente o número de cantões.

Em uma democracia direta como a da Suíça, a decisão de criar dois ou mais cantões cabe aos eleitores e não pode ser imposta de cima, como por exemplo na França – ela reduziu de uma só vez o número de departamentos (estados) de 22 para 12. Toda a experiência passada demonstra que a ideia de criar grandes cantões tem forte chance de ficar no estágio de mero desejo.

Apenas alguns meses atrás, em setembro de 2014, os cidadão do meio-cantão Basileia Campo, por exemplo, votaram sobre um projeto de fusão. Como já havia ocorrido em 1969, Basileia Cidade aprovou a proposta (55%), enquanto Basileia Campo a rejeitou amplamente (68%).

Um sistema superado?

Segundo muitos observadores, esse sistema de 26 cantões está superado. Muitos cantões são pequenos demais para enfrentar os desafios da globalização e resolver toda uma série de problemas que transcendem as fronteiras cantonais.

No final de novembro, o ex-deputado federal socialista do Jura, Jean-Claude Rennwald, publicou um livro em que relança a ideia de um grande cantão reunindo Neuchâtel, Jura e o Jura bernês. “Sempre maior não é um objetivo em si. Todavia, em um mundo formado por grandes regiões, não se pode mais comportar como nanico”, lê-se em artigo de Rennwald publicado na revista Hebdo.

Por outro lado, o federalismo atual “não corresponde mais aos espaços de vida, que tornou-se maior”, observa François CherixLink externo. Ele foi em 2002 o principal promotor da iniciativa pela fusão dos cantões de Genebra e Vaud (rejeitada nas urnas por quase quatro-quintos dos eleitores). Cada vez mais gente mora em um cantão, trabalha em outro e passa o tempo livre em um outro ainda.

Por que ter 26 polícias cantonais quando a criminalidade ignora as fronteiras? Por que, frente ao contínuo aumento dos custos de saúde, se continua a planejar no plano cantonal e não supraregional? Por que harmonizar a instrução pública, como quiseram alguns, e que apesar dessa harmonização ainda hoje, quando se muda de um cantão para outro, precisa ter muita paciência para compreender como funciona o outro sistema? Sem falar do começo do ano escolar, das férias, dos horários que naturalmente variam não somente de um cantão a outro, mas às vezes de comuna a comuna.

“Quando se pede aos cidadãos se é útil ter duas administrações com dois sistemas escolares diferentes, dizem ‘não, é totalmente inútil, me complica a vida’. Porém, quando se toca no aspecto da identidade, ninguém está disposto a mudar o sistema. É um pouco paradoxal”, observa Cherix.

Trabalho titânico

Para Nicolas Schmitt, professor  no Instituto do Federalismo de FriburgoLink externo, é bom que seja assim. “Para um Estado federal é uma grande vantagem dispor de Estados-membros com fronteira definitiva, não são continuamente colocadas em discussão.”

Uma fusão também comporta problemas técnicos e jurídicos enormes: “os cantões têm muita competência. Junto com o Canadá, a Suíça é provavelmente a federação mais descentralizada no mundo. Harmonizar os sistemas de gestão da água, da floresta, o estatuto dos funcionários ou a jurisprudência representa um trabalho titânico”, explica Schmitt.

O processo de harmonização é inelutável, rebate por sua vez François Cherix. O aumento exponencial dos acordos intercantonais, um dos instrumentos privilegiados da colaboração entre cantões, é o espelho dessa evolução: hoje são mais de 800 e a maior parte foi firmada nos últimos 20 anos. Esses tratados foram concluídos em muitos setores: da execução de penas às Universidades, passando pelas compras do setor público ou a luta contra a violência no esporte.

“É uma forma de centralização forte mas oculta, que crê um nível de poder intermediário entre a Confederação e os cantões. De fato, se formam novas regiões maiores, sem que as pessoas percebam. O resultado é que os cantões perdem parte de sua substância”, afirma Cherix. “No final, os 26 cantões atuais permanecerão, mas não serão mais os cantões que conhecemos. Farão do federalismo de execução, serão 26 distritos que aplicam decisões tomadas em outro plano. Porém, continuarão a existir uma bandeira e uma fanfarra cantonal e todos continuarão a ser felizes e contentes.”

A identidade antes de tudo

Nicolas Schmitt admite que as cooperações sejam necessárias. O aspecto central, no entanto, é o fator da identidade. “É necessário distinguir identidade de competência. O cidadão comum não sabe exatamente quais são as competências do seu cantão e, afinal de contas, não lhe importa. Para ele, o importante é saber que é cidadão de Appenzell, Sant-Gallen ou Genebra, sobretudo em uma época de globalização como a nossa.”

Os atuais 26 cantões representam a subdivisão ideal do país em pequenos territórios, que não se preocupam com divisões étnicas”. Modificar essa disposição geográfica significa mudar equilíbrios seculares.

“Isso levaria a uma oposição de línguas, um pouco como no Iraque, com sunitas, xiitas e curdos”, sublinha Schmitt. “O Valais poderia, por exemplo, aderir a um cantão da Suíça francesa. Mas o que seria do Alto Valais germanófono? Dentro de um grande cantão francófono, ele seria uma espécie de reserva indígena. As pessoas do Alto Valais diriam ‘não queremos de jeito nenhum fazer parte’ e entrariam no cantão de Berna. Além disso, na Suíça alemã se poderia reunir o norte, rico e protestante, e o centro, menos rico e católico. Se criaria assim a Suíça da guerra do SonderbundLink externo (n.r.r: conflito de 1847 ente sete cantões católicos e conservadores  e 15 cantões liberais, terminando com a vitória dos liberais). A Suíça é um país de extrema diversidade, em um território tão pequeno. Mexer nesse equilíbrio institucional significa abrir a caixa de Pandora.”

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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