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Futebol oscila entre nacionalismo e comunhão

Em alguns países vizinhos, a bandeira alemã ainda assusta. Keystone

O futebol oscila entre nacionalismos e o sonho de comunhão planetária. Essa ambigüidade é abordada por uma exposição no Museu de Etnografia de Genebra (MEG).

Nos estádios e nas chamadas “zonas de fãs”, o ambiente foi de festa e não foram registrados incidentes. Em Basiléia, houve cenas de humor e de confraternização entre turcos e alemães, num confronto tido pelos responsáveis da segurança como de médio risco. Mas nos países vizinhos da Alemanha, houve reações.

Nas semifinais da Euro, os capitães das quatro equipes leram declarações contra o racismo, algo inusitado. É fato que durante o Campeonato da Europa o ambiente entre torcedores foi agradável e às vezes até cordial, tanto na Suíça como na Áustria. Não se repetiram, felizmente, as cenas de barricadas dos torneios entre clubes europeus.

Nos últimos anos são freqüentes as camapanhas para afirmar que o esporte em geral, e o futebol em particular, tem também uma missão pacificadora e unificadora. Pode ser, mas que vai além do simples esporte, nunca houve dúvida.

Antes da partida Alemanha x Turquia pelas semifinais, uma correspondente da TV suíça TSR, comentando imagens ao vivo da fan-meile junto ao Portão de Brandemburgo, em Berlim, afirmava que “desde a Copa de 2006, os alemães perderam o receio de mostrar suas bandeiras e seu nacionalismo”.

Polônia, Croácia, Áustria e Turquia

Os adversários da Alemanha até a semifinal, com exceção de Portugal, também lembraram episódios da história recente, constata o correspondente em Berlim do jornal Le Temps de Genebra. Antes do jogo contra a Polônia, um jornal popular polonês publicou uma montagem de fotos em que o técnico Leo Beenhakker tinha as cabeças de Ballack e Joachim Löw nas mãos, sob a manchete: “Leo, traga-nos as cabeças deles”. A Alemanha ganhou de 2 a 0 e, no dia seguinte, a imprensa polonesa se consolava dizendo que os dois gols tinham sido de um polonês (Podolski).

A derrota para a Croácia também lembrou a perda da inocência na guerra dos Balcãs, quando 500 mil eslovenos e croatas na Alemanha forçaram o governo de Bonn a antecipar a divisão da Iugoslávia, desencadeando a guerra. Foi a primeira vez na história recente que a Alemanha mandou soldados ao exterior, abandonando sua postural moral e pacífica.

Com a Áustria, além da história trágica de 70 anos atrás (a anexação pela Alemanha de Hitler), lembrou-se ainda o fiasco na Copa de 1978, em Cordoba (Argentina), quando a Áustria venceu por 3 a 2.

Na Euro 2008, os alemães achavam que sabiam tudo do vizinho. Um país limpo e ordeiro onde costumam passar suas férias. Descobriram nas reportagens um país que mantém relações de amor e ódio com o grande vizinho do norte. Uma Áustria que, em campo, deu muito trabalho para os alemães.

Os alemães também deverão revisar seus clichês, afirma o correspondente do jornal genebrino. Alguns dos mais talentosos jogadores da seleção turca nasceram e cresceram na Alemanha, mas preferem jogar pela Turquia. “É o sinal do fracasso da política de imigração. Um pequeno país como a Suíça tem jogadores turcos em sua seleção”, analisa o deputado europeu alemão Cem Özdemir.

Nós e os outros

No entanto, o futebol faz parte de um “processo de identidade mais complexo do que parece. A noção de nós é construída em relaçâo a eles, do qual tentamos nos distanciar”. A análise é do pesquisador Raffaele Poli, autor do catálogo de uma exposição organizada pelo Museu de Etnografia de Genebra.

O torcedor escolhe um clube para representar simbolicamente a coletividade à qual ele sente pertencer. Os torcedores de clubes são capazes de brigar entre si e se reunirem, semanas depois, para torcer pela seleção.

Trata-se de exprimir um sentimento de pertencer a um território. Os jogadores em campo são percebidos pelo público como delegados de uma nação que ele também representa. Daí a presença das bandeiras nacionais e a execução dos hinos nacionais nas competições internacionais de seleções.

Manipulação política

Como é associado à construção de identidades nacionais, o futebol foi e é instrumentalizado para fins políticos. Ditadores, generais e lideranças políticas sempre o utizaram para promover ideologias e seus próprios interesses.

A vitória da Alemanha na Copa do Mundo de 1954, conhecida como “O Milagre de Berna”, foi o primeiro alento para o país exaurido pela Segunda Guerra Mundial.

Mussolini considerava o estádio como um espaço social a controlar. Pela imposição de símbolos fascistas na Copa do Mundo de 1934 na Itália, ele quis mostrar a grandeza de seu regime.

São apenas dois entre muitos exemplos. Resta saber se, para a final de domingo, alguém vai se lembrar que o ditador espanhol Francisco Franco era aliado do regime nazista.

Um futuro radioso

“O futebol está acima das religiões. Todas as religiões estão representadas”. A declaração do presidente da Fifa, Sepp Blatter, publicada no jornal SonntagsBlick, de Zurique em 11 de janeiro de 2004, poderia ter causado sérias reações, em outras épocas.

“Temos muito a oferecer e a dar ao futebol e à paz no mundo”, declarou o italiano Marco Materazzi, embaixador de honra da Organização Mundial pela Paz, apesar de ter sido o agressor verbal que causou a agressão física de Zinedine Zidane na final da Copa do Mundo de 2006.

Depois de ter sido tratado como “ópio do povo”, o futebol tende hoje a ser considerado como instrumento de civilização e aproximação dos povos, de pacificação, educação etc.

A exposição de Genebra coloca ainda algumas questões. Quem tira proveito dessa visão “humanista” do futebol. O esporte, os políticos ou as instituições que administram o futebol? Dependendo da resposta, não seria uma nova forma de manipulação?

swissinfo com agências

A exposição “Fora de Jogo” fica até abril de 2009 no Museu de Etnografia de Genebra (MEG), anexo de Conches, Chemin Calandrini 7, Conches

Participaram realização da exposição vários especialistas do Centro Internacional de Estudos do Esporte, em Neuchâtel.

Para a exposição “Fora de Jogo, Futebol e Sociedade”, foi feito um catálogo realizado sob a direção de Raffaele Poli.

Com prefácio do etnólogo Christian Bromberger, contém uma entrevista do ex-jogador e psicólogo Lucio Bizzini.

136 páginas, 120 ilustrações em cores de Eric Lafargue e Johnathan Watts e desenhos de Pierre-Alain Bertola.

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